Quando Wilson Fittipaldi Jr. voltou a pilotar seu carro de Fórmula 1
Em 2004, Wilsinho Fittipaldi voltou a pilotar o primeiro carro da sua equipe, a Copersucar-Fittipaldi, que competiu na Fórmula 1, completamente restaurado
Em 2024 completará 50 anos da apresentação do Copersucar FD01, o primeiro e único carro de Fórmula 1 brasileiro. A Escuderia Fittipaldi foi fundade pelos irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi Jr., que faleceu nesta sexta-feira (23) em São Paulo aos 80 anos.
Wilsinho, como era chamado, também foi o primeiro piloto da equipe. A primeira corrida foi o GP da Argentina de 1975, única disputada pelo primeiro carro da equipe, FD01. Passados 30 anos, o primeiro carro da Copersucar-Fittipaldi foi inteiramente restaurado pela fabricante de autopeças Dana e Quatro Rodas estava lá para acompanhar o reencontro de Wilson Fittipaldi Jr. com seu carro na pista. Confira a reportagem a seguir.
*Publicado originalmente em 2004
A vida recomeça aos 30
Depois de três décadas, o primeiro carro brasileiro a disputar uma corrida de F-1 sai da história para retornar às pistas
Por Adriano Griecco
Todo carro de Fórmula 1 tem brilho próprio. Uma espécie de aura, que o coloca acima dos outros carros de competição. Isso ficou claro para mim quando vi o Copersucar-Fittipaldi FD01 pela primeira vez. Lá estava ele, parado no box de uma pista particular no interior de São Paulo. Seu brilho não emanava apenas das diversas demãos de tinta cuidadosamente aplicadas pelo celebrado Sid Mosca — foi ele também quem pintou o FD01 na sua estréia. Os olhos igualmente brilhantes de Wilsinho Fittipaldi, piloto brasileiro de F-1 na década de 70 e o principal idealizador da primeira – e única – equipe inteiramente brasileira a disputar um campeonato mundial de F-1, refletiam o luminoso prateado das carenagens.
Voltemos três décadas atrás, uma época de nacionalismo exacerbado e grandes obras no Brasil. Era o tempo do milagre econômico, quando o país recebia investimentos externos e contava com a determinação do governo militar de tornar o país uma “potência emergente”. O esporte colaborava com o clima ufanista: éramos tricampeões mundiais de futebol, título conquistado em 1970. No automobilismo, Emerson Fittipaldi era bicampeão de Fórmula 1 em 1974 pela equipe McLaren-Ford. Nas ruas, os carros ostentavam adesivos com os dizeres “Brasil: ame-o ou deixe-o”.
Sob esse cenário verde-amarelo, em outubro de 1974 era apresentado o Fittipaldi FD01, pintado com as cores do principal patrocinador, a Copersucar, cooperativa de produtores de açúcar que passaria a produzir também álcool a partir de 1975. Naquela época, Wilson Fittipaldi e o engenheiro Ricardo Divilla (o “D” na designação do modelo do carro) levaram oito meses para aprontar o monoposto, que disputou apenas uma corrida, o GP de Buenos Aires, em 1975. O modelo largou na 23ª posição, deu 12 voltas e abandonou a corrida por causa de um acidente. E no GP seguinte seria substituído pelo FD02.
Trinta anos depois, Wilsinho ainda se lembra de sua primeira aparição com o FD01 no circo da F-1. “Assim que o carro foi desembarcado na pista, vários mecânicos e chefes de equipe cercaram o modelo, que tinha uma grande inovação para a época”. O motor era coberto por uma carenagem — nos bólidos das outras equipes, ficava exposto. Entre os curiosos estava o lendário Colin Chapman, dono da equipe Lotus, que ficou um bom tempo olhando o carro. Wilsinho afirma que, depois de apreciar detidamente o modelo estreante, o inglês, que havia revolucionado a categoria anos antes com a criação dos chamados “carros-asa”, disse que o FD01 estava no caminho certo. E que a equipe teria apenas de aprimorar a idéia de construir um carro totalmente fechado.
A inovação surgiu da ideia de Wilsinho e Divilla de levar alguma vantagem sobre os rivais antes mesmo de entrar na pista. Como o regulamento limitava o tamanho das asas, impedindo curvas com mais aderência, eles resolveram fechar o carro e ganhar alguns centésimos de segundo nas retas. Para ajudar nesse quesito, a equipe escolheu o motor Ford-Cosworth DFV, um dos maiores vencedores na F-1 e que, na época, equipava todas as equipes, com exceção da Ferrari.
Foi justamente esse motor que mais trabalho deu no processo de restauração, empreitada que consumiu 300.000 reais, segundo a Dana, fabricante de autopeças responsável pela recuperação do modelo. A montagem do motor ficou a cargo do preparador Elísio Casado, que não chegou a trabalhar na equipe Copersucar, mas tem mais de 45 anos de pistas.
