Mitsubishi Eclipse Cross R: como é usar um carro de rali na cidade?
Depois de disputar uma prova off-road com um verdadeiro carro de rali seguimos para um passeio no asfalto e comparamos com a versão "tradicional"
Faço uma contagem regressiva mental. “3, 2, 1, alivio a embreagem”, então encontro o ponto, acelero e solto mais a embreagem. E o motor morre. Ligo outra vez e repito o exercício. Erro novamente. A verdade é que só me entendi com o volante do motor aliviado e com as respostas ariscas do acelerador na terceira tentativa, tendo em mente que é preciso queimar um pouco a embreagem e está tudo bem. Eu só estava saindo do box para iniciar o deslocamento até a largada.
https://www.youtube.com/watch?v=9LAOv38ykPs
Estou na etapa de Pirassununga da Mitsubishi Cup, a minha primeira experiência em um rali cross country. Acelerar forte, fazer as trocas sequenciais e dar atenção aos comandos do navegador enquanto procuro a próxima curva no meio de um canavial está longe de ser fácil, mas eu só estava pensando na segunda parte da reportagem: como seria possível usar aquele mesmo carro como um carro comum?
E assim chegamos até aqui, pois um SUV de rali fazendo coisas de SUV de rali é previsível. Mas viver o dia a dia de um SUV normal com um SUV de rali…
Era uma dúvida sincera, porque eu havia voltado do rali em êxtase, mesmo tendo alcançado uma L200 Sport R que tinha largado 2 minutos antes e resolveu admirar a paisagem. Tive tempo suficiente para processar o que havia experimentado andando rápido, jogando o veículo de lado nas curvas e saltando. Tudo isso com um modelo que ainda conserva muito do carro de rua.
Este Eclipse Cross R que eu usei para revirar a terra roxa de Pirassununga (SP) já saiu da fábrica assim. Passou pela mesma linha de produção, em Catalão (GO), que o Eclipse Cross HPE-S que eu havia usado ao longo da semana. Chassi, motor, estrutura das suspensões, direção e sistema de tração não mudam.
O que fazem é não montar os componentes que acabariam sendo desperdiçados quando o Eclipse Cross R fosse desviado para a linha de projetos especiais para ser finalizado e receber componentes específicos designados pela equipe Spinelli Racing. O carro de corrida ainda pode ser comprado em concessionária e emplacado. O direito de circular pelas ruas e de ir ao shopping está, teoricamente, garantido. Mas a que custo? Fomos descobrir.
Após o rali, o Eclipse Cross R foi para o Autódromo Velocitta, em Mogi Guaçu (SP), onde recebeu reparos, como o conserto do para-choque traseiro que quebrei em um facão. Sairíamos de lá para dar uma volta pela cidade como se este fosse mais um SUV no trânsito.
O maior esforço é meu, porque a cabine com santantônio não é tão confortável, travar o cinto de seis pontos não é fácil e o freio sem hidrovácuo exige bastante força para parar o carro (que mantém os mesmos discos e pastilhas) até mesmo em manobras. Muitas sensações que passam batido com a adrenalina do rali agora vêm à tona.
O deslocamento inicial de 22 km durou uma eternidade, porque a vibração e o barulho são mais evidentes em velocidade constante na estrada. Acontece que alguns dos componentes que o Eclipse Cross R não recebe na linha de montagem são as portas, o capô e a tampa do porta-malas de aço, trocados por componentes idênticos (ao menos por fora) feitos de fibra de vidro e com janelas de policarbonato.
Além da facilidade de reparar, deixam o carro muito mais leve, mesmo efeito causado pela ausência de qualquer tipo de isolamento acústico e térmico. Então escuto tudo: do blow-off do turbo à bomba de combustível e o movimento das engrenagens do câmbio GRAF, sequencial de seis marchas, com relações bem curtas, pensadas exatamente para fazer este SUV andar rápido na terra e não para o conforto em rodovia. Ainda podia escutar cada um dos gomos dos pneus Scorpion MTR arrastando no asfalto.
