Para uma tecnologia tão recente quanto a dos carros elétricos, o tempo passa muito mais rápido. Modelos como o Chevrolet Bolt EV e o Nissan Leaf seriam relativamente novos caso fossem a combustão. Mas como há baterias em vez de um tanque, já não fazem parte dos planos mais importantes de suas marcas.
Mesmo assim, os pioneiros seguem competitivos. Ambos tiveram suas atuais gerações lançadas em 2017 e seguem fazendo sucesso desde então. Recentemente, ganharam atualizações visuais e, no caso do GM, mudanças internas.
Com isso, preservam um estilo atual, em dia com os elétricos mais recentes do mercado. O problema é que, após cinco anos, as montadoras ainda estão aprendendo a fazer esse tipo de carro.
No passado, os compactos eram o “quente”: o departamento de publicidade acreditava que eles seriam a cara de um mundo moderno, prático e eficiente. A engenharia agradecia: o tamanho menor e a boa aerodinâmica maximizavam o que tinham de bateria e motor em mãos.
Hoje, contudo, Nissan e General Motors já desenvolveram novas plataformas veiculares, que servirão de base para todos os seus EVs. E tanto americanos como japoneses já entenderam que os SUVs são os queridinhos do público.
Quando chegaram ao Brasil, em 2019, Leaf e Bolt eram tão alienígenas que o comparativo entre eles e o Renault Zoe nem sequer teve um vencedor. O trio estreava para “formar, enfim, um segmento de carros elétricos no país”, como dissemos na época.
Esse segmento está formado agora, e já traz divisões importantes.
Os três únicos concorrentes do passado já fazem parte de um segundo patamar de preços. O mais barato deles é o Renault Zoe, que parte de R$ 239.990.
Reestilizado em julho, o Nissan Leaf custa R$ 292.250 – valor que sobe para R$ 295.100 quando pintado nas cores do modelo avaliado.
O Chevrolet Bolt entrou em pré-venda há um ano, mas uma série de incêndios nos EUA levou a uma recomendação oficial para que o carro fosse estacionado ao ar livre e longe de outros veículos. Recalls e atualizações de software resolveram o problema, mas atrasaram sua chegada ao Brasil.
Na pré-venda de 2021 partia de R$ 317.000. Agora, enfim estreia por R$ 329.000. Os compradores das primeiras 40 unidades ainda receberão um carregador doméstico do tipo wallbox com instalação grátis.
Nesse segundo nível, são esperadas mais autonomia e performance em relação a Renault Kwid E-Tech (R$ 146.990) e afins. O conforto tende a ser equivalente ao de um SUV intermediário topo de linha, mas não conte com bateria para longas viagens.
Mesmo assim, é claro que donos de Chevrolet Bolt e Nissan Leaf devem querer pegar a estrada de vez em quando, e nisso já há diferenças consideráveis. A única atualização mecânica notável do Leaf 2023, aliás, é a inclusão do bocal de carregamento tipo 2, amenizando um problema crítico de compatibilidade.
Isso porque o modelo tem a conexão principal no padrão CHAdeMo. Essa tomada é fruto de um consórcio de empresas criado no Japão há 12 anos e cuja ambição era ser usada no mundo todo. No fim das contas, não foi. No Brasil, é rara.
Necessitado de corrente contínua (usada para carga rápida), só o CHAdeMo consegue carregar o Leaf na potência máxima de 50 kW, na qual a bateria vai de 0 a 80% em 40 minutos.
No tipo 2, de corrente alternada, não passa de 7 kW: são cerca de 8 horas para encher a bateria de 40 kWh. Ou seja, uma noite ligada a um wallbox doméstico dá ao carro 270 km de autonomia (padrão WLTP).
O Chevrolet Bolt foi “abrasileirado” nesse quesito e ganhou o tipo 2 – mas com potência extra, de até 11 kW. Dessa forma é possível carregar os 65 kWh de bateria em cerca de 6 horas. É o suficiente para uma autonomia de 416 km (WLTP), que já permite viagens médias com um pouco menos de ansiedade.
