A mobilidade passa por transformações profundas que trazem desafios e oportunidades para todos, em todo o mundo. Mas como será que essas mudanças acontecem no Brasil, um país de grandes dimensões territoriais e enormes desigualdades socioeconômicas?
Com esse questionamento na cabeça, o casal Ariane Marques e Tobias Hückelhofen, donos de uma startup na área de turismo, desenharam um roteiro de viagem que pudesse traçar um retrato da mobilidade brasileira, desde os centros urbanos, onde já existe conectividade via 5G, até as regiões mais distantes, onde não há nem mesmo asfalto.
Desse plano surgiu o Observatório da Mobilidade SAE Brasil, um projeto encampado pela SAE Brasil, com o objetivo de “diagnosticar os principais desafios da mobilidade nas pequenas cidades do Brasil”, de acordo com o engenheiro Camilo Adas, presidente da entidade, na época.
Entre março de 2022 e outubro de 2023, a expedição rodou 30.000 km, visitando 30 cidades de 21 dos 26 estados da federação e entrevistando cidadãos, gestores e representantes das entidades ligadas à mobilidade.
A mobilidade acompanha a humanidade desde os primórdios, quando o homem precisou se locomover para sobreviver, indo atrás de alimento e proteção contra intempéries e predadores. Hoje, segundo a definição apresentada no e-book editado ao final do projeto da SAE, “mobilidade é a capacidade do ser humano de acessar tudo aquilo que garante sua qualidade de vida: saúde, educação, lazer, cultura e outros”.
“Quando colocamos o termo mobilidade em um contexto social, facilmente confundimos ou generalizamos como transporte, seja de bens ou de pessoas. Mas o significado de mobilidade vai além: é a capacidade de chegar aos lugares necessários para a vida social, como trabalho, escola, parques, comércio, hospitais etc., diz o estudo.
Com um total de 5.570 municípios e mais de 213 milhões de habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2021, o Brasil ocupa o quinto lugar em extensão territorial e é considerado o sétimo país mais populoso do mundo. Ou seja: um país com uma grande diversidade geográfica física e humana, com realidades e contextos distintos.
A vida de habitantes de centros urbanos, como as capitais, é muito diferente do dia a dia de quem mora nas cidades pequenas do interior. Enquanto nas capitais existe infraestrutura, oferta de tecnologia e pessoas dedicadas aos problemas da mobilidade, nas pequenas cidades, tudo isso é precário e sem planejamento e continuidade, quando existe.
O relatóRio do Observatório da Mobilidade destaca alguns casos ilustrativos dessa diversidade nacional. Em Xapuri (AC), muitas pessoas cruzam o Rio Acre – que divide a cidade – todos os dias, a bordo de pequenos barcos ou em balsas. Na Chapada dos Veadeiros (GO), os moradores da zona rural deixam seus carros em casa e se locomovem em cavalos durante a época das chuvas. Em Afuá (PA), as ruas são caminhos de palafitas, por onde os habitantes se locomovem em bicicletas. Em Mateiros (TO), o meio de transporte mais popular é a motocicleta.
Entre os meios de transporte mais curiosos, o casal encontrou veículos adaptados, como um VW Fusca com quatro rodas no mesmo eixo traseiro, para vencer estradas de terra, que durante as chuvas ficam intransitáveis. E um Toyota Bandeirantes com carroceria aumentada para transportar até nove passageiros.
“O processo de transformação é manual e trabalhoso e inclui a engenhosidade do povo”, afirma o casal. “Esses engenheiros usam máquinas caseiras para alterar e refazer a carroceria dos carros antigos.” Nesse contexto, a robustez e a simplicidade técnica desses carros de concepção antiga são os que melhor atendem a necessidade das pessoas que não têm acesso às facilidades oferecidas pela tecnologia.
Como diz a música Querelas do Brasil, composta em 1978 por Aldir Blanc e Maurício Tapajós Gomes, interpretada por Elis Regina, “o Brazil não conhece o Brasil / O Brasil nunca foi ao Brazil”.
Segundo o relatório, os resultados do projeto, que teve o apoio dos patrocinadores Basf, Bosch, Brose, EcoX, Marcopolo, Mercedes-Benz, Michelin e Moura, podem auxiliar o setor público e a indústria a criar iniciativas, políticas e produtos que levem em consideração as especifidades de cada região do Brasil.