Da Ram elétrica ao sucessor do Passat: o que esperar da CES 2023?
Os salões do automóvel estão moribundos… Mas as fabricantes de automóveis nunca tiveram tanto destaque na CES, maior feira de tecnologia do mundo
Desde a década de 1980 o salão automóvel de Detroit dava início ao calendário da indústria automotiva. Durou até o desinvestimento dos fabricantes nas feiras tradicionais e a chegada do Covid, que conspiraram para que a feira na maior cidade do estado do Michigan perdesse espaço e até mudasse de data (em 2022 teve lugar em setembro). A contrapartida foi um maior destaque para a CES.
Maior feira de tecnologia do mundo, a Consumer Electronics Show (CES) começa hoje em Las Vegas com uma enorme atenção das fabricantes de automóveis. Com a crescente digitalização, conectividade e eletrificação do automóvel, os carros não estão mais tão distantes da próxima geração de smartphones ou televisores.
Entre as participantes mais assíduas da CES estão as alemãs e as asiáticas, à frente, inclusive, das norte-americanas e com as restantes europeias com espaço secundário ou simplesmente ausentes. Em 2023, porém, a Stellantis assume protagonismo devido à sua recém-adquirida dimensão global. Seu CEO, o português Carlos Tavares, terá um dos mais importantes keynotes (um longo discurso abordando o direcionamento da empresa). O outro orador principal do meio automotivo será o seu par na BMW, Oliver Zipse.
Um novo mundo
A CES é muito diferente do salão automóvel tradicional porque há muitas áreas de tecnologia (mais de 30) em exposição e o fato da sedutora cidade de Las Vegas atrair dezenas de milhares de pessoas diariamente também faz com que o deserto do Nevada seja menos deserto nesta época.
Este é, portanto, um evento visto como um indicador da evolução tecnológica e apresentado sem grandes modéstias (“à americana”, portanto) como “o mais influente evento de tecnologia do mundo e o campo de experiências para tecnologias disruptivas e inovadores à escala global”. É exatamente o que a indústria automotiva quer ouvir e os salões convencionais não entregam.
Claro que o coronavírus freou a tendência de crescimento exponencial do número de expositores na CES a que via-se antes, até porque muitos dos fornecedores da nova era desta indústria são startups há pouco tempo saídas de garagens convertidas em escritórios e laboratórios. Por isso, muitas delas fecharam portas ou fundiram-se com grandes prejuízos, especialmente na área da condução autónoma. A Lyft perdeu 137 milhões de dólares só em 2022 e mesmo gigantes multinacionais como a Ford e a General Motors somaram milhares de milhões de perdas financeiras só nos últimos 12 meses.
Fusão de dois mundos
Mesmo com a volátil situação geopolítica, crise energética e inflação galopante a edição de 2023 da CES promete também para os automóveis, onde teremos então esse interessante “duelo” de keynotes entre presidentes de dois muito importantes grupos, que irão “vender” os seus projetos de mobilidade do futuro em palcos privilegiados (que em outros anos foram ocupados por VW, Toyota, Mercedes, etc).
Ao contrário do que é tradição nos grandes eventos automotivos por todo o mundo, na CES o público não é admitido: é reservada a profissionais do setor, seja nos mega-pavilhões do centro de conferências, seja nos enormes hotéis (onde estão as conferências e apresentações pré-salão) plantados nas margens da lendária “The Strip”.
E foi apenas nos últimos anos que o automóvel conquistou o seu espaço na CES, tradicionalmente dominado por espetáculos imponentes das empresas tecnológicas e de entretenimento, que geram muitos milhões com computadores, televisões, tecnologia de dados, processadores, etc. Aos poucos os “nerds” da tecnologia foram-se habituando a ver carros ganhando espaço, até que em 2022 foi aberta uma área de exposição para este setor.
O que ver?
A BMW não irá apresentar um novo veículo de produção em série mas sim uma visão realista de como será o carro do futuro, totalmente conectado e que se concretizará com os primeiros modelos da sua futura família de carros genericamente chamada “Nova Classe”. O foco não estará apenas no design e na tecnologia, mas também nos sistemas operacionais e no design interno.
A atenção do mundo automóvel será dividida com a Stellantis, que nunca esteve em Las Vegas enquanto mega-grupo de marcas, mas apenas com aparições avulsas das suas marcas americanas (Jeep, Chrysler, Dodge) em modestos espaços de exibição.
“Vamos mostrar o melhor da nossa tecnologia na CES com o objetivo de seduzir os nossos clientes e de lutar contra as alterações climáticas, o maior desafio global que todos temos que enfrentar”, explica Carlos Tavares, para depois concluir: “será possível perceber como vamos chegar a propulsão sem emissões e a eletrificação ao mercado, como o nosso software de mobilidade será mais fácil e seguro de utilizar e como a sustentabilidade está integrada em todas as nossas decisões”.
