A McLaren tentou ao longo dos anos criar um supercarro que reescreveria as regras e faria com a Ferrari nas ruas o que esta fez tantas vezes nas pistas de corrida do mundo. Bater firme.
O primeiro esforço foi o McLaren F1, que tinha posição de pilotagem central, o cofre de motor recoberto de ouro e uma velocidade que fazia com que muitos na época dissessem: “Como? Você acabou de falar 380 km/h?”
Eu não gostei nada dele. O carro era extremamente nervoso, difícil de controlar – o que foi demonstrado por Rowan Atkinson, mais conhecido como Mr. Bean, que frequentemente terminava viagens no seu carro voando de marcha a ré para dentro de uma valeta, em uma caríssima nuvem de lascas de fibra de carbono e vidros quebrados.
Mais tarde, o pessoal de Woking ajudou a Mercedes a criar o SLR, que parecia um pouco como uma SLK que tomou esteroides.
Estranhamente, eu gostei desse, embora tenha de admitir que seus freios de cerâmica de carbono de primeira geração pareciam funcionar controlados por um botão liga/desliga.
Você apertava o pedal e não acontecia nada. Daí você apertava mais e nada continuava a acontecer. Então, em pânico, você apertava um pouco mais e daí voava pelo para-brisa.
Após o SLR, a McLaren decidiu transferir todas as melhores pessoas da sua divisão de corrida para a produção de carros de rua e criou o MP4-12C.
Em todos os aspectos que importavam para o então chefe, Ron Dennis, era um carro fabuloso, com mais torque, potência e pressão aerodinâmica do que qualquer Ferrari equivalente.
Mas supercarros não podem ser medidos por números. E na única disputa que importava – a batalha para ganhar seu coração – o McLaren parecia um contador e a Ferrari a amante de um contador.
A marca tentou tornar o MP4-12C mais empolgante. Ela até encurtou o nome para 12C a fim de que parecesse menos o nome de um modelo de aparelho de fax.
Mas a McLaren não obteve sucesso de fato até que pegou a tecnologia híbrida de um Toyota Prius, bombou-a e usou-a para criar o assustador P1.
Eu adorei aquele carro. Era uma loucura. Ele aterrorizava com o acelerador a meio curso e saía de frente feito um bêbado teimoso se você pisasse tudo.
A Porsche e a Ferrari tinham concorrentes mais inteligentes e mais rápidos, mas para criar emoção aterrorizante o P1 era simplesmente brilhante.
E agora a McLaren fez algo ainda melhor, que é baseado no 720S e não é híbrido: apenas um V8 biturbo de 4 litros, que gera 800 cv. A máxima é de 340 km/h, nada de excepcional. Mas eu vou botar a cara para bater e dizer que nenhum carro de rua é capaz de dar uma volta em uma pista mais rápido do que essa máquina.
E é por isso que a McLaren o batizou com o nome Senna. O segredo do seu desempenho na pista é baixo peso. Os bancos pesam só 8 kg cada um e as portas têm apenas 9 kg. O carro inteiro? Bem, você não precisa se preocupar ao estacioná-lo. Basta pegá-lo e levá-lo com você.
Como não existe gordura para arrastar o carro para fora do traçado, ele faz curvas como eu nunca havia experimentado. E pela mesma razão ele para tão rápido que, repetidamente, eu freei para fazer uma curva e então tive de acelerar novamente até a tangência.
Você precisa reiniciar o sistema da sua cabeça para se acostumar com a forma como o carro freia e faz curvas. Há naves de computação gráfica de Star Trek que são menos ágeis. Por isso, ele é de longe o melhor supercarro que você pode comprar hoje. É um triunfo.
E ainda assim eu preferiria ter na garagem o que escolhi como carro do ano de 2018, o Huracán Performante, da Lamborghini. Por quê?
Em parte porque o Senna custa 750.000 libras (R$ 3,5 milhões) e o Lambo é meio milhão de libras (R$ 2,4 milhões) mais barato. E em parte porque o Senna não tem ar-condicionado – seria pesado demais.
Mas principalmente porque o Senna impressiona sua cabeça e seu coração, enquanto o Huracán mexe com aquelas partes entre suas pernas.
Pessoas sérias acham que a batalha real entre supercarros hoje é entre a Ferrari e a McLaren, e elas estão certas, é claro.
Ambas fabricam carros que contornam curvas 0,1 km/h mais rápido, enquanto um Lamborghini apenas pinta tudo de laranja. Eu gosto de pensar que a Lamborghini é comandada por um bando de crianças de 10 anos de idade.
Ok, hoje ela é propriedade de alemães, o que faz com que a contabilidade esteja em dia, os impostos sejam pagos e os motores funcionem por mais de 16 segundos. Mas o visual e a sensação que os carros passam, isso é resultado de uma turma de crianças em idade escolar que beberam refrigerante demais.
Você tem a sensação de que, se não fosse pelo controle da Audi, o Huracán teria lasers espaciais no teto.
A Lamborghini fez uma versão chamada Avio, inspirada nos aviões de caça italianos, e outra com o nome de Polizia, que ela cedeu à polícia. Ah, e então teve o Huracán Papa Francisco. Também não tenho a menor ideia do porquê.
Mas é o Performante que se destaca. Ele é apenas um pouquinho mais potente do que o modelo-base, indo para a batalha com apenas 640 cv.
Porém, graças a algumas peças leves e muito trabalho com a aerodinâmica (a Lambo diz que ele produz 750% mais de pressão aerodinâmica do que o carro-padrão, do jeito que as crianças falam – estou surpreso que ela não tenha dito “1 milhão”), ele fez uma das voltas mais rápidas da história em Nürburgring.
Alguns acusaram a Lamborghini de trapacear – e isso não aconteceu –, mas eu posso entender, porque um tempo de volta de 6 minutos e 52,01 segundos no Inferno Verde é difícil de acreditar.
É como alegar que você mergulhou mais fundo do que um submarino nuclear americano usando só um balde e uma mangueira de aspirador de pó.
O Senna é mais rápido, tenho certeza, mas não tem o urro do V10 do Lambo.
E a verdade é que os Lambo podem parecer que foram feitos para a pista, mas não é verdade. Eles são – e sempre foram – para se exibir. São relógios grandes, cascatas de champanhe, namoradas bonitas e lanchas Riva.
Eles são o Le Club 55 de St. Tropez, do qual todos desdenham, mas todos vão lá se tiverem uma chance, porque é melhor comer um pedaço de couve-flor de segunda mão na praia de Pampelonne do que um suflê perfeito no porão.
Se quiser um suflê perfeito no porão, compre um McLaren ou uma Ferrari. Mas acho que, se deseja viver, você deve viver. E isso significa ter o meu carro do ano de 2018: o Lamborghini Huracán Performante.
Ficha técnica – Lamborghini Huracán Performante
- Motor: V10, 5.204 cm3, 640 cv a 8.000 rpm, 61,2 mkgf a 6.500 rpm
- Câmbio: automatizada, dupla embreagem, 7 marchas, 4×4
- Peso: 1.382 kg
- Desempenho: 0-100 km/h em 2,9 s; velocidade máxima de 325 km/h
- Preço: 215.000 libras (R$ 1,03 milhão)
Jeremy Clarkson
É jornalista britânico, apresentador do programa The Grand Tour e celebridade amada pelos fãs e odiada por algumas marcas.