Quando os híbridos ainda eram carros de pouco volume, quase experimentais, as montadoras chinesas chegaram a uma encruzilhada: ou tentavam se igualar às fabricantes clássicas nos carros a combustão ou começavam a desenvolver sua expertise nos eletrificados.
A segunda opção foi seguida, e o resultado se pagou. Hoje, o mercado de carros elétricos da China é, de longe, o maior do mundo, com 6,8 milhões de unidades vendidas em 2022, contra apenas 800.000 dos Estados Unidos. Essa explicação serve para reforçar a evidência de que virão das fabricantes chinesas os elétricos mais baratos do Brasil, como já ocorre com os três subcompactos a baterias vendidos aqui, Caoa Chery iCar, Renault Kwid E-Tech e JAC e-JS1.
Agora essa revolução começa a atingir segmentos de maior volume, por exemplo, com a recém-chegada Great Wall Motors impressionando o mercado com o anúncio dos R$ 209.000 cobrados pela versão única do SUV médio Haval H6 Premium HEV. Esse HEV, vale explicar, indica um híbrido pleno. Nele a frenagem regenerativa e o motor a gasolina carregam a pequena bateria, que alimenta o motor elétrico. É uma ajuda e tanto para melhorar o desempenho e o consumo, na maioria das vezes.
Em épocas de valores salgados, o modelo da GWM é relativamente barato. Ele custa menos que o Jeep Compass S (R$ 230.990) e que o Volkswagen Taos Highline (R$ 209.190), sendo ligeiramente mais caro que o Toyota Corolla Cross XRX Hybrid (R$ 207.790). Só o Corolla, porém, tem eletrificação equivalente e, mesmo assim, passa longe de igualar os 243 cv e 54 kgfm do Haval H6, que já está em pré-venda.
Qual o segredo?
Se algumas marcas garantem o preço economizando no acabamento, esse não é o caso aqui. O painel do Haval H6 destaca a escolha por uma central multimídia e quadro de instrumentos flutuantes, com telas de 10,3” e 12,3”, respectivamente. Ambas são de boa qualidade, com proteção que evita reflexo e marcas de dedos.
De um lado, os displays cumprem todos os requisitos esperados, com direito a Android Auto e Apple CarPlay sem fio. Do outro, incomoda bastante que funções como ar-condicionado sejam comandadas exclusivamente na tela, exigindo vários segundos para executar uma mínima alteração na temperatura ou fluxo de ar.
O Haval H6 ainda traz bancos confortáveis em material que imita couro, ventilação nos assentos dianteiros e poucos plásticos duros, quase sempre revestidos por tecidos macios. O console central, também à chinesa, usa com competência o espaço amplo, com seletor giratório de marcha e dois andares.
O pacote é completado pela oferta de seis airbags e de nível 2+ de automação veicular: além do controle de cruzeiro adaptativo com Stop and Go (ou seja, que é capaz de parar o carro totalmente e retomar o movimento, útil para engarrafamentos), há frenagem automática de tráfego cruzado traseiro, monitoramento de pontos cegos, centralização de permanência de faixa, alerta de perigo de abertura de portas e sistema de estacionamento automático. Para usar tanta coisa assim, é necessário treino e interesse pela inovação, pois o volume de dados pode incomodar bastante os mais tradicionais.
Em diversas interações com executivos e outros funcionários da GWM, fez-se questão de realçar a liberdade que a operação brasileira teve para adequar o carro originalmente vendido na China ao gosto do consumidor local. Muito além da estética, na qual os cromados foram preteridos em favor do black piano, essa tropicalização aparece onde é mais necessária: na mecânica.
O H6 Premium HEV tem comportamento de suspensão surpreendente, feita sob medida para as vias nacionais. Em um determinado momento, atacamos com força uma lombada e, ao invés de um tranco duro, a resposta foi uma compressão suave dos amortecedores, nem sequer chegando ao fim do curso.
Em ruas malcuidadas, a rolagem da carroceria também é reduzida, assim como movimentos “pendulares” que, por exemplo, incomodam em nosso Jeep Compass de Longa Duração e aqui não acontecem. Em termos de comportamento dinâmico, o que mais pode incomodar é a leveza da direção e a distribuição de peso entre os eixos, que eventualmente facilita uma saída de traseira que é contornada, sem perigos, pelos controles de estabilidade, mas acaba incomodando um pouco.
