Ford F-150 custa meio milhão e é limusine off-road contra Silverado e Ram
Um dos veículos mais icônicos do mundo, a picape Ford F-150 chega em versões luxuosas e como a picape mais potente do Brasil; confira consumo e desempenho
Os estatísticos gostam de explicar o poder de seu ofício dando exemplos de como números fora de contexto podem enganar as pessoas. Em outros casos, porém, dados concretos devem ser reconhecidos e, se forem derrubados, que sejam apenas com bons argumentos. Nesse segundo grupo temos a Ford F-150, picape grande que, há incríveis 41 anos, não é apenas a caminhonete mais vendida, mas o veículo mais vendido dos Estados Unidos.
A F-150 acaba de chegar ao Brasil e, até o final do ano, irá compor um grupo interessante: pela primeira vez, os três veículos mais vendidos dos EUA serão comercializados aqui simultaneamente. Além da Ford, teremos, Ram 1500 e Chevrolet Silverado em um segmento que se consolida no país, o de picapes grandes ou full-size, como dizem os americanos.
Em 2018, havia apenas a Ram 2500, com 530 emplacamentos no ano. Em 2022, a linha completa da Ram vendeu 4.501 unidades; oito vezes mais, a despeito de aumento de preço, pandemia e todo tipo de problema recente. A Ford perdeu o timing e agora vê a rival da Stellantis com vantagem e uma rede de concessionárias ganhando força em cidades grandes. A Chevrolet está em situação parecida e sua igualmente notável Silverado só chegará no segundo semestre.
Preços da Ford F-150
A Ford F-150 estreia em duas versões: Lariat, de entrada, que custa R$ 470.000; e Platinum, mostrada aqui, por R$ 490.000. Ambas com a mesma mecânica, mas com o modelo topo de linha ostentando apliques cromados, estribos elétricos, console central que vira uma mesinha e dez alto-falantes extras de alta fidelidade entre seus atributos exclusivos.
O grosso das vendas da F-150 nos EUA vem das versões de trabalho, que estão descartadas para o nosso país. As variantes à venda aqui focam em um cliente que vive em regiões interioranas e, com quase meio milhão de reais para gastar, vê mais sentido em um carro preparado para o meio off-road do que em um esportivo por vezes delicado e avesso à terra.
Exagero não, abundância
A Ford optou pelo motor Coyote V8 5.0, praticamente igual ao utilizado no Mustang. Aqui, ele rende 405 cv de potência e 56,7 kgfm de torque, tendo a honra de torná-la a picape mais potente do Brasil. Em termos de aceleração, a F-150 demora bem mais do que os 4,9 segundos do Mustang Mach 1 para ir de 0 a 100 km/h, mas não deixa de ser impressionante gastar apenas 7,5 s para cumprir o teste, em se tratando de um veículo de 2.517 kg.
Em relação à concorrência, esse tempo é apenas 0,1 s menor que o cravado pela Ram 1500 Rebel (V8 400 cv, 56,7 kgfm e 2.610 kg), em nossa pista.
Mas esportividade não é o foco aqui e nem deveria ser, por conta do porte incomum dessas picapes. Com bastante cromado pela carroceria, logo fica claro que a proposta é ter um veículo que ostenta sem exageros, com estética típica do que vemos em clipes de música country e sertaneja. Em resumo, uma máquina muito capaz, mas altamente confortável e estilosa.
Por dentro, isso significa bancos e painéis revestidos de couro de alta qualidade, completados por camurça marrom que lembra o tecido de chapéus e botas dos peões. Também há costuras em laranja e alguns apliques de madeira escura, num conjunto elegante que deve agradar até quem não é adepto do estilo rural.
Os 3,7 m de entre-eixos da Ford F-150 são maiores do que o comprimento de um Renault Kwid (3,68 m). Ao todo, a picape tem 5,9 m de comprimento, com espaço de sobra não apenas para a caçamba, mas para os cinco ocupantes. Nesse caso, são cinco ocupantes muito bem servidos de espaço, um atributo no qual a grandona foge completamente do que os brasileiros estão acostumados.
Com ajustes elétricos nos dois bancos da frente, é fácil achar posição de dirigir semelhante à de um SUV, com o detalhe de enxergar o teto dos carros adiante e ter ajuste elétrico de profundidade até dos pedais. O que não é fácil é conseguir pegar um objeto no porta-luvas ou alcançar a porta do passageiro; resultado dos 2,08 m de largura da cabine (2,43 m, do lado de fora, contando os retrovisores). Um pequeno percalço frente à ótima sensação de espaço proporcionada.
Atrás, o tamanho impressiona ainda mais. Quando pensamos no conforto de quem viaja na segunda fila, a F-150 está numa ordem de grandeza acima das picapes que conhecemos. Os joelhos passam longe de bater nos bancos da frente, três passageiros adultos viajam sem trombar os ombros e o chão plano permite ao ocupante do meio sentar sem o sufoco.
Há um generoso baú no console central que se transforma em uma mesa e um compartimento ainda maior sob os assentos traseiros, capaz de acomodar várias mochilas. Caso a ideia seja ligar um laptop e trabalhar de dentro da F-150, por exemplo, basta recolher a alavanca de câmbio, estender a mesinha e ligar o PC à tomada de 110 V no painel (também há outra tomada atrás). Completando a lista de comodidades, existe aquecimento em quatro bancos e ventilação para os dois da frente, além de um grande teto solar panorâmico.
A transmissão automática de dez marchas também é semelhante à do Mustang, e muito importante para a dirigibilidade versátil da caminhonete. Um vistoso quadro de instrumentos digital de 12 polegadas tem seu charme exibindo animações 3D com toque artístico, que selecionam os modos de condução.
