Coluna: um desafio entre Renato Russo e um Fittipaldi
Para promover a carreira de um piloto pouco conhecido, nosso colunista inventou um desafio entre esse piloto e seu rival mais famoso
Em 1986, fui contratado como assessor de imprensa da Fórmula Ford. A primeira corrida em que trabalhei foi a do Circuito de Rua de Florianópolis, prova que dava mais “retorno de mídia,” como se costuma dizer, do que em qualquer outro local onde as corridas eram realizadas em autódromos.
Aliás, desde que o organizador do evento, Hélio Perini, passou a realizar as corridas naquele circuito, os jornalistas batizaram a prova de “A Mônaco da Fórmula Ford”.
Para mim, aquela foi uma estreia em grande estilo. Mas minha história na Fórmula Ford e em Florianópolis estava só começando.
Em 1988, duas temporadas depois, o piloto Christian Fittipaldi entrou na categoria. Com apenas 17 anos, o filho de Wilsinho e sobrinho do bicampeão mundial de Fórmula 1 Emerson passou a ser uma das maiores atrações das corridas, principalmente porque, além do sobrenome, estava numa equipe competitiva chefiada pelo próprio pai.
Já na primeira corrida, no Autódromo de Brasília, Christian ficou em segundo lugar, atrás do experiente Djalma Fogaça e à frente de outro jovem, Renato Russo, de 20 anos, que estava em seu segundo ano na categoria. A segunda corrida aconteceu justamente no Circuito de Rua de Florianópolis.
Naquela época, eu gostava de jogar tênis e, desde que conheci o pai do piloto Renato Russo, o Giuseppe Russo, mais precisamente em 1987, passei a bater bola com ele. Às segundas-feiras, inclusive, formávamos duplas, com mais dois colegas, e a noitada terminava sempre em uma churrascaria que havia próximo da quadra.
No jogo que fizemos na semana antes da corrida de Floripa, o Russão não parava de me falar que eu precisava dar uma força para o filho dele em meu trabalho de divulgação da Fórmula Ford, para que ele conseguisse patrocinadores.
O pai entendia que, se isso acontecesse, Russinho teria maiores possibilidades de fazer uma carreira mais rápida para competir na Europa e, consequentemente, realizar o sonho de um dia chegar à Fórmula 1.
Depois de tanta insistência, na mesa da churrascaria, eu tive um estalo que nem eu acreditei. Pensando comigo mesmo, me perguntei:
“Por que o Rubens Barrichello era famoso, no kart, até mais que o próprio Ayrton Senna, na época dele no kartismo? A resposta que achei foi “porque ele disputava e, na maioria das vezes, ganhava do Christian, que era um Fittipaldi”.
Na mesma hora, reproduzi minha pergunta para o Russão e os outros dois colegas na mesa:
[…] fiquei um pouco preocupado porque ele levou tão a sério aquela minha ideia de desafio, que me encarou e disse que não deixaria o Christian ultrapassar de jeito nenhum e, se tentasse, iriam bater.
“Vocês sabem por que o Barrichello era um kartista até mais famoso do que o próprio Senna?” Eles não sabiam dizer. Então, eu dei minha resposta e falei para o Russão que eu poderia inventar um desafio do filho dele contra o Christian, naquela semana, para promover o nome do Russo na mídia, além da própria corrida.
Italiano daqueles bem falantes, o Russão me respondeu rapidamente que eu poderia fazer do jeito que eu quisesse. Insisti que, primeiro, o pai deveria falar com o filho para ver se ele aprovaria minha ideia. Mas logo Russão me convenceu de que quem mandava no esquema era ele e que já estava aprovado.
Saí do restaurante com muita vontade de fazer o texto do desafio e, quando cheguei em casa, fui para o escritório. Não lembro quanto demorei para encontrar o título do release, mas jamais me esqueço dele: “Renato Russo: ‘Não tenho medo de sobrenome’”.
No texto, o Russinho dizia que ganharia a corrida de Florianópolis e que o Christian, mesmo com toda fama, não seria páreo para ele. Imagine o que aconteceu quando esse conteúdo foi divulgado na terça-feira e foi publicado no dia seguinte pelos principais jornais do país?
Em Florianópolis, jornais, rádios e TVs locais deram muito mais destaque à corrida do que nas provas de anos anteriores. Para ajudar (tive sorte), no treino de classificação de sábado, o Russo fez a “pole-position” e o Christian registrou o segundo melhor tempo. Ou seja, os dois pilotos largariam na primeira fila do grid.
No domingo, quando fui conversar com o Russo, fiquei um pouco preocupado porque ele levou tão a sério aquela minha ideia de desafio, que me encarou e disse que não deixaria o Christian ultrapassar de jeito nenhum e, se tentasse, iriam bater.
Felizmente, na corrida, o Russo largou na frente e os dois abriram uma boa vantagem sobre os demais. Mesmo andando muito próximos, o Russo não deu chance para o Christian passar e, no final, os dois subiram nos degraus mais altos do pódio. A rivalidade entre eles não terminou e, mesmo sem a mesma repercussão da corrida de Floripa, foi assunto ao longo de todo o campeonato.
Quem não gostou nada dessa história foi o campeão daquela temporada: o Djalma Fogaça. Um dia, ele reclamou para mim que vencia provas, mas a maioria dos órgãos de comunicação quase sempre davam mais destaque para a disputa particular entre Christian e Renato.
No final, quem levou vantagem entre os dois desafiantes foi o Christian, que ficou com o vice-campeonato daquele badalado brasileiro de Fórmula Ford. E eu também porque, no ano seguinte, fui contratado pela Philishave, patrocinadora do Christian, para fazer a assessoria de imprensa para ele nos campeonatos brasileiro e sul-americano de Fórmula 3.
A partir daquele momento, minha missão foi promover o nome do jovem Fittipaldi. Mas isso é tema para outra coluna.
Jornalista, Charles Marzanasco trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna e 25 anos na Audi.