O local deste test-drive não poderia ser melhor. Foi em Los Angeles que o texano Carroll Shelby, já aposentado como piloto, criou a Shelby American e transformou o roadster inglês AC Ace no lendário Shelby Cobra.
Também foi aqui onde ele trabalhou no desenvolvimento do Ford GT40 e pôs suas mãos no então recém-lançado Mustang, criando o Shelby GT350 em 1965.
A linhagem do primeiro muscle car de Carroll ainda está viva. Estou ao volante do Shelby GT350R, um verdadeiro esportivo à moda antiga.
Ele não tem compressor mecânico e câmbio de dupla embreagem como o GT500 e seus absurdos 770 cv.
Aqui, o motor V8 5.2 também recebe preparação profunda, mas continua aspirado. Rende 533 cv e 59,3 mkgf – é o motor aspirado mais potente da Ford. O câmbio é manual.
Dar partida neste motor em um estacionamento subterrâneo é um momento épico.
O ronco grave e estridente não é mérito das quatro saídas de escape, mas do virabrequim plano (como nas Ferrari) que faz parte da preparação da Ford Performance.
Quer dizer que os moentes que movimentam bielas e pistões estão separados por 180°, e não 90° como nos virabrequins cruzados, mais comuns nos V8 de rua (como o 5.0 do Mustang GT).
Isso também torna o motor mais girador. E aumenta os índices de diversão.
Não experimentamos o GT350R na pista, para onde ele foi feito, mas nas estradas sinuosas às margens dos penhascos da Floresta Nacional de Los Angeles.
As montanhas que abrigam ursos, raposas e pumas também têm donos de motos potentes e carros esportivos em sua fauna.
Pudera: é um ótimo lugar para colocar seus Lamborghini Huracán, Chevrolet Camaro ZL1 e Toyota GT86 à prova.
A cada curva tento levar o Shelby ao limite, aumentando a velocidade e atrasando o ponto de virar o volante, extremamente rápido e preciso nas reações.
Mas não tenho sucesso: a carroceria quase não inclina e os Michelin PilotSportCup2 nem sequer reclamam dos meus feitos.
Na linha 2020, a Ford deu ao GT350R a mesma geometria de suspensão e relação da direção do GT500. Talvez seja esse o segredo.
Além do mais, a suspensão tem amortecedores ajustáveis MagneRide, que navegam em uma amplitude entre conforto e rigidez maior que os encontrados no Mustang GT vendido no Brasil ao toque de um botão no volante.
Frear forte e reduzir marcha antes de entrar em uma curva, só para ouvir o motor urrando, também faz parte da diversão. O câmbio Tremec de seis marchas permite trocas extremamente rápidas e certeiras, a despeito do longo curso do pedal de embreagem.
E dá para reduzir marcha à vontade, pois a faixa vermelha do conta-giros só começa em 8.200 rpm. Fazendo tudo certinho, é possível chegar a 100 km/h (aqui, 96 mph) em 3,9 s e aos 290 km/h de máxima, de acordo com a Ford.
Há muitas grifes envolvidas nisso. Todo o conjunto de freios é Brembo, com discos de 15,5 polegadas e seis pistões na dianteira e 15 polegadas e quatro pistões na traseira.
São discos tão grandes quanto as rodas de um Ford Ka e que parecem superdimensionados, dada a intensidade e precisão das frenagens.
Apesar das pinças vermelhas se destacarem, os freios Brembo só chamam atenção porque as rodas aro 19 de fibra de carbono são pintadas de preto.
As fibras dos aros, que pesam quase 6 kg a menos que uma convencional, certamente roubariam a atenção se estivessem expostas.
Com menos massa não suspensa, a inércia da suspensão na hora de amortecer impactos é menor, melhorando o comportamento.
Já os bancos concha são fornecidos pela Recaro e revestidos de Alcantara, assim como o volante, que tem a naja Shelby ao centro, a mesma que se destaca na frente e na traseira do esportivo.
Logotipos da Ford? Só nas rodas. O quadro de instrumentos preserva os mostradores analógicos, enquanto no GT500 e em versões civis é digital.
Inebriado pelas sensações tão intensas ao volante, demorei para notar que os Mustang Shelby não receberam o facelift de 2018 como as versões mais mansas.
O motivo: a nova frente, com faróis recortados e com formas mais orgânicas e a grade mais estreita, não é compatível nem com o subchassi de fibra de carbono nem com as exigências aerodinâmicas e de arrefecimento dos Shelby.
Reforça como estão focados no máximo desempenho e repensando bem qualquer gasto evitável.
Estão perdoados. Mas o que o Mustang Shelby GT350R tem de intenso e ágil, tem de caro: custa US$ 73.435 contra os US$ 72.900 do GT500. Sim, o Mustang mais caro dos EUA tem câmbio manual.
Veredicto
O Shelby GT350R prova que ainda há carros capazes de passar sensações verdadeiras ao volante. Só não converta seu preço para reais: sem impostos, custa menos que o Mustang GT vendido no Brasil.
Ficha técnica – Ford Mustang Shelby GT350R
Preço: US$ 73.435
Motor: gas., diant., V8, 24V, 5.163 cm3; 12,0:1, 533 cv a 7.500 rpm, 59,3 mkgf a 4.750 rpm
Câmbio: manual, 6 marchas, tração traseira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant./tras.)
Pneus: 295/35 R19 (frente), 305/35 R19 (atrás)
Dimensões: comprimento, 481,8 cm; largura, 208 cm; altura, 136,1 cm; entre-eixos, 272 cm; peso, 1.680 kg; tanque, 60,5 l; porta-malas, 382 l
Desempenho: 0 a 100 km/h em 3,9 s; veloc. máx. de 290 km/h
Equipamentos: 9 airbags, controles de tração e estabilidade, ar-condicionado bizona, partida sem chave, central Sync3, pedaleiras de alumínio