O que falta?
O primeiro contato com o utilitário foi feito em um teste de consumo, no qual, com pé leve e todo tipo de economia, foi possível chegar a cerca de 23 km/l. A realidade, entretanto, é mais amarga: em nossos ciclos padrão, os números obtidos foram de 16,5 km/l na cidade (o que é bom) e apenas 12,7 km/l na estrada (longe dos 16,9 km/l do Corolla Cross, que ainda ganha na cidade com seus 18,3 km/l).
A razão disso está no arranjo mecânico do H6 HEV, que, em relação aos modelos híbridos plug-in da GWM, perde um motor elétrico e diminui drasticamente a bateria – determinante para a redução de preço. Ao mesmo tempo, mantém-se o motor 1.5 turbo e a curiosa transmissão de duas marchas, na qual a marcha baixa é utilizada na cidade e a alta, na estrada.
Na maior parte do tempo, a tração é provida pelo motor elétrico dianteiro, mas, como a bateria tem meros 1,6 kWh, o motor a gasolina quase não para de funcionar, a fim de gerar eletricidade, que não demora a ser consumida. No anda e para urbano, é uma receita que vai bem. Em altas velocidades, onde propulsores elétricos sofrem, a conta chega.
Essa opção também cobra seu preço na performance, que não é empolgante. O H6 HEV vai de 0 a 100 km/h em bons 8,8 s, mas chega aos 1.000 m a apenas 165,7 km/h. Ou seja: ainda que o motor elétrico contribua para um princípio de arrancada melhor do que a média, a entrada do motor a combustão em seguida acaba sendo prejudicada pelo câmbio pouco escalonado. Mesmo no modo esportivo, o SUV passa longe de seduzir pela emoção, e isso pode facilmente frustrar quem se deixa levar pela potência e torque bem maiores que os de um BMW 320i.
Mas, sem dúvidas, é uma sensação melhor que a do Corolla Cross e comparável à do Jeep Compass, com a vantagem de não haver turbo lag. Em relação à média do segmento, o H6 ainda se sobressai pelo baixo ruído interno e amplo espaço traseiro, favorecido pelo piso quase plano, que poupa espaço dos pés.
Brasileiros ainda torcem o nariz para carros chineses, mas forjar um produto com pegada tecnológica na China é submetê-lo a um cliente tão ou mais exigente. Realizar as alterações necessárias para o Brasil e oferecer preço competitivo é um diferencial importante. E, para quem desconfia do pós-venda da marca recém-lançada, pela disponibilidade de peças, reparação e atendimento, a GWM garante que está tomando todas as medidas necessárias para se tornar referência nesse quesito.
Ficha técnica – GWM Haval H6 Premium HEV
Preço: R$ 209.000
Motor: dianteiro, transversal, gasolina, 1.499 cm³, turbo, 16V, injeção direta + um motor elétrico; 243 cv, 54,0 kgfm (combinados)
Câmbio: automático, 2 marchas (combustão)
Bateria: capacidade, 1,6 kWh
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (dianteira), multilink (traseira)
Freios: a disco nas quatro rodas
Pneus: 235/55 R19
Dimensões: comprimento 468,3 cm; largura, 188,6 cm; altura, 173 cm; entre-eixos, 273,8 cm; peso, 1.699 kg; porta-malas, 560 l
Teste Quatro Rodas – GWM Haval H6 Premium HEV
Aceleração
0 a 100 km/h: 8,8 s
0 a 1.000 m: 30,2 s – 165,7 km/h
Velocidade máxima
175 km/h
Retomadas
D 40 a 80 km/h: 4,8 s
D 60 a 100 km/h: 5,6 s
D 80 a 120 km/h: 7,1 s
Frenagens
60/80/120 km/h a 0: 15,8/28,0/63,4 m
Consumo
Urbano: 16,5 km/l
Rodoviário: 12,7 km/l
Ruído interno
Neutro/RPM máx.: 47,2 dBA/-
80/120 km/h: 62,5/68,7 dBA
Aferição
Velocidade real a 100 km/h: 96 km/h
Rotação do motor a 100 km/h: 2.100 rpm
Volante: 2 voltas
Seu Bolso
Preço básico: R$ 209.900
Garantia: 3 anos
Condições de teste: alt. 660 m; temp., 26,5 °C; umid. relat., 61%; press., 1.013 kPa. Realizado no ZF Campo de Provas