Ministério Público processa BYD por trabalho escravo e tráfico de pessoas
Ação é movida após o resgate de 220 chineses nas obras da fábrica em Camaçari (BA) e pede o pagamento de R$ 257 milhões em multas por danos morais

O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação civil pública, na Justiça do Trabalho, contra a BYD e as empreiteiras JinJiang e Tonghe. Após investigações, as empresas foram agora acusadas de trabalho em situação análoga à escravidão e tráfico internacional de pessoas. No ano passado, o órgão resgatou 220 chineses que trabalhavam na construção da fábrica em Camaçari (BA).
Ao todo, o processo tem 154 páginas detalhando cada uma das violações. A BYD e as construtoras são acusadas de:
- Trabalho em condições análogas às de escravos;
- Tráfico de pessoas mediante promessas enganosas de salário;
- Fraude para a concessão de vistos em desconformidade com a hipótese migratória e transporte de trabalhadores oriundos da China;
- Grave sonegação a direitos trabalhistas, previdenciários e fiscais;
- Embaraço à fiscalização em atuação orquestrada pela BYD, na qualidade de dona da obra, e respectivas Prestadoras de Serviços, culminando com o resgate de 163 trabalhadores chineses.

A ação foi protocolada na 5ª Vara do Trabalho de Camaçari, segundo o MPT, após as empresas negarem firmar um termo de ajuste de conduta. Agora, o Ministério Público do Trabalho pede que as três empresas façam:
- Pagamento de R$ 257 milhões por danos morais coletivos;
- Pagamento de dano moral individual equivalente a 21 vezes o salário contratual, mais um salário por dia em que cada trabalhador foi submetido à condição análoga à escravidão;
- Quitação de verbas rescisórias devidas;
- Cumprimento das normas brasileiras de proteção ao trabalho;
- Pagamento de multa de R$ 50 mil para cada item descumprido, multiplicado pelo número de trabalhadores prejudicados.
No processo, o MPT acusa as três empresas de terem trazido os 220 funcionários chineses de forma irregular, utilizando um visto de trabalho para serviços especializados que não estavam ligados às suas funções reais no canteiro de obras. O Ministério afirma que 2.308 vistos foram requisitados pela BYD com base na Resolução Normativa n.º 03/2017, para prestadores de serviço de assistência técnica especializada, o que não se encaixa nos serviços prestados pelos funcionários, muitos deles até analfabetos.

Além disso, os trabalhadores viviam em condições insalubres, sem conforto ou higiene, com jornadas exaustivas e sem descanso semanal. Os agentes públicos que visitaram o local ainda encontraram negligência às normas de saúde e segurança do trabalho.
Os chineses assinaram contratos de trabalho com cláusulas ilegais, tiveram seus passaportes retidos e havia uma vigilância armada no local, feita por policiais militares da Bahia. Os depoimentos colhidos pelo MPT mostram que os trabalhadores eram proibidos de sair dos alojamentos, inclusive em dias de folga, e que os portões eram trancados após o jantar. Um empregado só poderia sair se recebesse autorização para compras básicas.

Outra ilegalidade apontada pelo MPT envolve o pagamento dos funcionários chineses, que recebiam um valor abaixo do salário-mínimo nacional como uma “ajuda de custo”. Alguns pagamentos ficavam abaixo de R$ 1.000 e existem casos em que os trabalhadores não recebiam nenhum valor.
Ademais, os contratos assinados pelos chineses foram analisados pelo MPT. Os funcionários pagavam um caução de 6.000 yuans (R$ 4.704) que só seria reembolsado após seis meses de serviços prestados. O salário seria pago em 70% no final do ano e os 30% restantes seriam retidos por três meses após o retorno à China. Se o contrato fosse rescindido por qualquer motivo, seja desistência do funcionário ou por decisão da empresa, o caução não seria devolvido e o trabalhador teria que pagar o custo da passagem de volta para a China.
O MPT ainda acusa as empresas de embaraço à fiscalização realizada no dia 9 de dezembro, quando uma força-tarefa de procuradores do MPT e da República encontraram o local quase vazio. Em um dos depoimentos gravados, um pintor revela que só teve duas folgas desde que chegou ao Brasil em novembro e as duas aconteceram nos mesmos dias da fiscalização.
Procurada por QUATRO RODAS, a BYD enviou o seguinte posicionamento:
“A BYD reafirma seu compromisso inegociável com os direitos humanos e trabalhistas, pautando suas atividades pelo respeito à legislação brasileira e às normas internacionais de proteção ao trabalho.
A empresa vem colaborando com o Ministério Público do Trabalho desde o primeiro momento e vai se manifestar nos autos sobre a ação movida pelo MPT.”