Segundo Elísio, o motor estava inteiro, mas as partes que permaneceram 30 anos em contato com água e combustível (gasolina de avião) sofreram uma severa corrosão. “A bomba d”água, que movimenta o sistema de arrefecimento do carro, teria de ser substituída por uma nova, já que não estava mais em condições de rodar”. A dificuldade para encontrar a peça levou Elísio a optar por restaurar a original. As válvulas e os cabeçotes também tiveram que ser substituídos, assim como os anéis dos pistões. Novo de novo, o motor foi entregue a Darcy de Medeiros para finalizar a montagem do carro.
Darcy foi o responsável pela restauração do carro. Cuidou de chassi, freios e suspensão. Além de ter trabalhado na equipe Copersucar, Darcy passou esses 30 anos de olho no FD01. O carro chegou a passar cinco deles em sua oficina. E, mesmo quando saiu de lá, ele o rastreava. O mecânico conta que o carro foi inteiro desmontado para que seus componentes fossem analisados. E o que foi problema no passado acabou favorecendo a restauração. Por ter feito apenas uma corrida, o carro tinha boa parte de suas peças inteiras e aproveitáveis. Os freios, por exemplo, são os mesmos que deixaram o autódromo argentino, incluindo o conjunto de pastilhas.
O que tirou algumas horas do sono de Darcy foram os pneus. Não foi fácil encontrar quem tivesse a ferramenta adequada para desmontar o conjunto que estava no Copersucar. Encontrar pneus novos não foi problema, já que a Goodyear ainda produz um modelo semelhante ” na verdade, o pneu traseiro é mais baixo que o fabricado para a categoria F1 Grand Prix, que anda com carros de F-1 antigos.
Já na parte final da montagem, faltava alguém que entendesse do emaranhado de fios que compunha a parte elétrica. O mecânico João Paolo de Pascale havia trabalhado na equipe como responsável pelo sistema de refrigeração, parte elétrica e motor. Na restauração, ficou sob sua responsabilidade apenas a elétrica. Sua tarefa mais difícil nessa gincana foi encontrar os fios antichamas, utilizados na época, uma vez que boa parte da fiação do FD01 ainda é original. A bateria, danificada por ter ficado muito tempo inativa, foi substituída. A bobina foi revisada aqui e na Inglaterra. E voltou sem problemas.
Chegou a hora de reviver o passado e ligar novamente o FD01. O motor já tinha virado, mas apenas no dinamômetro. Na pista, era a primeira vez. O som do Ford-Cosworth DFV não chega a ser ensurdecedor. É hipnótico. Não se parece em nada com o agudo dos F-1 de hoje. O ruído mais grave leva a imaginar a sinfonia de 25 carros largando, um show de levantar as arquibancadas.
Wilsinho saiu lentamente e deu duas voltas para checar os sistemas de freio e refrigeração. Voltou para o box e, sem conseguir conter a emoção, saiu para mais duas voltas, em ritmo mais acelerado. Dessa vez, um problema elétrico fez o FD01 parar na pista e voltar duas vezes rebocado para os boxes. Os mecânicos debruçavam-se sobre o carro, tentando solucionar a pane.
Wilsinho brincava: “Vai, Darcy! Faltam dez minutos para a classificação!” Apesar de não terem conseguido colocar o FD01 na pista novamente, ele já tinha cumprido sua missão: resgatar a história da única equipe brasileira a disputar corridas de Fórmula 1.
Volta no tempo
1974 – Apresentação oficial do primeiro carro, com a presença do presidente Geisel
1975 – Estréia no GP da Argentina, com Wilsinho. Foram 12 corridas, sem marcar nenhum ponto
1976 – Emerson Fittipaldi e Ingo Hoffmann estréiam na equipe e somam apenas 3 pontos
1977 – Emerson consegue chegar aos 11 pontos e a equipe termina o ano à frente da Surtees
1978 – Emerson chega em segundo no GP do Brasil. Com 17 pontos, ficou à frente de McLaren e Williams
1979 – Alex Dias Ribeiro faz dois GPs pela equipe. O time fecha o ano com apenas 1 ponto
1980 – Entrada de Keke Rosberg. Com 11 pontos, empatou com a McLaren e ficou à frente da Ferrari
1981 – Chico Serra e Rosberg fazem 15 corridas mas não conseguem pontuar
1982 – Com Chico Serra como único piloto, a escuderia se despede da F-1 com 1 ponto
Ficha técnica – Copersucar FD01
- Motor: Cosworth DFV V8 (90o), 2993 cm3, 470 cv a 10500 rpm
- Câmbio: Mecânico de 5 marchas
- Dimensões: Comprimento 4,60 m; largura 1,95 m; entreeixos 2,41 m
- Peso: 590 kg (36% na frente e 64% na traseira)
- Chassi: Monoposto feito de duralumínio
- Rodas: Aro 13, com 10 polegadas de largura na dianteira e 18 na traseira
- Tanque: Com 3 reservatórios, um central para 60 litros e dois laterais com 65 litros cada, num total de 190 litros