A arrancada da indústria automobilística no Brasil
Menos de uma década após a implantação, nossa indústria já era a nona maior do mundo, porém certas escolhas e ações cobrariam seu preço naquele início
* reportagem originalmente publicada em setembro de 2006
![Linha de montagem do VW Fusca Linha de montagem do VW Fusca](https://quatrorodas.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/06/577449c80e216308c8000003foto04_22-03-12b.jpeg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
No começo dos anos 50, o Brasil que ria nos cinemas com as chanchadas estreladas por Oscarito, Grande Otelo e Ankito começava a se preparar para o desafio de fabricar carros nacionais.
No dia 23 de março de 1953, num armazém alugado no bairro do Ipiranga, em São Paulo, nascia a Volkswagen do Brasil, ao mesmo tempo em que erguia sua fábrica, em São Bernardo do Campo.
Ela não ficaria sozinha. Logo Mercedes-Benz e Willys-Overland também começaram as obras de suas instalações próximas ao ABC paulista. Tudo motivado por incentivos fiscais em várias esferas.
“Foi semelhante ao que ocorre hoje: imposto baixo, financiamento a perder de vista e isenção de tudo que se possa imaginar”, conta Ricardo Bock, professor do curso de engenharia automobilística da FEI, comparando a guerra fiscal entre estados que se vivenciou no fim dos anos 90. Já em 1954, a Willys produzia o Jeep, enquadrado na categoria de comercial leve.
O salto do programa aconteceria com o começo do Plano de Metas de Juscelino, com a implantação do GEIA, que já em 1956 (ano em que a frota do Brasil, a maior da América Latina, chegava a 811.121 unidades, todas importadas) estipulava um grau de nacionalização de 40%.
![Linha de montagem da perua DKW F91 Universal Linha de montagem da perua DKW F91 Universal](https://quatrorodas.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/06/577449c80e216308c8000005linha-de-montagem-da-perua-dkw.jpeg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
Índice que o Romi-Isetta, lançado em 5 de setembro daquele ano, bateu com sobras com seus 70% de brasilidade. No entanto, por possuir apenas um banco e uma porta, não era aprovado pelo GEIA, perdendo incentivos.
Somente em 19 de novembro apareceria um carro de passeio que se enquadrava como tal: a perua DKW F91 Universal. Fabricada pela Vemag (Veículos e Máquinas Agrícolas S/A), ela utilizava 60% de peças brasileiras.
As duas empresas nacionais, que respectivamente produziam sob licenças da Iso italiana e da Auto Union alemã, abriram a trilha que seria seguida pelas fábricas estrangeiras aqui naturalizadas.
Em 1957, seria a vez da Volkswagen iniciar a fabricação da Kombi, um veículo comercial leve. Seu carro de passeio e principal marca registrada, o Sedan (mais tarde oficialmente batizado como Fusca), aportaria no mercado só em 1959.
![kombi-automovel-aniversario-19580516-45-original Linha de montagem da Kombi na Volkswagen, em 1958](https://quatrorodas.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/06/kombi-automovel-aniversario-19580516-45-original.jpeg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
“Era um clima de euforia. Houve uma confiança crescente no automóvel nacional”, afirma o engenheiro ambiental de segurança Eduardo Burgos, funcionário da Ford há 37 anos e estudioso da história da marca. Mas nem só de bons ventos viveria o mercado.
Modelos ultrapassados
Os “50 anos em cinco”, o lema de Juscelino Kubitschek, acabariam por resultar num excessivo número de fábricas autorizadas a funcionar, o que teria prejudicado a economia de escala no setor. Em 1964, o Brasil já era o nono produtor mundial, com total de 183.721 unidades. No entanto, a marca não escondia o superdimensionamento da capacidade de produção em relação à demanda.
Nesse mesmo ano, a Willys, por exemplo, registrou produção 46% inferior à que poderia atingir. O recorde negativo ficou com a Simca, que alcançou meros 26% de sua capacidade, conforme o Diário do Congresso Nacional atestava em 5 de setembro de 1968.
Certamente não contribuiu para um melhor desempenho nas vendas o fato de as fábricas terem optado por importar de suas matrizes equipamentos e ferramental de modelos já ultrapassados em seus países de origem, beneficiadas pela instrução 113/55 da Superintendência de Moeda e Câmbio (Sumoc).
Coincidentemente, era a época em que Europa e Estados Unidos iniciavam a renovação de seus parques industriais.
Isso se refletiu em carros hoje considerados clássicos nacionais, como Simca e Aero-Willys, lançados em 1959 e 1960 respectivamente, ambos com tecnologia já superada. Ainda que beneficiados por um protecionismo e com baixa escala de produção, os pioneiros encontrariam consumidores ávidos por eles, entusiasmo gerado pela própria carência do mercado.
![Linha de montagem do Aero Willys no Brasil Linha de montagem do Aero Willys no Brasil](https://quatrorodas.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/06/577449c80e216308c800000flinha-wob-ava02.jpeg?quality=70&strip=info&w=1024&crop=1)
No início das fábricas, havia dificuldade para contratar trabalhadores especializados, formados num ritmo menor que a demanda. “Creio que o chão de fábrica acabou sendo uma grande escola”, afirma Eduardo Burgos.
Em decorrência da situação, acabou por imperar um clima de união. “Do jardineiro ao gerente-geral, todos os funcionários da empresa se viam como uma grande família.”
As exigências na contratação da mão-de-obra tinham de ser baixas. Não raro o ensino formal era custeado pelas empresas. Para quem tinha maior escolaridade, a contratação era praticamente certa. “A Vemag era a Embraer da época”, compara o jornalista Bob Sharp ao lembrar dos tempos em que trabalhou no grupo e do fascínio que o setor exercia naquele Brasil bossa-nova.
Quando a indústria começou a demonstrar força, surgiram planos de incentivo à exportação. Mas o movimento em direção ao exterior esbarraria no fato de outros países já desfrutarem de carros mais modernos.
Com a intenção de viabilizar a competitividade de nossos automóveis, em 1966 surgiu a lei 4951, que autorizava fábricas instaladas até outubro de 1965 a importar equipamentos mais novos com isenção de imposto. São frutos desse novo tempo carros como Ford Galaxie e Chevrolet Opala, que seriam lançados no fim da década.
O quadro de fabricantes seria reduzido em 1967, quando a Ford adquiriu a Willys; e a Volkswagen, a Vemag e depois a Chrysler. As duas, junto com a Mercedes e a GM, seriam responsáveis por 95,4% da produção nacional já no ano seguinte.