A Stellantis irá revelar, entre outros produtos, o conceito Peugeot Inception (que antecipa a nova linguagem de design da marca francesa, que estará sucessor do 3008 ainda em 2023) e uma versão bem próxima da final da picape elétrica Ram 1500 Revolution (já com a nova arquitetura STLA). Uma versão mais evoluída do Chrysler Airflow Concept EV também é esperada.
A Ram 1500 Revolution é de extrema importância nos Estados Unidos, onde as picapes são muito lucrativas e vendem muito. E também onde há muitas concorrentes, como as Ford F-150 Lightning, GMC Hummer EV e Rivian R1T, além das esperadas Toyota Tundra e Chevrolet Silverado elétricas. Esta última, aliás, deverá ser outra das estrelas da feira este ano, com ou sem o apelido Electra, mas com plataforma Ultium.
Voltando, para fechar, a este olhar pela Stellantis, a Dodge deverá mostrar o Dodge Charger SRT, elétrico claro.
Asiáticos em destaque
As marcas asiáticas são presença constante no CES. As coreanas Hyundai e Kia vão apresentar a “Zero1Ne”, uma plataforma de promoção de talento que visa criar um ecossistema de criadores e start-ups com a participação ativa do Hyundai Motor Group, enquanto no espaço do ramo de mobilidade dos coreanos (Hyundai Mobi) terá dois conceitos? o M.Vision TO e o M.Vision HI.
TO vem de “towards” (“em direção a”) e HI refere-se a “Human Oriented”. O primeiro integra tudo o que de mais avançado existe na marca coreana em termos de tecnologia de condução autónoma, o segundo centra a atenção na evolução do habitáculo como local de relaxamento e entretenimento.
Outra marca asiática é a Vinfast, ainda desconhecida de muitos. A empresa vietnamita mal começou a produzir veículos e já mudou de CEO, mas tenta não olhar para trás ao apresentar quatro SUV elétricos: VF6, VF7, VF8 e VF9. Há um ano a Vinfast revelou neste mesmo palco a sua estratégia elétrica e agora procura confirmar que as suas intenções são mesmo sérias. Tanto que as primeiras 1000 unidades do VF8 já estão nos Estados Unidos e outros três modelos estão prometidos para 2023.
Na ponte entre a Ásia e a Europa, a turca Togg é uma das curiosidades da feira deste ano. Depois de ter sido surpresa absoluta em 2022 (com cinco conceitos elétricos diferentes) mostra agora um elétrico e autónomo mais próximo da produção, cuja carroçaria foi desenhada pela Pininfarina. As ambições da marca são ousadas: um milhão de carros fabricados até 2030 e presença em cinco diferentes segmentos até ao final desta década.
Outro dos atrativos da feira deste ano vem do espaço da Sony Honda Mobility, a joint-venture formada pelas duas empresas gigantes nas suas respetivas áreas e que junta o que cada uma delas faz melhor. O entretenimento a bordo desenvolvido pela Sony (fala-se em um PS5 integrado a bordo) e a competência para produzir automóveis da Honda, no caso com um elevado conteúdo tecnológico de condução autónoma. Depois do Vision-S 02, espera-se um carro mais próximo da versão final, prevista para 2025.
Alemães sempre presentes
Volkswagen, Audi e Mercedes já foram protagonistas na CES, mas este ano terão presenças mais discretas; A Volkswagen deverá mostrar o sedã elétrico ID.7, tido como o sucessor elétrico do Passat, já com carroceria final, porém camuflada. Essa camuflagem cairá ainda em 2023.
Já a Audi dá mais um passo no sentido de tornar os seus veículos numa plataforma de experiência de Realidade Aumentada (AR), com os óculos “holoride”, que deverão começar a ser comercializados já em 2023 na Europa.
A ideia é adaptar em tempo real o conteúdo virtual mostrado no ecrã imersivo aos movimentos do veículo em movimento (se o veículo curva à direita, a nave espacial no mundo virtual também vira à direita ou se o veículo acelerar, a nave espacial faz o mesmo). A Audi acredita que ao sincronizar as experiências visual e sensorial do utilizador aos movimentos do veículo diminuem os riscos de enjoos habituais nos passageiros que realizam outras tarefas com o veículo em movimento.
A Mercedes-Benz foi a pioneira das participações de destaque do setor automóvel na CES e não poderia estar ausente, mesmo que com menos protagonismo. Sob o lema “Tech to desire”, promoverá iniciativas com o objetivo de ilustrar de que forma a evolução tecnológica vem sendo direcionada para devolver tempo útil aos utilizadores dos veículos num futuro próximo.