O anúncio do fechamento das fábricas da Ford no Brasil da decisão de descontinuar dois modelos de alto volume, Ka e o EcoSport, não era esperado. Até mesmo a rede de concessionárias da marca foi pega de surpresa.
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Passado o primeiro momento e, com a ciência de que esse fato já poderia ter ocorrido há pelo menos 20 anos e que a marca, que tinha fábrica no Brasil há quase 102 anos, se tornará uma importadora de modelos premium com alto valor agregado, procuramos especialistas do mercado e da indústria pra tentar saber quais serão os próximos capítulos.
Primeiramente, é importante entender quais foram os fatos que contribuíram pra essa decisão da extinção da fabricação no país e qual o objetivo principal da marca americana com esse movimento.
“Mais do que custos menores de produção, o que toda empresa quer é previsibilidade de gastos. E já faz tempo que o Brasil deixou de oferecer isso, graças a volatilidade política e fiscal”, afirma Luiz Carlos Mello, ex-presidente da Ford, entre 1987 a 1992, fase inicial da Autolatina.
“Ao analisarmos esses custos, a Argentina sai na frente pois a sua estrutura tributária é mais amigável e menor.” Ainda de acordo com Mello, ao se colocar no lugar da direção da empresa o movimento que foi feito lhe parece lógico, pois Argentina e Brasil, do ponto de vista de produção e consumo, formam um mercado só devido ao acordo do Mercosul.
“Não há tempo para ter tempo e nas condições que a Ford se encontrava no Brasil, essa foi uma solução necessária e que possibilitará a sobrevivência da marca, inclusive fortalecida, aqui no Brasil”, afirma Mello.
Funcionário da Ford por 20 anos, João Marcos Ramos, lamentou a decisão, mas concorda com Mello de que concentrar a operação no país vizinho é lógico do ponto de vista de custos.
“Mesmo com todo o incentivo fiscal brasileiro a carga tributária continua sendo muita alta e esse ‘custo Brasil’ sempre foi visto pela diretoria da marca como um grande problema”, conta Ramos.
João endossou que a Ford quase fechou as portas em definitivo no Brasil em 2000, mas que se recuperou graças a investimentos em novos produtos como os, então inéditos, Ford Fiesta e a primeira geração do SUV compacto EcoSport.
“A Ford chegou a dar mais lucro que a matriz entre 2003 e 2014, mas após esse período, começou a depender da ajuda dos EUA”, conta Ramos.
E daqui pra frente?
Os dois ex-funcionários da Ford são unânimes em dizer que a rede de concessionárias como existe hoje, com 322 revendas, não deverá se manter. “Apenas o pós-venda e a negociação de modelos zero km mais caros e novatos não serão suficientes para manter toda rede. Nesse caso, uma parcela significativa deve migrar por conta própria pra outras marcas”, afirma Mello.
Consultamos a ABRADIF, associação brasileira de distribuidores Ford, mas a entidade preferiu não se manifestar no momento.
Com uma rede menor e modelos de volume descontinuados, a Ford pode abalar a confiança do consumidor brasileiro em sua marca. O consultor automotivo Milad Neto, da Jato Dynamics, afirma que a desvalorização dos modelos que saíram de linha é inevitável, mas que a confiança pode ser restabelecida com a chegada de modelos com qualidade percebida, assim como, a inalterada qualidade do pós-venda.
A KBB Brasil, empresa de pesquisas especializada na avaliação de automóveis, considera como consequência direta da decisão da interrupção da produção, a redução dos preços da linha Ka e EcoSport.
“A companhia certamente oferecerá bônus ou condições especiais à sua rede para agilizar o esgotamento de estoque destes carros. Isso tende a trazer os preços desses veículos para baixo e esta redução provocará um efeito em cascata nos preços praticados pelos modelos seminovos e usados, que serão forçados a serem reduzidos para atrair o consumidor”, diz a empresa.
Outro fator que deve ser levado em conta é o abalo da confiança do consumidor brasileiro na marca americana.
“Embora a Ford vá permanecer no Brasil, a marca como o consumidor a conhece está virtualmente encerrada e isto provoca uma série de incertezas. Os proprietários de modelos Ford podem querer se desfazer do bem de maneira mais rápida, preocupados em evitar problemas futuros ou maior desvalorização, e isso pode contribuir para a queda dos preços deles no mercado, uma vez que haverá maior oferta disponível, mas a demanda não vai acompanhar, já que a notícia também abala que estava interessado em um Ford”, conclui a nota da KBB.
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