Foi-se o tempo em que a compra de um Gol, Uno ou Up! era garantia de boa revenda. Se a escolha for sua versão mais barata, pode se preparar: eles têm tudo para ser um mau negócio no futuro.
Dados da Fenabrave (federação das concessionárias) revelam que a venda de carros abaixo dos R$ 40 000 despencou em 10 anos. Em outubro de 2017, eles respondiam por quase 40% do mercado total de veículos. Hoje são apenas 20%. Ou seja, sua participação no mercado caiu pela metade.
Especialistas explicam que a queda ocorreu porque o público passou a exigir modelos equipados, deixando os 1.0 pelados para os frotistas. “Temos acompanhado de perto as tendências e vimos que o consumidor não quer mais um carro sem ao menos ar-condicionado, direção assistida, vidros e travas elétricos”, diz Oswaldo Ramos, gerente-geral de marketing da Ford.
O risco, ao comprar o carro sem ar ou direção, é ficar com o mico na mão. O que é uma economia de uns R$ 2 500, no início, pode virar uma desvalorização de mais de R$ 5 000 na hora da revenda.
Antenadas a essa mudança de comportamento, algumas marcas passaram a lançar carros de entrada mais equipados. É o caso da Hyundai e da Ford – esta decidiu não vender o novo Ka sem o quarteto “ar, direção, vidro e trava”. Por isso, seu preço básico é de R$ 43.780. Enquanto isso, a Volks optou pela estratégia tradicional com o Up!, para que o valor de tabela fosse muito menor: R$ 37.990. Se incluir os itens acima como opcionais, ele vai para R$ 43.240.
Para essas montadoras, lançar uma versão que poucos querem tem a função de criar o que elas chamam de fluxo de loja. É o famoso “a partir de R$ 39 990”. O método consiste em atrair o consumidor para a concessionária para depois o vendedor convencer o interessado a levar um modelo que no fim sairá bem mais caro do que no anúncio.
A estratégia dá espaço para que na selva do mercado surja outra espécie de mico: o 1.0 equipado sem ar-condicionado. Aumento de renda e maior acesso ao crédito explicam essa nova preferência do mercado.
“Como há mais crédito, as pessoas escolhem o carro mais caro e financiam o valor, já que os prazos são longos e as taxas, baixas, comparadas a outras modalidades”, diz Samy Dana, especialista em finanças e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).