Confesso que muitas críticas à eletrificação me parecem injustas. Enquanto os carros (gradualmente eletrificados) se tornam cada dia mais seguros, eficientes e tecnológicos, para alguns (dentro de seu direito, claro) nada disso vale sem ronco e fumaça.
Clique aqui e assine Quatro Rodas por apenas R$ 8,90
Mas é melhor aceitarmos o destino desses dois últimos itens, que serão concentrados no setor de transporte pesado antes de eventualmente virarem assunto para entreter os netos dos jovens de hoje. E se o leitor acredita que o automobilismo de altíssimo nível também se encaixa nessa resistência a gasolina, a Porsche discorda de você.
Discorda tanto que, para provar seu ponto, usou o Salão de Munique para apresentar um novo carro-conceito elétrico que ditará seus planos nas pistas. O Porsche Mission R, protagonista dessa história, faz voltas semelhantes ao 911 GT3 Cup, por exemplo, mas impulsionado por dois motores elétricos de altíssima engenhosidade, e adianta muito do que será o futuro das pistas.
Combate ao carbono
Externamente ele não é ousado, e talvez por conta da pintura esportiva seja menos estranho à primeira vista do que o Taycan. Disrupção, entretanto, não é palavra das mais comuns entre os designers de Stuttgart, que acreditam que cada Porsche deve ser “claramente reconhecível” como tal. Missão cumprida.
Um grande porquê dos conceitos, muitas tecnologias do Mission R seguirão para as ruas em um futuro breve, cada vez mais verde. E como não basta acrescentar motores elétricos aos esportivos sem corrigir outros focos de poluição, a Porsche buscou alternativas limpas à fibra de carbono em partes semiestruturais.
Desse modo, portas, asas dianteira e traseira, painéis laterais e a seção central traseira do Mission R são feitas de plásticos reforçados com fibras naturais — neste caso, fibras de linho cultivadas sem interferência na plantação de alimentos. A Porsche garante que esse composto é quase tão leve quanto a fibra de carbono e têm rigidez suficiente para a função.
A grande razão da escolha é o fato das fibras naturais gerarem 85% menos dióxido de carbono em sua produção comparadas à fibra de carbono. Se isso parece capricho, saiba que, por emissões excessivas de CO2, a Fiat, apenas na Europa, desembolsou cerca de R$ 1,8 bilhão em taxas no ano passado.
Proteção pelo carbono
Outra inovação do Mission R está na proteção do condutor, feita principalmente por um exoesqueleto de fibra de carbono — que também é usada em partes estruturais do bólido. Em formato de teia, o exoesqueleto se funde ao que seria o teto do carro, aproveitando espaço e diminuindo peso. Além de uma portinhola de escape emergencial, a peça pode ser inteiramente removida, como se fosse uma “reinterpretação moderna” do clássico Targa.
Mas se à primeira vista a “lata” não agradou, há novas chances graças à Aerodinâmica Ativa Porsche, que altera em tempo real a posição de elementos do carro como o spoiler bipartido e as persianas dianteiras, que se fecham para auxiliar a frenagem. Para diminuir o arrasto há defletores em cada uma das rodas dianteiras e as traseiras quase não excedem a largura da carroceria, pontua a fabricante.
Fácil de se mover
Sem dúvidas o clímax do Mission R está em seus dois motores elétricos, que geram pico de 1.088 cv e uma velocidade máxima que vai facilmente além dos 300 km/h.
O carro tem peso razoável para os padrões de rua (1.500 kg) e vai de 0 a 100 km/h em menos de 2,5 segundos, juram os desenvolvedores, que acresceram-no de tração integral e vetorização de torque que, a partir do esterçamento, entende a intenção do motorista e eventualmente corrige a direção pela vetorização do torque.
Seus motores são do tipo PMSM (síncronos e de corrente alternada) nos quais o estator (cilindro estático) é preenchido com enrolamentos de fios de cobre. À medida que diferentes fases eletrificam essas bobinas de cobre enroladas, as placas de imãs permanentes do rotor (situado dentro do estator) fazem com que ele gire e transmita movimento às rodas. Mais cobre significa mais potência, e por isso os alemães utilizaram fios com perfil retangular do tipo hairpin, dobrados semelhantes a grampos de cabelo e com menor desperdício de espaço.
