A Xiaomi só existe há 14 anos e sua fama vem de utilidades domésticas, eletrônicos e principalmente dos smartphones, que conquistaram uma boa reputação no mundo inteiro por serem baratos e de boa qualidade. Faz menos de um ano que a empresa chinesa resolveu tentar levar essa reputação aos carros elétricos. Ou melhor, resolveram colocar o carro dentro do seu ecossistema.
Smartphone com rodas? Talvez. Nome de celular ele já tem: há a versão básica SU7 e a intermediária SU7 Pro, ambas com 299 cv e diferença na capacidade da bateria e no sistema autônomo, o SU7 Max com 673 cv, bateria maior e sistema autônomo completo e ainda o SU7 Ultra, com 1.547 cv e que acaba de quebrar recorde de tempo em Nürburgring. Exceto este, todos os outros são relativamente acessíveis no mercado chinês.
Preços do Xiaomi SU7:
Versão | China | Brasil (sem impostos) |
Xiaomi SU7 | 215,900 yuan | R$ 174.724 |
Xiaomi SU7 Pro | 245,900 yuan | R$ 199.000 |
Xiaomi SU7 Max | 299,900 yuan | R$ 242.704 |
Xiaomi SU7 Ultra | 814,900 yuan | R$ 659.500 |
O carro testado é o Xiaomi SU7 Max, o primeiro de toda a América Latina e que foi importado pela Atacado Connect, uma das maiores importadoras de Xiaomi em Ciudad del Este, no Paraguai, onde o carro foi emplacado. Mas dirigimos o carro no Brasil, mesmo.
A intenção da empresa ao importar o carro foi mesmo divulgar a marca e mostrar o que ela é capaz de fazer. Conta-se que este foi o primeiro exemplar do carro da Xiaomi exportado de forma oficial. Contudo, a fabricante chinesa ainda vai demorar pelo menos um ano e meio para iniciar uma operação oficial de exportação de carros. Até 2026, porém, terá pelo menos mais um carro, um SUV inspirado na Ferrari Purosangue.
Desde que foi apresentado, o que mais chama a atenção no Xiaomi SU7 à primeira vista é a semelhança com o Porsche Taycan. Isso se dá principalmente pelo formado da carroceria. Capô longo, perfil que flerta com os cupês de quatro portas e a tampa do porta-malas que não se abre com o vidro traseiro. Mas o Xiaomi é até um pouco maior, com exatos 5 m de comprimento e 3 m de entre-eixos, contra 4,96 m e 2,90 m do alemão.
Os faróis causam estranheza por ter um friso cromado alinhado com o vinco da dianteira que avança aos para-lamas, mas isso também ajuda o SU7 a ter uma boa identidade visual. Por sinal, são faróis full-led matriciais.
Na lateral, o Xiaomi reproduziu até mesmo uma saída de ar na emenda entre o para-lama e a porta dianteira e também não tem as maçanetas retráteis que podem ser encontradas na maioria dos elétricos chineses do seu segmento. O retrovisor merece atenção porque seu ajuste elétrico movimenta a peça inteira e não apenas o seu espelho. É curioso, mas resta entender como isso afeta a aerodinâmica da peça.
A traseira, sim, tem personalidade. Até existe uma barra de leds integrando as lanternas, mas elas formam um “C” que até lembra um pouco os antigos Aston Martin Vantage. A tampa do porta-malas tem um aplique para dar continuidade ao vidro traseiro (bem como o HB20S faz) e sua parte superior inteira é um aerofólio móvel que pode abrir em até 25°. Sob ele, uma plaqueta metálica identifica os motores.
No teto, o ressalto acomoda o LiDAR usado para dar precisão aos sistemas de condução autônoma junto com 12 sensores de ondas milimétricas e mais 11 câmeras, mas o sistema só funciona por completo em algumas cidades chinesas já mapeadas. O teto, aliás, é todo de vidro e bloqueia 99% dos raios UV e 97,6% da luminosidade para não ficar muito quente.
Cabine aceita diversos acessórios
Vamos ignorar as telas um pouco. O Xiaomi SU7 respeita os bons costumes e não tem vícios de outros carros chineses. Repare que não há acabamentos com cores ou texturas de mau gosto e ele nem sequer tenta impor que o motorista abra mão dos botões, por exemplo.
Você pode dar partida colocando o cartão de acesso no console e pisando no freio, mas também há um botão de partida. O ar-condicionado tem botões no console, junto com os que operam a abertura da asa traseira e a altura da suspensão pneumática. Até o porta-malas tem botão de abertura. Ufa!