No Eco, mais econômico, as últimas marchas permitem à picape manter altas velocidades com baixa rotação, marcando bons 9,3 km/l de gasolina no ciclo rodoviário de nosso teste. No Sport, as trocas rápidas e constantes deixam a F-150 bem obediente, com respostas ágeis que equivalem às de motores diesel e um ronco exuberante, ultrapassando quase qualquer carro ao seu redor.
O consumo de 6,4 km/l no ciclo urbano é ruim, mas o dinheiro da gasolina certamente não é a maior das preocupações aqui. Ter de parar no posto é o que mais incomoda, mas isso é amenizado pelo tanque com capacidade para 136 litros. E, não se pode esquecer que o consumo está diretamente ligado às emissões.
No ambiente urbano, entretanto, o maior incômodo é a dureza da F-150, que é feita para o trabalho, além das aparências. As versões do Brasil trazem o pacote off-road FX4, que inclui amortecedores traseiros mais robustos, protetor de cárter reforçado e bloqueio do diferencial traseiro. Não apenas são itens dispensáveis na rua, como tornam o veículo pouco adaptado a valetas e buracos.
Equilíbrio delicado
O tamanho, claro, é outro problema, mas o sistema de câmeras e sensores são úteis na baliza, assim como a direção, que não exige esforço além do normal. Por outro lado, a sensibilidade dos pedais e o comportamento arisco do V8 exigem atenção para evitar o risco de um totozinho no carro do vizinho (que ocorreria com a sutileza de um caminhão).
A capacidade de carga é baixa (681 kg na Platinum; 728 kg na Lariat), mas a caçamba tem bastante espaço (1.370 litros). Para acessá-la sem muito esforço, é só sacar a escada e bastão de apoio embutidos na estrutura. Como os americanos gostam é do reboque, a F-150 tem ele como prioridade e puxa até 3,5 toneladas, com direito a sistemas de automação veicular que levam em conta o que há atrás para instruir uma manobra apertada, por exemplo.
Mas a F-150 se destaca mesmo em terrenos mais exigentes. Trilhas com pedregulhos e fendas são transpostas ao ativar o modo para trilhas, que liga a tração 4×4 e até o bloqueio do diferencial, se necessário. Na areia, o controle de tração se torna mais sensível; em pisos escorregadios, limita-se a força da aceleração, e, em estradas de terra batida, basta ligar o 4×4 automático e seguir de maneira confortável em velocidades de cruzeiro.
Nos pavimentos asfaltados, então, a vida é ainda melhor: isolamento acústico que se destaca, um veículo que não fica para trás e todos viajando com bastante espaço, comodidades e estabilidade dinâmica.
Quem vê manipulação em todos os dados pode levantar diferentes explicações para o sucesso de vendas da F-150 nos EUA. A mais provável, porém, é de que a marca realmente encontrou um produto que atende bem dos profissionais aos pais de família que amam um veículo grande.
Fotos da Ford F-150 Platinum
É um equilíbrio delicado, e a história nos EUA pode ser um pouco diferente aqui no Brasil, dado o nível parelho da concorrência. Mesmo assim, a F-150 Platinum mostra que, ao menos em luxo, é difícil encontrar alguém que saiba tão bem fazê-lo à moda rústica (no bom sentido) como a Ford.
Veredicto Quatro Rodas
Para quem mora em cidades espaçosas e viaja bastante, a Ford F-150 é uma das melhores opções de luxo em seu preço.
Ficha Técnica – Ford F-150 Platinum
Motor: gas., diant., longit., V8, 5.038 cm³, 32V, 405 cv a 6.000 rpm, 56,7 kgfm a 4.250 rpm
Câmbio: automático, 10 marchas
Direção: elétrica, 14,6 m (diâmetro de giro)
Suspensão: duplo A (diant.), eixo rígido com feixe de molas (tras.)
Freios: disco ventilado nas quatro rodas
Pneus: 275/60 R20
Dimensões: comprimento 588,4 cm; largura, 244,3 cm; altura, 192,6 cm; entre-eixos, 369,4 cm; peso, 2.517 kg; tanque de combustível, 136 l; caçamba, 1.370 l; carga útil, 681 kg; reboque com freio, 3.515 kg
Teste Quatro Rodas – Ford F-150 Platinum
Aceleração
0 a 100 km/h: 7,5 s
0 a 1.000 m: 27,9 s – 182,8
Velocidade máxima Não divulgado
Retomadas
D 40 a 80 km/h: 3,5 s
D 60 a 100 km/h: 3,8 s
D 80 a 120 km/h: 4,5 s
Frenagens
60/80/120 km/h a 0: 16,5/28,3/67,7 m
Consumo
Urbano: 6,4 km/l
Rodoviário: 9,3 km/l
Ruído interno
Neutro/RPM máx.: 37,1/65,6 dBA
80/120 km/h: 58,7/66,7 dBA
Aferição
Velocidade real a 100 km/h: 99 km/h
Rotação do motor a 100 km/h: 1.400 rpm
Volante: 3 voltas
Seu Bolso
Preço básico: 490.000
Garantia: 3 anos
Condições de teste: alt. 660 m; temp., 29,5 °C; umid. relat., 56%; press., 1.013 kPa
Mais vendida? Chama o var
No ano passado, a F-Series (que inclui modelos maiores) vendeu 653.957 unidades nos EUA, contra 513.354 da linha equivalente da Chevrolet Silverado e 468.344 da família Ram. A GM, entretanto, afirma que o jeito certo é considerar também as vendas da Sierra, uma versão de luxo da Silverado vendida sob a marca da GMC. Nesse caso, ocorreria uma virada no ranking de vendas, e a F-150 (e suas irmãs maiores) cairia para o segundo lugar.