Cruzando as Américas em um Citroën 2CV
Dupla francesa celebra o futebol e sonha em estacionar no Maracanã na Final da Copa

Eles saíram em 13 de fevereiro de Montreal, no Canadá, com destino ao Brasil, a bordo de um Citroën 2CV 1988. Sua jornada vai acabar no Rio de Janeiro, dia 13 de julho, a data da final da Copa, depois de 20 mil quilômetros rodados em 150 dias. A missão é denunciada pela película que imita uma bola de futebol, aspecto ressaltado pela carroceria curva do clássico francês: o projeto Pan American Futbol dos franceses Eric Carpentier e Pierre Pitoiset, visa travar contato com as populações locais e associações ligadas ao futebol de diversos países das Américas e propiciar interação entre apaixonados pelo esporte de diversos países.
A dupla, que representa a ACoW, associação francesa de Mouvaux que já trabalhou com crianças na Índia, carregava na bagagem 10 bolas de futebol trazidas quando deixaram a França. Delas, sobraram duas até esse nosso encontro. O restante foi ficando com as crianças que eles encontraram pelo caminho.

O Citroën chegou ao Canadá de navio. O itinerário por terra incluiu Estados Unidos, México, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá. De Colon, neste último país, até Cartagena, na Colômbia, a dupla e o carro viajaram de barco. Dali rodaram até o Equador, Peru, Chile e, via Cordilheira do Andes, Argentina. Chegaram no Brasil por São Borja (RS) e passaram por Porto Alegre, arredores de Curitiba e São Paulo. Agora eles seguem para o Rio de Janeiro, onde sonham poder estacionar o 2CV no Maracanã. Depois, com a missão futebolística cumprida ao final do evento, pretendem dar uma esticada pelas regiões centrais do pais, ainda não definidas. Talvez Brasília ou Belo Horizonte.
Chassi envergado
Boa parte da viagem foi feita com o chassi do 2CV envergado. Carpentier não sabe ao certo o que levou a essa deformidade, se uma colisão a 10 km/h ainda em Paris ou uma lombada não sinalizada depois de uma noite rodando no Peru. O par de pneus dianteiros já é o terceiro, enquanto o traseiro segue o mesmo. Reforços no cofre do motor, retirada dos paralamas dianteiros e a adaptação de uma outra coluna de direção foram necessários para contornar o problema. Só no Chile conseguiriam resolvê-lo. Mas logo eles perderiam o paralama traseiro direito, resultado de uma colisão com um caminhão na Argentina.

Por outro lado, passaram-se 25 mil km do início da viagem até o motor, que marcava 57 mil km no odômetro na saída, precisar de reparo. Só a bobina e uma peça da ignição precisaram de troca. Nada mal para o Citroën de 26 anos – e sem seguro! Hoje o carro tem 82669 km rodados.
Em Porto Alegre, Carpentier e Pitoiset encontraram o também francês Ludovic Marec, professor de uma escola técnica de comércio na Guiana Francesa, amigo do contato que hospedou Carpentier e Pitoiset ainda no Canadá. Marec seguiu viagem com eles.
Além das associações locais ligadas ao futebol, encontros com colecionadores e fãs do 2CV e mecânicos propiciaram hospedagem e refeições pelo caminho. A idéia inicial de jogar uma partida de futebol por dia não foi possível, mas sim uma média de uma a cada três dias. Se Pitoiset está fazendo sua primeira viagem de maior importância, Carpentier já andou 1200 km de Lille a Marseille com uma bola no pé para arrecadar fundos par dois programas assistenciais ligados ao futebol da Tomorrow’s Foundation em orfanatos indianos, fora viagens de trem e moto pela Europa. Viva a resistência!

QR: Como eram os encontros com as associações ligadas ao futebol? Era algo completamente informal ou previamente organizado?
Carpentier: Nós entrávamos em contato uns três dias antes e tentávamos marcar um encontro. Fizemos uma programação preliminar com todas as associações que estariam no caminho e a idéia inicial era visitar todas elas. Mas fomos vendo que nós perdíamos a espontaneidade, até porque não tínhamos como saber ao certo o dia que estaríamos lá.
QR: O objetivo era encontrar as pessoas desses grupos ou da comunidade local e ter uma partida de futebol?
Carpentier: Nós primeiro conversávamos com os responsáveis pelas associações para entender como eles trabalhavam. Depois acabávamos jogando com as crianças, que não tinham a oportunidade de jogar com franceses jovens como nós, e para ter a oportunidade de conhecer melhor essas crianças e trocar experiências com elas. Quase sempre eram crianças, mas nos Estados Unidos jogamos com adultos de associações para recuperar viciados em drogas e álcool.
QR: Por que a América?
Carpentier: A idéia surgiu há seis anos. Inicialmente era para ser uma volta ao mundo, mas conforme a saída vinha se aproximando, vimos que a logística era bastante complicada. Um amigo falou que a América representava uma diversidade muito grande de paisagens, climas, culturas e de relação com o futebol. Tem uma diferença cultural muito grande de como o futebol e a Copa são percebidos na América do Norte e no restante do continente.

QR: Qual foi a experiência mais surpreendente da viagem?
Carpentier: Não tínhamos telefone, era noite. Estávamos saindo para ir para Santiago, no Chile. Acessamos a internet e vimos uma mensagem nos dizendo para passar em Coquimbo. Eles nos avisaram que a partir das 23:00 horas estariam nos esperando. Chegamos a 1:00 hora da manhã e tinham seis pessoas, dois mecânicos. Um terceiro mecânico apareceu porque não tinha lugar nas outras oficinas. Enquanto passeamos e conhecemos a cidade, em 60 horas eles consertaram o problema do chassi.
QR: O carro teve alguma preparação prévia?
Carpentier: Só estética. Fizemos uma revisão básica. Vela, placa de freio, essas coisas. Levamos algumas peças no porta-malas, mas realmente deveríamos ter reforçado o chassi (risos).
QR: Vocês estão assistindo aos jogos da Copa? Qual é a avaliação que vocês fazem tanto da seleção francesa quanto da brasileira?
Pitoiset: Para a final apostamos em Argentina e França. O Brasil não pode perder na final, mas se der Brasil e França, vai dar França. Só vimos França X Honduras e França X Equador. Estamos muito bem impressionados. Em geral não esperamos muito da nossa seleção. Eles estão jogando com o coração e, quando fazem isso, se saem bem. Quanto ao Brasil, tem toda uma equipe, na verdade todo um país, contando comum só jogador, Neymar. Isso é muito complicado. Funcionou com o Zidane, mas achamos que o Zidane era melhor que o Neymar. Esse ano o jogo está mais equilibrado no time francês, é um jogo de equipe. Mas a torcida do Brasil pode fazer a diferença.