Alguns encaixes poderiam ser mais precisos, mas o carro da Xiaomi usa bons materiais de acabamento, com direito a costuras aparentes e parafusos estilizados no painel. Bancos dianteiros têm ajustes elétricos, aquecimento e ventilação. Bancos traseiros e volante têm apenas aquecimento.
O ajuste da direção do ar-condicionado tem que ser feito pela tela principal e, pasmem, a saída de ar central do motorista está exatamente no quadro de instrumentos. Ajuste de volante e retrovisores também é pela tela. E difícil não falar das telas.
Por sinal, o quadro de instrumentos tem 7 polegadas e é exibida girando automaticamente assim que o carro é ligado em um gesto de boas vindas. Mas a velocidade é exibida, mesmo, no head-up display que projeta uma imagem que equivale a 56 polegadas no para-brisa.
Na China, é possível integrar o Xiaomi SU7 ao ecossistema de internet das coisas (IoT) da Xiaomi. Não por acaso, toda a lógica da interface eletrônica do carro segue a lógica dos smartphones da marca e também usa o Hyper OS. Fazem questão de destacar que a tela de 16,1 polegadas tem resolução 3K e usa um Snapdragon 8295 desenvolvido especialmente para carros com foco em adaptação do sistema por meio de uma inteligência artificial.
É uma interface rápida e fluida, com diversos comandos de acesso rápido. Mas ainda vai levar uns meses para ter uma opção de língua que não seja o mandarim. Mas o legal é poder comprar acessórios que podem ser acoplados à tela, como botões para o som, barras de led laterais e mostradores redondos customizáveis para o topo da tela. A ideia é usar isso para que o carro possa ser atualizado futuramente.
Além disso, é possível instalar acessórios em gavetas no compartimento sob o console, como um aromatizador de cabine ou comprar um par de telas para quem viaja atrás. Isso seria interessante, porque é preciso usar a central para configurar a geladeira (na verdade, a temperatura pode variar entre 2°C e 50°C) que é acessada, justamente, por quem está atrás. Fica camuflada sob a saída de ar traseira (assista no vídeo).
Quem viaja atrás não pode reclamar do espaço para as pernas e a altura do assento não é ruim. Contudo, o caimento do teto diminui bastante o espaço para a cabeça. Quem tem 1,80 m de altura fica no limite para bater a cabeça. Se o teto não fosse de vidro, seria muito pior.
Falando de espaço, não dá para falar dos porta-malas. Sim, são dois: o traseiro tem excelentes 530 litros que, provavelmente, consideram um profundo alçapão sob o assoalho, e ainda tem mais 105 litros na dianteira em um compartimento impermeável.
Um carro elétrico V6
Se as versões do Xiaomi SU7 seguem regra de smartphone, os motores seguem uma lógica de motor a gasolina. Foi a própria Xiaomi quem desenvolveu os motores elétricos do seu carro, que podem alcançar os 21.000 rpm e que chama de HyperEngine V6. Na verdade, V6 é o motor dianteiro do SU7 Max, que tem 299 cv e 40,7 kgfm. Na traseira está o V6S, com 374 cv e 51 kgfm. No total, são 673 cv e 85,5 kgfm.
Não gostou do nome? O Xiaomi SU7 Ultra usa dois HyperEngine V8S e giram a até 27.200 rpm.
O Xiaomi SU7 Max usa a bateria Qilin, da CATL, de 800V e com 101 kWh de capacidade e que aceita recarga a uma potência de até 600 kW. É assim que promete uma recarga quase completa, de 0 a 97%, em 47 minutos. Pena que, por enquanto, esse carro só aceite o padrão de recarga chinês, GBT. Mas é também com o padrão chinês (CLTC) que a Xiaomi promete 800 km de autonomia para essa versão.
A bateria faz parte da estrutura do carro e tem várias camadas de proteção para as células, inclusive uma válvula de alívio de pressão para situações críticas. Além disso, seus dutos de arrefecimento líquido é quatro vezes maior que o da média das fabricantes chinesas e ainda há camadas de aerogel entre as células para dissipar o calor.
Todo o assoalho traseiro do SU7 é fundido sobre pressão em uma prensa de 1.050 toneladas desenvolvida pela própria Xiaomi. A liga metálica usada também é proprietária e chama-se Titans Metal. Em um processo de 2 segundos conseguem fazer uma peça que substitui outras 72, economizam 840 soldas, reduzem o tempo de confecção dessa área em 45% e ainda ajudam a reduzir o peso em 17% e o ruído em 2 dB.
