Relação de transmissão
Sem um casamento perfeito entre motor e câmbio, a coisa vai aos trancos e barrancos

Câmbio curto, buracos entre as marchas, torque em baixa… Afinal, quanto da dirigibilidade de uma moto depende da relação de transmissão? E como se pode atuar nela? Basicamente, precisamos da embreagem para acoplar e desacoplar o motor do sistema de transmissão. Isso não seria necessário, por exemplo, se a moto apagasse a cada parada – e teria de ser empurrada para voltar a andar.
O ideal é que esse acoplamento seja progressivo e sem trancos, para facilitar o manejo. As embreagens motociclísticas atuais são em maioria feitas de múltiplos discos banhados em óleo, o mesmo usado para a lubrificação do motor. Também há (nas Ducati, por exemplo) embreagens de um só disco a seco (como nos automóveis), mais rápidas e esportivas, mas que têm maior sensibilidade à fadiga por superaquecimento.
Em um motor elétrico, no qual o torque é constante, basta acoplar uma roda dentada ao eixo primário e acelerar: a entrega de potência é constante e a velocidade aumenta à medida que o motor sobe de giro. Só há preocupação com a relação final da transmissão. Nos motores a combustão interna não é assim, basicamente porque torque e potência não são iguais em todas as faixas de rotação – eles vão crescendo, atingem um pico e declinam após esse momento. Há motores em que esse pico surge logo nas baixas rotações e outros que só manifestam agressividade depois que atingem regimes elevados de giro. Todo motor tem um regime ideal de trabalho, e é preciso explorar adequadamente essa faixa para tirar o melhor de cada propulsor. Essa exploração é o trabalho – que exige cálculos matemáticos intrincados – dos engenheiros projetistas de grupos motopropulsores.
CÂMBIO
Câmbios motociclísticos têm, quase como regra (sempre há exceções), entre quatro e seis marchas em sequência, uma após a outra, reduzindo-se as velocidades no sentido inverso.
O câmbio é, grosso modo, um conjunto de dois eixos com engrenagens de diferentes diâmetros fixadas lado a lado ao longo de cada um. O pedal de câmbio (algumas motos usam outros sistemas, manuais e até elétricos, mas a regra é o pedalzinho mesmo) aciona garfos internos que fazem um desses eixos deslocar- se, mudando a engrenagem que está acoplada entre eles.
Assim, tanto a primeira marcha de um ciclomotor de 50 cc e 2 cv de potência máxima quanto a de uma Hayabusa de 1 340 cc e 200 cv deve permitir que a moto suba uma ladeira de até 60% de inclinação com sua carga máxima, e a última marcha deve proporcionar velocidade de cruzeiro compatível com a proposta de cada veículo (limitada e econômica no caso do ciclomotor e o mais elevada possível na hiperesportiva).
O motociclista não tem como atuar nas relações de câmbio (mecânica fina e complexa), mas pode perceber quando o projeto da caixa de mudanças não está em perfeita sintonia com o motor. O mais comum é haver o que se convenciona chamar de “buraco” entre as marchas. Você estica, por exemplo, a Terceira até quase a rotação de potência máxima e joga a quarta. Em vez de progredir com uma mínima queda de giros (o aceitável é algo em torno de 1 000 a 2 000 rpm), o motor decai, perdendo o ímpeto, com uma baixa de giros bem perceptível. Isso é um “buraco” ou “degrau” excessivo entre marchas.
A transmissão final é a que parte do eixo do câmbio e leva o movimento giratório até a roda. Ela é determinante no desempenho da moto e – essa sim – é muito fácil de ser alterada pelo motociclista, pelo menos em um dos casos principais, quando se usa a corrente. São três sistemas: com pinhão, corrente e coroa (fixada à roda); um sistema similar, no qual a corrente de elos metálicos é substituída por correia de fibras compostas e borracha; e, finalmente, o eixo cardã.
O cardã e a correia não admitem muitas mudanças (que requerem alterações complexas). Também nenhum dos dois exige muita manutenção. É claro que o plano de manutenção de sua moto, constante no manual, prevê as lubrificações periódicas do cardã (em alguns casos não são nem mesmo necessárias) e os eventuais ajustes da correia – que deve estar sempre bem durinha (o manual de proprietário indica a folga maxima na flexão com o dedo). A correia deve ser periodicamente inspecionada e, em caso de qualquer desfiado ou dente quebrado, imediatamente substituída. Em viagens longas e para regiões distantes, o melhor a fazer é levar uma de reposição.
As correias duram muito, cerca de 100 000 km, e requerem pouquíssima manutenção – nenhuma lubrificação, o que é uma limpeza extra. As correntes exigem limpeza e lubrificação frequentes e fazem sujeira. Mas as Cintas dentadas não são adequadas para motos que trabalham em altas rotações e exijam acelerações bruscas e velocidades superiores – nas pistas de corrida, até agora, só correntes. São também mais caras (até dez vezes) que as correntes convencionais. Suas vantagens são a menor manutenção, o baixo peso, a maior durabilidade, a limpeza e o silêncio: praticamente não há ruídos nem trancos.