Para aumentar a tranquilidade, é necessário encontrar carregamento por corrente contínua CCS2 no caminho. Esse sistema acrescenta 160 km de alcance em 30 minutos, a 55 kW. Esse sistema já é um pouco mais comum que o CHAdeMO, e tende a ser ainda mais.
Seria essa a nova moda?
Se a recarga já apresenta sinais do tempo, o visual, principalmente do Nissan, segue atualizado e com mudanças bem calculadas.
O que chama mais atenção são as rodas e seus cinco raios formados, cada um, por cinco linhas de pontas em branco e o resto em preto. Uma escolha atrevida e que divide opiniões, mas merece o benefício da dúvida.
Outro aparente acerto foi o entendimento de que os donos de elétricos querem um veículo que, em linhas gerais, seja bonito também diante de um modelo a combustão.
Desse modo, a ousadia fica concentrada em partes invariavelmente distintas, como a grade (ou a falta dela). O Leaf 2023 se aproxima dessa ideia e abandona os detalhes em azul pela carroceria. Eles destoavam da cor principal, servindo basicamente para mostrar que era um veículo a bateria.
Agora predomina o preto no lugar do cromado na dianteira, assim como no teto e nos retrovisores.
O novo Chevrolet Bolt, por outro lado, deu uma de Hyundai HB20 e transformou completamente dianteira e traseira, ainda que mantendo o resto da carroceria inalterado. Não surpreende que ele cause muito mais estranhamento: os faróis e DRLs unidos por uma única peça são bem incomuns.
Como a GM não lhe deu uma falsa grade, sua frente seria impossível em um carro a combustão, assim como o capô bem pequeno.
A traseira é mais discreta, mas o para-choque empinado deixa claro que não há escapamento ali.
Tamanhos diferentes
Na comparação entre americanos e japoneses, poucas coisas surpreendem tanto como o aproveitamento de espaço.
Maior em comprimento e entre-eixos, o Leaf é apertado na frente. Sem ajuste de profundidade do volante, um motorista de 1,82 m precisa levar o banco quase todo para trás. É impossível que o ocupante do banco do carona abra o porta-luvas sem que a tampa bata na canela.
O console central rouba um espaço considerável para os pés, assim como o antiquado pedal do freio de estacionamento.
A reestilização do Bolt inclui novos e bons assentos elétricos e pleno ajuste do volante (altura e profundidade). O console central é vazado, criando um amplo porta-objetos – cabe até uma bolsa para notebook, por exemplo.
O estofamento é de couro perfurado, enquanto no Leaf há a combinação de couro e camurça sintéticos. Como o modelo da General Motors abandonou a alavanca de câmbio e o freio de mão, ganhou ainda mais espaço.
Atrás, o Chevrolet surpreende bastante. Caso o passageiro atrás do motorista também tenha 1,82 m, ele terá mais de um palmo de distância entre seu joelho e os bancos. O ocupante do meio ficaria apertado em ambos os modelos, mas no Leaf ele perde muito conforto com o túnel central. No Bolt, essa parte também é plana.
Por dentro, o Leaf exibe os mesmos problemas de suas conterrâneas Honda e Toyota. As telas têm qualidade abaixo do desejável, tanto na central multimídia como no quadro de instrumentos.
Vale lembrar que o consumidor que compra um elétrico desses tende a ser muito interessado em tecnologias. E o conceito de carro moderno, hoje em dia, também inclui alta dose de conectividade, que é perdida pela baixa capacidade do Leaf.
O Bolt teve seu painel totalmente renovado, ganhando uma central poderosa. Ambos têm suporte a Android Auto e Apple CarPlay, mas só o GM traz um visor de 10,2 polegadas com alta qualidade de imagem e toque.
O motorista do Chevrolet tem até apps que ajudam a economizar energia, mas, caso queira pisar fundo, terá 203 cv e 36,8 kgfm à disposição.
É o suficiente para ir de 0 a 100 km/h em 7,3 s. O Leaf é mais modesto (150 cv e 32,6 kgfm), mas também é ligeiro. E nem faria sentido caso tivessem mais potência: velocidades altas derrubam o alcance desses automóveis.