Isso ajuda a entender o peso reduzido do Xiaomi SU7: são 1.980 kg para a versão básica e 2.205 kg para a versão Max, avaliada.
Um chinês irretocável na direção
Tenha em mente que o test-drive foi em um aeroporto particular, com asfalto perfeito. Então não foi possível avaliar o comportamento da suspensão em uma condição de uso real. Em compensação, o Xiaomi SU7 Max estava em um local ideal para mostrar tudo o que é capaz em termos de desempenho.
O apetite por velocidade varia muito em função do modo de condução. No mais dócil, o SU7 tem rodar suave, direção bastante leve e resposta mais progressiva no acelerador. No modo mais esportivo, o carro fica mais assentado e firme, a direção ganha bastante peso e qualquer aceleração se transforma em um coice.
Estando preparado para esse coice, não há susto, só algumas risadas: os 100 km/h surgem em menos de 3 segundos, tornando crível a medição de 2,78 s declarada pela Xiaomi. A estabilidade e o silêncio convidam a continuar acelerando. A aerodinâmica (tem cx de 0,198) ajuda na eficiência, mas a asa traseira se arma automaticamente em alta velocidade para o carro grudar no chão. A velocidade máxima é de 265 km/h.
Nesse aspecto, o Xiaomi SU7 Max consegue superar o Porsche Taycan Turbo S, que crava o zero a 100 km/h em 2,8 s e a velocidade máxima de 230 km/h. Isso, mesmo com pico de potência de 761 cv e uma caixa de câmbio traseira dedicada a ter uma relação de marcha mais curta para as arrancadas. Ou seja, é mais complexo e mais lento.
A estabilidade do carro da Xiaomi, quem diria, impressiona muito. Todo esse hiperfoco no Porsche parece ter obrigado os engenheiros da Xiaomi a desenvolverem um carro com rodar de carro alemão. E eles conseguiram. Até o freio, que usa discos Brembo e concilia a regeneração dos motores elétricos, tem respostas naturais.
O Xiaomi SU7 tem uma precisão de direção incomum para um carro chinês. Responde rápido, oscila muito pouco a carroceria e filtra muito bem as imperfeições no piso. A suspensão pneumática com quatro níveis de ajuste e amortecedores ajustáveis em tempo real ajudam nisso e o foco é, justamente, filtrar totalmente os solavancos do piso.
Depois de ter dirigido tantos carros chineses de última geração e de tanto ter reclamado das suspensões dos carros chineses nos últimos tempos, eu não esperava por isso. Melhor ainda é saber que custa uma fração do preço de um Porsche Taycan.
O segredo disso está nas entrelinhas. A Xiaomi nunca havia fabricado um carro, nunca havia calibrado um pneu e aparafusado uma roda. Mas se prestou a fazer isso com técnicas e tecnologias de última geração. É a tecnologia da bateria, a técnica de fundição do assoalho, os motores de última geração e os sistemas embarcados, como controle de estabilidade Bosch de décima geração e até modulador de frenagem da alemã.
Após um dia inteiro com o Xiaomi SU7, deu para entender o CEO da Ford, Jim Farley, que não quis deixar de usar uma unidade que levaram para os Estados Unidos para estudos de engenharia. Ele queria continuar usando esse carro. E eu também.
Veredicto: Poder dirigir o Xiaomi SU7 Max acabou com todo o ceticismo com o conceito de “carro feito por uma fabricante de smartphones”. Se todo smartphone com quatro rodas for assim, por favor, continuem.
Ficha técnica – Xiaomi SU7 Max AWD
- Motor: elétrico, dianteiro, 300 cv, 40,8 kgfm; traseiro, 374 cv, 51 kgfm; combinado de 673 cv e 85,5 kgfm
- Bateria: lítio NCM, 101 kWh, 800 km de autonomia (CLTC)
- Recarga: 0-97% em 47 minutos
- Câmbio: 1 marcha, tração integral
- Direção: elétrica
- Suspensão: adaptativa a ar; duplo A (diant.), fivelink (tras.)
- Freios: disco nas quatro rodas
- Pneus: 245/40R20 (diant.), 265/40R20 (tras.)
- Dimensões: comprimento 499,7 cm; largura, 196,3 cm; altura, 145,5 cm; entre-eixos, 300 cm; peso, 2.205 kg; porta-malas, 520 litros (traseiro), 105 litros (dianteiro)