Faz 20 anos que a Porsche lançou o carro que seus compradores habituais não pediram, mas era exatamente o que a fabricante alemã precisava. O Porsche Cayenne foi o carro de volume necessário para financiar o pequeno número de carros esportivos que vendia no início deste século.
O resto é história. Quem estava habituado a admirar o 911 Carrera, não via o Cayenne como um legítimo Porsche. Mas as vendas cresceram no mundo inteiro e ajudaram a Porsche a se tornar uma fabricante rentável, o que foi fundamental para manter a essência do 911 nas três gerações lançadas desde então.
Esse sucesso se repetiu no Brasil, onde 554 unidades foram vendidas do lançamento, em 2003, até 2007, quando foi reestilizado. Hoje, é possível encontrar carros dessa primeira fase com preços a partir de R$ 65.000, preço equivalente ao de um Renault Kwid ou Fiat Mobi básicos 0 km.
É tentador, mas são os chamados “restos de rico“, carros de luxo que desvalorizaram muito mas que ainda são carros de luxo na hora que param na oficina para uma simples revisão. Mesmo assim, ainda podem servir de base para projetos bem interessantes como o que conhecemos.
Revisão mecânica é fundamental
A oficina paulistana Flacht, especializada em carros de luxo, viu um potencial nesse mercado e criou a Flacht Off-Road, um departamento focado em projetos especiais para adequar SUVs de luxo ao mundo off-road. A proposta é tanto valorizar o veículo quanto dar um segundo uso a ele quando o proprietário tem outro carro mais novo na garagem e não se sente confortável em sujá-lo de terra.
O chamado Porsche Cayenne S Flacht Off Road é a primeira criação do departamento e tem a proposta de mostrar tudo que pode ser feito. Mas a empresa já está desenvolvendo um projeto mais “leve” usando um Volkswagen Touareg como base.
O Porsche Cayenne S usado como base foi escolhido a dedo. Fabricada em 2009, ela foi encontrada com aproximadamente 60.000 km rodados e custou R$ 130.000. Contudo, não chegou ao Brasil por meio de importação oficial, é uma unidade nas especificações do mercado norte-americano. No final das contas, isso até ajudou no projeto.
O motor não muda: os Porche Cayenne S da época têm motor V8 4.8 aspirado com injeção direta que entrega 385 cv a 6.200 rpm e 51 kgfm de torque 3.500 rpm, câmbio automático Tiptronic de seis marchas e tração integral sob demanda – que, por padrão, envia 38% da força para as rodas dianteiras e 62% para as traseiras.
A questão dos custos de manutenção realmente pesa. A manutenção preventiva desta unidade, que incluiu troca das bobinas e dos injetores do motor (itens que merecem atenção neste motor V8), custou cerca de R$ 35.000. Mesmo assim, é um Porsche confiável por um bom tempo a preço de Jeep Compass Sport ou de Volkswagen T-Cross Highline.
Não custa lembrar que o Porsche Cayenne nasceu tomando por base o Touareg, mas a Porsche não poupou a ponto de fazer alterações profundas no projeto para distanciar seu SUV do VW. Ambos, porém, são de uma época que SUVs de luxo ainda eram novidade em 2002 e a credibilidade do carro no off-road ainda era uma exigência dos compradores em potencial.
O Cayenne é um carro naturalmente competente no off-road. A inspiração para o projeto foi o Porsche Cayenne S Transsyberia, lançado em 2008 para marcar as três vitórias seguidas do Cayenne no rali Transsyberia, cujo percurso começava em Moscou e terminava na Mongólia. Cerca de 600 unidades foram produzidas, mas até onde se sabe nenhuma veio parar no Brasil.
A preparação do carro começou pela elevação da suspensão, com direito a molas e amortecedores com carga específica para a proposta off-road. Isso foi facilitado por esta unidade de importação independente não ter suspensão pneumática, que era equipamento de série nos Cayenne S importados de forma oficial.
Fazer a conversão da suspensão é possível, mas tem um custo. Por isso a Flatch prevê que a maioria das transformações será feita nos Cayenne V6, que têm suspensão convencional.
Ainda foi instalada uma proteção de aço no assoalho que protege desde o motor até o final do câmbio, para-choques dianteiro e traseiro também de aço, e estribos laterais. Tudo para proteger a carroceria e a mecânica nas trilhas.
As rodas forjadas da O.Z. foram escolhidas pela resistência e para dar exclusividade ao projeto e só elas custam R$ 45.000. Estão calçadas com pneus todo-terreno BFGoodrich. O mesmo conjunto está no estepe, fixado no rack instalado no teto com cinto de transporte. Ali também estão os seis holofotes da Hella, cuja fiação é blindada para não ter problemas com chuva ou lavadoras de alta pressão.
Para aproveitar o ronco do motor V8 aspirado, a Flatch também se encarregou de fazer um escape de 2,5″ todo de inox com quatro saídas, duas de cada lado da traseira para aumentar o ângulo de saída do SUV. Os adesivos com as cores do logo da empresa (que repete as cores da bandeira da Alemanha) completam o visual. De acordo com a Flatch, o custo da customização começa em R$ 46.260.
Não há mudanças na cabine, onde todo o acabamento é preto e não bicolor como na maioria das unidades trazidas pela Porsche. O que chama atenção é o fato de ser um carro atual, ainda que tenha 13 anos. O quadro de instrumentos é quase todo analógico, mas já trazia indicador de pressão dos pneus (os sensores foram mantidos) e a central multimídia, mesmo que com tela resistiva, ainda é rápida no uso.
Do luxo à lama
Nosso contato com o Cayenne Off-Road foi em uma trilha estreita que corta a mata nativa de uma fazenda. Um desafio e tanto para um carro com 4,80 m de comprimento, 2,85 m de entre-eixos e 1,93 m de largura.
Havia chovido na véspera e a lama poderia ser outro problema. Com medidas tão grandes e mais de 2.200 kg na configuração original, a possibilidade de ficar preso realmente existia.
Não foi o caso. A suspensão se mostrou bem competente na missão de conter os maiores impactos com sulcos na terra e com as toras de madeira colocadas na transversal como obstáculos. Os pneus maiores e mais adequados para a lama também foram providenciais para ter mais aderência por ali.
O que mais chama atenção, porém, é a diversão que o carro proporciona. É o ronco encorpado do motor V8 que remete a carros de rali de velocidade, a precisão da direção hidráulica e, claro, a disponibilidade do carro para escapar de traseira. A tração integral pode não ser a mais ideal em alguns cenários, mas é interessante poder brincar quando há mais força sendo enviada para as rodas traseiras.
Houve, sim, um momento que foi necessário ter mais calma ao pegar a trilha no sentido oposto. O Cayenne não conseguia avançar em um trecho de lama, mas bastou uma ré e uma pequena correção na direção para soltar, nem sequer foi necessário desligar o controle de tração – que é o mais recomendável nessa situação.
É um projeto ousado e pouco usual. Mas a proposta pode ser interessante para quem tem um SUV 4×4 mais antigo na garagem. Eles podem não ter muito valor no mercado, mas têm potencial para serem transformados em veículos bem divertidos.