Mas convenhamos: este Eclipse Cross é bem mais divertido que o civil, com câmbio CVT. Até porque o motor tem seu veneno. A injeção direta do 1.5 turbo é trocada por uma injeção programável ProTune, que comanda os injetores no coletor de admissão. O torque em baixas rotações não faz falta, pois o motor passa a girar mais e a potência até aumenta de 165 cv para 172 cv, quem diria. O escape com menos restrição até sugere que o motor é maior ou tem mais preparação.
O que também importa muito é a confiabilidade mecânica em uso extremo. Por isso reforçam o sistema de admissão com um radiador maior em um circuito pressurizado, ainda que para isso tenha sido necessário usar um vaso expansor do velho Fiat Uno. Se esquentar muito, verei na tela que faz parte da injeção programável. Dá para dizer que este é o único Eclipse Cross do Brasil com quadro de instrumentos digital.
Qualquer semáforo que abre é como uma largada de prova, saindo com o giro mais alto para compensar o volante do motor aliviado. As respostas no acelerador são tão rápidas que preciso dosar o pé circulando pela cidade. Mas, para o azar das lombadas, eu já sabia que o Eclipse Cross R tolera obstáculos ainda mais altos, graças aos amortecedores reguláveis da Öhlins e às molas Eibach. Dá aula aos SUVs normais.
Era hora do almoço, o momento ideal para o primeiro teste: o drive–thru do fast-food. Ninguém entendeu o carro de rali ali, nem o que eu falei. Então avancei um guichê e percebi que a janelinha de correr é perfeita para a função: a maquininha do cartão, o saco de papel e o refrigerante passam perfeitamente por ela. Melhor que isso: como o painel e o console do carro de rua foram mantidos, há espaços perfeitos para colocar a batata frita e o refrigerante em segurança.
A propósito, mantiveram até mesmo o toque macio do painel, as portas USB e o ar-condicionado automático – providencial para sobreviver ao calor do macacão e do capacete preso ao protetor cervical. São luxos para um carro como esse.
Estando ao volante de um SUV, eu não poderia deixar de experimentar seu desempenho no estacionamento do shopping. A verdade é que nunca foi tão difícil alinhar um carro como esse na cancela. Neste caso, por causa do banco concha ser instalado tão baixo (não há ajuste de altura, por sinal), eu não tinha como passar o braço pela janelinha para apertar o botão. O jeito foi fazer aquilo que sempre mexe com o brio do motorista: tirar o cinto e abrir a porta para apertar o botão e retirar o papel. E, se deixasse o motor morrer para sair dali, ficaria ainda mais feio.
E para estacionar? Sem uma visão clara dos arredores e sem um navegador para me indicar o melhor caminho, procurei um espaço mais vazio e parei de frente, sem problemas. Assim, fica provado que o Eclipse Cross de rali até pode ser usado como um SUV civil, mas dá trabalho. Se todo SUV fosse assim, os hatches médios, sedãs e monovolumes ainda venderiam bastante.
A proposta da Mitsubishi é tornar seu rali mais acessível, na medida do possível. O Eclipse Cross R pode ser encomendado por R$ 479.990. Esse valor, contudo, inclui um bônus de R$ 3.000 em peças de reposição em provas da Mitsubishi Cup por dois anos, além de garantir a inscrição no campeonato. Um confortável Eclipse Cross HPE-S, completo e com tração integral, custa R$ 209.990, mas sofreria bastante na pele da sua versão de corrida.
Fichas técnicas
Eclipse Cross R
Preço: R$ 479.990 *Dados de fábrica
VeredictoÉ um SUV pronto para uma prova
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Eclipse Cross HPE-S
Preço: R$ 214.990 *Dados de fábrica VeredictoUm dos poucos SUVs médios com tração 4×4, o Eclipse Cross é o único no Brasil vendido também como carro de competição. |