As dificuldades que um carro elétrico impõe na hora do resgate
Profissionais fizeram treinamento especial para atender às vítimas presas às ferragens de um veículo eletrificado
Carros mais modernos são mais seguros, o que é sempre bom, certo? Bem, não quando tudo dá errado e você precisa tirar os passageiros do veículo após uma colisão.
“Os airbags e aços mais resistentes exigem maior cuidado na hora de resgatarmos as vítimas de um acidente”, revelou o Tenente-Coronel dos bombeiros Hilton de Souza, responsável pelo 6º Batalhão de Bombeiros Militar de Santa Catarina.
O oficial acompanhou a imprensa durante a terceira edição do Rescue Experience, evento realizado em Chapecó (SC) feito para treinar bombeiros do Brasil inteiro no atendimento a acidentes de trânsito.
A novidade do evento de 2019 foi a doação de cinco Nissan Leaf de primeira geração usados pela marca no Brasil para estudos no país.
O objetivo da fabricante, que já havia participado do Rescue Experience no ano passado, era ajudar os bombeiros nos procedimentos específicos para o resgate em veículos elétricos.
Os 174 profissionais de 17 estados aprovaram a novidade, mas descobriram novos problemas que podem dificultar o trabalho deles no futuro.
Airbags perigosos
Antes de chegar à parte elétrica, os bombeiros aproveitaram a profusão de airbags (seis, no total) do Leaf para estudar diferentes procedimentos de corte da carroceria.
A tesoura hidráulica, um dos equipamentos usados para romper a lataria em acidentes, tem mais de 30 toneladas de força.
Isso é mais do que o suficiente para atingir os cilindros de ar comprimido e o dispositivo insuflador do airbag, que podem disparar durante o resgate.
Por isso os profissionais usam um sistema informatizado que alertam a eles onde fica a região que não pode ser cortada. Com a informação em mãos, as áreas perigosas na carroceria são marcadas usam lápis especiais.
Mas, se o carro em questão for elétrico, é preciso um cuidado extra: garantir que o sistema de alta tensão esteja desativado.
“No Leaf a bateria de alta tensão é desligada automaticamente quando qualquer um dos airbags é acionado”, conta Flávio Presezniak, gerente de projetos da Nissan.
Se isso não ocorrer, luzes no painel indicam se o veículo está ligado. Neste caso, é preciso colocar o câmbio do carro em Parking, desligar o veículo pelo botão de partida e afastar a chave presencial do veículo.
Mais fácil na teoria
Só que movimentar a vítima (para tirar a chave do bolso, por exemplo) e ver o painel (que pode estar quebrado e/ou coberto pelo motorista prensado contra o volante) não é algo exatamente prático ou possível durante o resgate.
Até porque os bombeiros só podem tocar no carro após terem certeza de que ele não está energizado.
Isso também impossibilita a última alternativa para desligar o Leaf: acessar um dispositivo corta-corrente bloqueado por uma tampa de acabamento e outra metálica, fechada por três parafusos.
A solução para esse problema não existe: “O bombeiro pode usar vestimentas isoladas eletricamente, mas nossos equipamentos não possuem esse tipo de proteção”, destaca Souza.
O profissional destacou que é necessário um aviso sonoro alimentado pela própria bateria de alta tensão para avisar o bombeiro que o carro está energizado, pois mesmo uma luz poderia se quebrar durante a colisão.
Uma solução seria seguir os protocolos já usados na Fórmula 1 e Fórmula E, por exemplo. Nos bólidos, luzes sobre o carro avisam se é seguro tocar na carroceria ou não.
E nem mesmo após o resgate o carro elétrico permite descuidos. As baterias de íon-lítio são extremamente inflamáveis caso sejam rompidas, provocando um fogo de origem química difícil de ser combatido.
Por isso, depois que as vítimas foram removidas, o carro deve ser isolado pelos bombeiros. Esse cuidado essencial evita novos acidentes caso a bateria comece a pegar fogo horas depois do acidente — algo que já ocorreu com uma unidade da Tesla nos Estados Unidos.
Atualmente não há uma legislação que obrigue as empresas a adotar esses tipos de salvaguardas, mas a popularização de modelos elétricos e híbridos — e, por consequência, acidentes envolvendo eles — pode fazer com que as montadoras adotem proteções extras para que uma colisão não gere vítimas além daquelas dentro dos carros.