Segundo a Porsche, porém, a verdadeira jogada de mestre do Mission R foi substituir o sistema de refrigeração tradicional do motor por um à base de óleo. Nesse novo arranjo as bobinas do estator ficam imersas em óleo refrigerante que absorve melhor o calor da resistência elétrica.
Não há risco de curto-circuito, mas a selagem deve ser extremamente bem feita para que o líquido não entre na câmara do rotor. O esforço vale a pena uma vez que a refrigeração a óleo elimina a perda de eficiência do motor em altas temperaturas — algo comum em carros elétricos nas regiões mais quentes do Brasil, por exemplo — e garante performance constante o tempo todo.
E-sports da vida real
O Porsche Mission R é monoposto e, embora haja opção de inserir um banco extra, seu foco é quase que totalmente dedicado aos pilotos (cada vez mais gamers).
A marca frisa que “corridas físicas e virtuais se fundiram” na construção da cabine, destaque à parte. Ela forma um pequeno casulo compacto, com tela de 6’’ no volante que exibe informações de velocidade, tempos, marcha e outros. Uma outra à direita, é acrescida de botões físicos e exibe dados de saúde do piloto, que mal consegue mover a cabeça por conta da extensa proteção ao seu redor.
Não que faça falta, já que uma outra tela, em posição mais tradicional, exibe imagens de quatro câmeras, que substituem retrovisores e fornecem alerta em tempo real ao condutor, que têm todos dados necessários ao alcance dos olhos.
Streaming desportivo
Outras duas câmeras — uma sobre o teto e outra interna sobre o lugar do passageiro — são destinadas à transmissão particular do piloto, o que a Porsche acredita ser tendência para o futuro. Mediante um comando no painel é possível “streamar” essas imagens e até mesmo receber curtidas e mensagens dos fãs, exibidas na tela superior.
A fim de não fazer feio na live — e principalmente otimizar os simuladores de altíssimo nível das escuderias — todo o conjunto de banco, painel, pedais e volante pode ser utilizado em simuladores de PC ou consoles, permitindo um treino em condições quase idênticas à realidade. Com ajuda de atuadores elétricos, o módulo também é capaz de simular forças dinâmicas sentidas pelo condutor em altas velocidades, elevando o patamar de fidelidade.
Problemas ainda existem
Ainda que no papel tudo seja lindo, o silêncio da Porsche em relação à autonomia do carro deixa pistas de que essa é uma das principais barreiras aos elétricos de corrida.
Como na Fórmula 1 e outras categorias, o Mission R fará tempos mais rápidos na qualificação do que nas corridas por questões ligadas ao abastecimento. Não do tanque de gasolina, claro, mas das baterias que garantem autonomia “equivalente a uma corrida sprint”.
É um conceito vago, mas que representa algo entre 25 e 40 minutos de ação. Se já pouco frente corridas tradicionais, há um pouco mais de desânimo no fato de que os 1.088 cv servem só aos treinos: na corrida o superesportivo terá “meros” 680 cv.
Para chegar lá o Porsche Mission R seguirá à mercê de evoluções nas baterias, essenciais para que se iguale em totalidade à nata do automobilismo mundial. Enquanto isso, seu inédito sistema elétrico de 900 V melhora o que já era destaque no Taycan e permite carregamento ultrarrápido de 350 kW, capaz de levá-lo de 5% a 80% em cinco minutos. As células de íons de lítio também foram aperfeiçoadas e contam com a mesma refrigeração a óleo dos motores.
Não que pare por aí: a fabricante anunciou dezenas de milhões de euros em investimentos na pesquisa e desenvolvimento de novos tipos de baterias, como as de estado sólido. Enquanto isso, a Porsche também banca uma gasolina sintética, usável em qualquer carro e que, a longo prazo, contribui para limpar a atmosfera. Mais avançado, esse e-fuel já estreia em competições no ano que vem.