Opinião: a insólita experiência de dirigir no trânsito chinês
Dirigir no país asiático é uma experiência inusitada e que nos ensina a gostar dos motoristas brasileiros
É impossível não ficar impressionado com o trânsito chinês. Nas três vezes que visitei a China, desde 2023, voltei impactado com o que vi: muitos carros, hábitos desconhecidos… Nas duas primeiras fui mero expectador. Mas, na mais recente, por ocasião do Salão de Xangai, em abril deste ano, tive a oportunidade de dirigir pelas ruas e estradas locais.
Me animei com essa possibilidade, mas antes de me darem as chaves do Omoda 5 HEV, que eu poderia avaliar longe das pistas fechadas, como é o costume com estrangeiros, precisei tirar uma autorização temporária para dirigir, uma vez que a China não reconhece a carteira internacional de trânsito – PDI, Permissão Internacional para Dirigir, criada pela convenção de Viena de 1968.
Felizmente, foi relativamente fácil. Visitei o departamento de trânsito de Xangai com os documentos exigidos, devidamente traduzidos e autenticados, junto com a CNH brasileira e o visto de estrangeiro válido, e o único procedimento mais demorado foi assistir a um vídeo de 30 minutos sobre segurança no trânsito, contando casos horrendos de acidentes fatais no trânsito, cheio de cenas de atropelamentos e colisões.
Para os chineses, obter a CNH é muito mais complicado. O treinamento necessário na autoescola dura um mês. E o exame de motorista prevê três etapas. Começa por um teste teórico com 100 perguntas e o candidato tem que acertar 90 respostas (no Brasil são 30 perguntas e 21 respostas certas). Dizem que essa prova é a parte mais difícil de todo o processo. A segunda etapa é prática, mas acontece em ambiente fechado, onde o candidato deve dirigir o carro dentro das linhas que delimitam o espaço. E a terceira, o motorista sai às ruas acompanhado do examinador. Esta fase dura 24 horas, em seis seções de quatro horas por dia.
Os chineses começaram a dirigir de fato há menos de 30 anos, quando a indústria automotiva local se expandiu e os automóveis ficaram mais acessíveis. Antes disso, o meio de transporte individual mais popular era a bicicleta. Ou seja, os motoristas ou são novatos ou aprenderam a dirigir com idade avançada. E isso se nota nas ruas, onde a maioria ao volante demonstra ser cuidadosa demais, com medo de bater, ao mesmo tempo que se coloca em situações de risco.
O resultado visto por um forasteiro que aprendeu a dirigir em meio ao salve-se quem puder das ruas brasileiras é um caos ordenado. Aparentemente não existem regras para determinar quem tem a preferencial, por exemplo. Preferência é de quem chega primeiro e o simples ato de mudança de faixa se transforma em uma disputa. Quem quer mudar de faixa precisa fazer de tudo para conseguir espaço, tendo a certeza de que o motorista vai fazer de tudo para ceder. A negociação, se é que se pode chamar assim, se estende até que o motorista que está mudando de faixa consiga forçar o outro a recuar e frear; ou consiga posicionar seu veículo de modo a fechar o avanço do parceiro. E tome buzina, cara feia.
Conversando com brasileiros que conhecem o povo melhor do que eu, eles justificaram que os chineses são assim, no dia a dia. Como são muitos no trânsito, no metrô, no comércio, eles precisam ocupar os espaços antes que alguém ocupe. Faz sentido. A pé, nas calçadas, eles agem da mesma forma. E, aliás, no trânsito, pedestres também são um problema, pois disputam espaço com os carros.
Os mesmos brasileiros mais experientes que eu disseram também que foi muito pior no passado, quando não havia gerenciamento do trânsito. Com o avanço da tecnologia do país, atualmente há câmeras em todos os lugares, e furar faróis vermelhos e entrar na contramão deixaram de ser manobras comuns.
As regras locais não são tão diferentes das do resto do mundo. Assim como nos EUA, é permitido virar à direita em cruzamentos, mesmo com o sinal vermelho. Outra curiosidade é a faixa de conversão à esquerda, que se estende após a faixa de pedestres, normalmente com espaço para um ou dois carros.
As milhares de scooters elétricas circulam em uma via dedicada, entre a rua (usada por carros ou veículos maiores, assim como motos com motores a combustão) e a calçada de pedestres. Essa configuração, muitas vezes, gera problemas nos cruzamentos, com todos tentando forçar a passagem.
Nas grandes cidades e principais rodovias, o asfalto é muito bem cuidado, ao contrário dos vilarejos e estradas secundárias. Há construções grandiosas como pontes e anéis viários para tentar ajudar no fluxo, mas, dependendo da cidade, não adianta muito, como é o caso de Xangai, onde dirigi, com seus 6,1 milhões de carros circulando.
Depois de dois dias dirigindo na China, posso dizer que me sinto um motorista um pouco melhor e que, após essa experiência, passei a apreciar muito mais o trânsito de São Paulo, por incrível que pareça.
Nicolas Tavares
Jornalista escreve sobre carros há 14 anos, é fascinado pela evolução dos automóveis e toda a tecnologia aplicada à mobilidade.
CNH sem autoescola é aprovada pelo Contran; entenda todas as novas regras
Toyota muda estratégia da Hilux com bitola larga e insinua GR-Sport para nova geração
Nissan Kait 2026: primeiras imagens do novo SUV de entrada
Vendas de novembro: VW Tera supera Onix e lidera entre os carros de passeio
Próxima geração do VW Polo pode virar híbrida com motor de dois cilindros