Daqui a poucos anos, Leaf e Bolt estarão perto da aposentadoria. A GM aposta suas fichas na plataforma Ultium, que deve resolver problemas de autonomia e preço e chegará ao país em 2023, com o Blazer EV e o Equinox EV.
Nos EUA, o Bolt EV agora é visto como alternativa acessível, podendo custar menos de US$ 30.000. A Chevrolet também lançou o seu SUV, o Bolt EUV, que em 2023 estará no Brasil.
A Nissan também vai vender o Ariya no Brasil, obviamente um SUV. Ele estreia nova plataforma, a CMF-EV, que traz as melhorias naturais do aprendizado da indústria.
Inovadores, não é à toa que Bolt e Leaf ainda façam frente a carros recém-lançados.
Não dá para prever o futuro, e quem adquirir um desses modelos terá que pensar: “O que desse carro pode ser obsoleto em breve?”. Nesse aspecto, o Chevrolet está bem mais protegido do que o Nissan.
Veredicto
Chevrolet e Nissan foram visionárias em 2017, acertando muito do que seria tendência para os carros elétricos nos anos seguintes. À medida que o segmento se consolida, porém, Leaf e Bolt vão sentindo o peso do tempo.
O modelo da GM é um pouco mais caro, mas vence por estar renovado por dentro, ser mais confortável e ter 62% a mais de bateria.
Ficha Técnica – Chevrolet Bolt EV
Motor: elétrico, diant., 150 kW (203 cv), 36,8 kgfm, baterias de íons de lítio, 65 kWh
Câmbio: transmissão direta, dianteira, marcha única
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), sólido (tras.)
Pneus: 215/50 R17 Peso: 1.641 kg
Dimensões: comprimento, 414,5 cm; largura, 176,5 cm; altura, 161,1 cm; entre-eixos, 260 cm; porta-malas, 380 l
Ficha Técnica – Nissan Leaf
Motor: elétrico, diant., 110 kW (150 cv), 32,6 kgfm, baterias de íons de lítio, 40 kWh
Câmbio: transmissão direta, dianteira, marcha única
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant. e tras.)
Pneus: 215/50 R17
Peso: 1.592 kg
Dimensões: comprimento, 449 cm; largura, 179 cm; altura, 154 cm; entre-eixos, 270 cm; porta-malas, 435 l
Teste Comparativo Quatro Rodas
Chevrolet Bolt EV | Nissan Leaf | |
0 a 100 km/h | 7,3 s | 8,2 s |
0 a 1.000 m | 30 s – 148,2 km/h | 30,7 s – 148,3 km/h |
Velocidade máxima | 149 km/h | 155 km/h |
Retomadas | ||
D 40 a 80 km/h | 2,7 s | 3,2 s |
D 60 a 100 km/h | 3,3 s | 4,3 s |
D 80 a 120 km/h | 4,1 s | 5,5 s |
Frenagens | ||
60/80/120 km/h a 0 | 14,4/25,4/58,4 m | 15,1/26,9/63,2 m |
Consumo | ||
Urbano | 6,6 km/kWh | 7,0 km/kWh |
Rodoviário | 6,5 km/kWh | 5,9 km/kWh |
Ruído interno | ||
Neutro/RPM máx. | 34,3/- | -/- dBA |
80/120 km/h | 59,1/65,8 dBA | 60,2/68,4 dBA |
Aferição | ||
Velocidade real a 100 km/h | 95 km/h | 96 km/h |
Rotação do motor a 100 km/h em 5a marcha |
– | – |
Volante | 2,7 voltas | 2,5 voltas |
Seu Bolso | ||
Preço básico | R$ 317.000 | R$ 292.250 |
Concessionárias | 80 | 47 |
Garantia (carro/baterias) | 36/96 meses | 36/96 meses |
Condições de teste: alt. 660 m; temp., 29/31 °C; umid. relat., 44/67,5%; press., 1.012,5/1.033 mmHg
Realizado no TMT CAMPO DE PROVAS