CORRENTE CONTÍNUA
A boa e velha corrente, essa sim, domina a cena quando se trata de transferir a força até a roda. Pudera: é mais barata, fácil de trocar e reparar – e simplesmente eficiente em qualquer faixa de rotações e solicitação de força. É também o sistema que permite maior flexibilidade de ajuste: com uma desmontagem básica troca-se pinhão ou coroa por uma peça com mais ou menos dentes, o que altera completamente o desempenho da moto. Vale dizer a essa altura que, a menos que você use a moto em pistas de corrida e precise adaptá-la a diferentes circuitos, com mais ou menos retas, curvas mais ou menos travadas, não mexa na relação. Mantenha aquela que os engenheiros de fábrica julgaram ser a mais adequada para as curvas (agora gráficas) de torque e potência de seu motor – em uma utilização variada e média.
A coisa é simples e funciona como um câmbio de bicicleta. Quanto menor (menos dentes tiver) o pinhão, a roda dentada fixada ao eixo do câmbio, e/ou maior e com mais dentes for a coroa (a roda dentada que está acoplada ao eixo traseiro), a relação ficará mais reduzida, mais curta. Com pinhão maior e/ou coroa menor, a relação será mais desmultiplicada, mais longa.
Relação final mais longa ou mais curta faz toda a diferença no desempenho da moto: na vitalidade para arrancar e retomar velocidade, manter velocidades de cruzeiro… Uma moto mais curta arranca e retoma com mais presteza, mas não é capaz de manter velocidades elevadas de cruzeiro sem forçar demasiadamente as rotações do motor. Uma moto mais longa é mansinha na largada e retoma velocidade com mais paciência, mas em viagens longas proporciona muito mais conforto, rodando em regimes baixos e médios de rotação, o que não sobrecarrega o motor e proporciona maior economia de combustível e menor desgaste.
Uma solução (caso das Harley-Davidson, por exemplo) é a adoção de quarto ou cinco marchas escalonadas em cascata, numa escala que permite pouca perda de giros na troca de marchas e aproveita bem o torque do motor, e, para a longa estrada, uma marcha overdrive, bem alongada. O ideal é que o escalonamento permita que tanto o torque quanto a potência em alta sejam aproveitados, e a moto ofereça desempenho coerente em todas as condições de uso. Parece óbvio, mas nem sempre é o que se encontra…

ÓLEO NO ELO
A corrente, de qualquer modo, é o sistema que exige maior frequência de manutenção. E é um dos raros itens de conservação que um motociclista pode fazer em casa, usando as ferramentas originais que, acompanham cada modelo.
A corrente precisa ser limpa e lubrificada com periodicidade que varia de acordo com o ambiente em que a moto é usada – mas nunca deve ultrapassar 3 000 km de rodagem. Se você trafegar diariamente em trechos de terra e poeira, por exemplo, é melhor lavar a corrente no mínimo todo mês, independente da quilometragem. Observe sempre esse componente tão vital. E use a audição: corrente seca e folgada faz barulho.
E como lavar? Há dois modos básicos: com a corrente montada e desmontada. Com ela montada, apoie a moto no cavalete ou no pezinho lateral (inclinando-a) e gire a roda, aplicando água pressurizada (se dispuser de lavadora de alta pressão, é melhor) e uma escova. Pode usar detergente de variados tipos para tentar dissolver a lama de graxa e poeira que se forma. Feito isso, gire bem a roda para secar e lubrifique com produtos especializados, de alta adesão, que sujam menos (e contaminam menos) e duram mais.
O uso de gasolina ou querosene é ambientalmente desaconselhado. Esses produtos podem atacar a borracha dos anéis internos de vedação das correntes das motos mais sofisticadas.
Para um serviço mais cuidadoso, solte a roda, desmonte a corrente pela trava aberta que quase toda corrente tem (atenção para o sentido de rotação, para evitar a inversão na hora de remontar) e escove bem, deixandoa de molho em uma vasilha com óleo comum (pode ser oleo usado), que depois deve ser encaminhado a um posto de abastecimento para ser coletado e reciclado. No fim, aplique os oleos especiais de alta adesividade, geralmente vendidos em spray. Algumas fábricas recomendam o uso de óleo de transmissão, SAE 90, mais viscoso que o de motor. Funciona.
Esticar a corrente também pode ser necessário, e é operação básica, que todo motociclista deve saber executar. Afrouxe o eixo traseiro e use os extensores de porca que lá estão para esse fim. Não estique demasiadamente a corrente: o movimento pendular da balança exige certa folga da transmissão. A folga padrão, medida com os dedos na parte inferior (a mais próxima do solo) da corrente, deve ficar entre 1 e 1,5 cm, eventualmente até 2, no máximo – é maior nas motos off-road, com mais curso na suspensão traseira. O melhor é consultar o manual do proprietário de seu modelo específico.
A troca mais econômica, quando se muda só a corrente, prolongando a vida de coroa e pinhão, não vale a pena. O melhor é trocar o trio, a chamada relação. Faça isso sempre que, ao puxar os elos da corrente que deveriam estar presos à coroa, você conseguir enxergar o dente interno, folga superior a 5 mm.
Apesar de homem geralmente detestar discutir a relação, é bom prestar atenção nela. Inclusive na da motocicleta.