Jeremy Clarkson: O (quase) novo VW Golf GTI
O GTI é equipado como um Bentley, anda como uma Ferrari e ninguém tira fotos dele. O que podiam melhorar na nova versão? Na verdade, pioraram
Você é o chefe e liga para o departamento de estilo. Pergunta se eles completaram o visual do carro e eles respondem: “Precisamos de mais duas semanas”. Então você lhes dá mais duas semanas e daí liga para o departamento de motores, que pede uma semana a mais.
Bem, você concorda com eles, o que faz com que o departamento de estilo faça mudanças que levarão três semanas. E quando elas estiverem prontas o pessoal da suspensão liga, para dizer: “Olha, dê mais 24 horas para nós”.
E a coisa continua até que enfim você, como chefe, tem de ligar o sistema de alto-falantes da fábrica e dizer: “Todos vocês. Entreguem o que têm agora, que nós vamos construir isso”. O que significa que o carro que você e eu compramos é sempre feito totalmente de peças que não são tão boas quanto poderiam ter sido, se houvesse um pouquinho mais de tempo.
O problema para a Volkswagen é duplamente difícil, por causa do Dieselgate. Tanto dinheiro foi usado para indenizar clientes que compraram um carro melhor do que seria se ele obedecesse às normas de emissões que só sobrou o equivalente a uns R$ 10 na caixinha para pesquisa e desenvolvimento.
O que nos leva ao novo Golf GTI. A VW diz que ele é novo – na verdade, um facelift da geração atual, a 7 – na esperança de que os atuais donos se sintam compelidos a vender o antigo. Eu sou um desses atuais donos. O Golf GTI é o carro que eu uso no dia a dia.
Ele é um carro muito bom, descontando-se o fato de que está permanentemente convencido de que um pneu está furado – sem que haja nenhum furo. Eu entro nele pela manhã, dou a partida e ele diz: “Você tem um pneu furado”. Daí eu aperto o botão para dizer: “Não, não tenho”.
E, quando eu volto do trabalho para casa, ele diz: “Você tem um pneu furado”. E eu começo a espumar pela boca.
Eu o levei a uma concessionária, que reinicializou o computador. E assegurou que todos os pneus continham exatamente a mesma quantidade de ar. E na manhã seguinte ele diz: “Você tem um pneu furado”.Hoje eu resolvi o problema colando fita crepe sobre o painel, para não ver mais a mensagem.
Tirando essas coisas, é um carro maravilhoso. É equipado como um Bentley, anda como uma Ferrari e, no trânsito, como é só um Golf, ninguém tira fotos de mim.
Que é o que acontece, constantemente, quando estou em algo mais chamativo. O que vale por um mundo.
De qualquer forma, só andei uns 24.000 km com o meu carro, por isso é necessário muita coisa para me convencer a me resignar com o valor oferecido pelo meu usado e levar o modelo novo. Mas estou aberto a sugestões, e por isso a VW deixou um na porta do meu escritório.
Fiquei observando o novo por um bom tempo. Daí olhei para o meu carro. Então olhei para o novo mais uma vez e, depois de fazer isso várias vezes, percebi que a cor era diferente.
Também percebi, depois de observar ainda mais, que o modelo novo tem um acabamento ligeiramente diferente nos faróis e algumas mudanças de estilo nas rodas. Então eu entrei e imediatamente vi que o velocímetro e o conta-giros bastante atraentes do modelo antigo foram substituídos por instrumentos não tão bonitos no novo.
Além disso, em vez de apertar um botão para ligar o carro, eu tive de colocar a chave na ignição e girá-la. Eu não fazia isso desde que alguém descobriu que, em um acidente, uma chave de ignição projetando-se da coluna de direção pode fazer um belo estrago nos joelhos do motorista.
Daí notei a alavanca de câmbio. E o pedal de embreagem. Então pensei: “Desculpe, mas não. Está chovendo, e forte. O tráfego vai ser terrível e a vida é curta demais para ficar usando o pé esquerdo toda vez que quiser arrancar”. Então saí do carro novo e voltei para o meu, que tem as borboletas de troca atrás do volante. “Você tem um pneu furado”, disse ele por trás da fita crepe.
É estranho. Há não muito tempo eu estava bem dentro do time “câmbio manual é para homem”. Eu via as alternativas de câmbio automático e de dupla embreagem como sinais de fraqueza.
Na minha cabeça, era um jeito de dizer que você virou um subordinado, que estava disposto a entregar o controle para um algoritmo. “Alexandre, o Grande, jamais teria comprado um carro com câmbio automático”, eu disparava para as pessoas que tinham um.
Agora, no entanto, vejo comprar um carro com câmbio manual como comprar um televisor sem controle remoto. Quem fala “eu gosto de levantar da poltrona para trocar de canal”? Talvez seja porque estou ficando velho.
No entanto, o mais provável é que seja porque as borboletas de câmbio modernas podem mudar as engrenagens das marchas mais rápido do que qualquer ser humano. E sua perna esquerda fica livre para acompanhar o que estiver tocando no rádio.
Bem adiante na semana, é claro, eu tive de deixar de lado meu preconceito e a preguiça dos meus ossos e dar umas voltas no carro. Falaram-me que o motor turbo 2.0 tem 10 cv a mais do que o do antigo, e isso resulta em uma velocidade máxima 3 km/h mais alta. O que parece ótimo.
Mas, na verdade, tudo o que a Volks fez foi colocar o pacote de desempenho do carro antigo como padrão. O que significa que a versão atualizada tem exatamente a mesma potência e desempenho que a minha.
E todo o resto. A direção. A suspensão. E mesmo a opção de um inteligente diferencial dianteiro de deslizamento limitado. É tudo igual. E, tenho de admitir, isso é bom.
Porque o Golf GTI antigo era o melhor hot hatch do mundo. E o novo também é. Em parte porque ele não é novo em absoluto. Mas, principalmente, porque não acha que tem um pneu furado.