Primeira morte por um carro autônomo é culpa de humano, conclui Justiça
Morte causada por Uber autônomo só foi possível porque supervisora ao volante estava assistindo TV no celular, concluiu julgamento no Arizona
Um dos maiores problemas envolvendo o uso de carros autônomos (AVs) é quem culpar em caso de acidentes com vítimas. O primeiro veredito da Justiça norte-americana envolvendo uma morte causada por veículos que dirigem sozinhos, entretanto, dá dicas do que pode acontecer daqui em diante. As informações são da Associated Press e da Wired.
O caso aconteceu em 2018, quando os testes com AVs se iniciavam nos Estados Unidos. O carro em questão era um Volvo XC90 da Uber, que atropelou e matou uma ciclista no estado Arizona. O acidente ocorreu durante a noite e em via sem iluminação, enquanto o SUV trafegava a 64 km/h.
À época, o projeto da Uber utilizava um motorista reserva ao volante, que deveria assumir a direção em casos emergenciais. A funcionária Rafaela Vasquez, entretanto, falhou na sua tarefa e permitiu que a fatalidade ocorresse, concluiu o julgamento.
De acordo com as investigações, Vasquez se distraiu por estar assistindo a um episódio do reality show The Voice em seu celular; dessa forma, não percebeu que a ciclista Elaine Herzberg estava cruzando a pista. Os advogados da ré afirmaram que ela, na verdade, estava conferindo o aplicativo da empresa, e o celular que passava The Voice estava no banco do carona e que ela apenas ouvia ao conteúdo — o que era permitido pela Uber.
“A acusada tinha um e somente um trabalho, que era manter seus olhos na estrada”, disse a promotora Tiffany Brady no julgamento que resultou em seis meses de condicional a Vasquez, uma mulher transgênero que cumpriu prisão preventiva em penitenciária masculina, sempre afirmou preconceito em seu processo penal.
A investigação descobriu que o sistema autônomo detectou Herzberg 5,6 s antes do acidente, mas o computador não conseguiu identificar se ela era uma ciclista, uma moto ou algum objeto desconhecido. Assim, o carro seguiu viagem e a supervisora não realizou a intervenção necessária. Na época do acidente, especialistas independentes concluíram que os faróis do SUV só detectaram a ciclista cerca de um ou dois segundos antes do impacto. Também apontaram falhas graves no software do AV.
Um relatório do Governo também apontou falhas estruturais: inicialmente, os testes eram feitos com dois humanos no carro, mas a empresa eliminou essa necessidade posteriormente. Os operadores eram submetidos a longas e “tediosas” viagens, favorecendo distrações por cansaço. O NTSB concluiu, em síntese, que havia uma “cultura de segurança inadequada” na corporação.
Uber inocentada
Surpreendentemente, o Tribunal entendeu que a Uber não deveria responder criminalmente pela morte, ainda que também tenha desativado a frenagem autônoma de emergência do Volvo XC90. Mesmo que a medida tenha aumentado os riscos de acidente, ela era compensada pela presença do supervisor ao volante, concluiu a Justiça.
Mesmo assim, a companhia foi advertida por não acrescentar um segundo operador no carro. Fato que serviu como atenuante na pena de Vasquez, que já havia sido condenada anteriormente por falsidade ideológica e assalto a mão armada — crimes cometidos antes de sua contratação pela Uber.
O acidente no Arizona é tido como um ponto de inflexão no desenvolvimento de carros autônomos. Depois da morte, a empresa foi proibida de seguir seus testes no estado e uma profunda revisão nos procedimentos foi adotada até pelas concorrentes, atrasando o desenvolvimento da tecnologia.
Atualmente, os testes mais avançados com AVs nos Estados Unidos ocorrem em São Francisco, Califórnia. As viagens são feitas sem nenhum humano ao volante, mas em áreas urbanas de baixas velocidades e zonas específicas, nas quais os pedestres têm ciência que carros sem motoristas circulam por lá.