Há exatamente um ano, em abril de 2021, contei aqui nesta coluna que o tricampeão Ayrton Senna foi contra a decisão de a McLaren fabricar carros de rua. O motivo era porque o piloto achava que a McLaren (que queria fazer esportivos, assim como a rival Ferrari) perderia o foco nas corridas. E, de fato, isso aconteceu.
O primeiro carro da McLaren Cars, o F1, lançado em 1993, fez sucesso, mas a equipe de F1 teve os piores anos nas temporadas de 1992, quando o carro de rua estava em desenvolvimento, em 1993.
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Se Ron Dennis, o chefão da McLaren, tivesse ouvido o Senna, porém, agora eu não estaria fazendo esta coluna justamente para contar outra história.
Esta aconteceu em 2019, quando o Instituto Ayrton Senna organizou um evento, o Senna Day, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, para celebrar no dia 1o de maio, os 25 anos da morte do piloto.
Eu, divulgando a marca Senna e ciente de que o recém-lançado McLaren Senna seria uma das principais atrações na pista naquele dia, criei uma pauta especial do superesportivo para o programa Fantástico, da TV Globo – no qual o carro acabou aparecendo por cerca de cinco minutos.
A ideia surgiu quando me lembrei que, na véspera do GP do Brasil disputado no dia 27 de março de 1994, mais precisamente na quinta-feira que antecedeu a corrida, o Ayrton Senna tinha dado umas voltas na pista de Interlagos, em companhia do repórter de esportes da Globo naquela época, que era o Ernesto Paglia.
Detalhe: o Senna foi no banco do passageiro e quem dirigiu o carro, um Ford Verona utilizado como Pace Car daquela prova, foi o jornalista. Aquela reportagem, que também foi ao ar no mesmo programa Fantástico, no domingo à noite, ficou engraçada demais.
Começa pelo fato de que o Ernesto Paglia não tinha formação de piloto, como muitos jornalistas especializados têm. E, quando levou o Ayrton, em 1994, a pista ainda não estava liberada para treinos, por isso, como se pode ver pela matéria, há veículos de manutenção rodando no sentido contrário ao do carro do repórter.
Além disso, logo nos primeiros metros, o Ayrton percebeu que o jornalista era meio que braço duro para aquela missão e, ao invés de ficar preocupado, resolveu brincar com a situação.
A volta começou com o Ayrton falando que, com aquela largada, o Paglia seria o último na pista em uma corrida. E, logo depois, pediu para o Paglia tomar cuidado quando encontraram uma VW Kombi parada na pista.
O piloto até registrou o “tan tan tan” do seu hino de vitória quando o repórter chegou ao final da reta dos boxes, se aproximando do S. “S de quem?”, perguntou antes de cantarolar o refrão.
De volta a 2019, com o apoio do saudoso amigo jornalista Henrique Neves, que faleceu de Covid-19 no dia 4 de abril de 2021, que tinha o contato da diretora do Fantástico, Roberta Belluomini, consegui convencê-la de que o atual repórter do programa poderia pilotar novamente, em Interlagos, depois de exatos 25 anos, o carro que levava o nome do tricampeão mundial para divulgar exatamente alguns dias antes do Senna Day.
E assim se fez, sem esquecer de mencionar a colaboração do diretor da marca Senna, Alejandro Pinedo, que conseguiu incluir o protótipo número 000 do McLaren Senna no evento.
O carro era lindo e havia ficado ainda mais bonito com a pintura nas cores laranja e branca, e o grafismo idêntico aos McLaren de corrida, que o Brasil inteiro se acostumou a ver nos finais de semana, com o Ayrton ao volante.
No dia combinado, lá estávamos no autódromo para gravar a matéria. Minha ideia era conseguir o maior espaço possível para o carro no programa.
Tinha certeza de que o Ernesto Paglia iria gostar de ser o primeiro jornalista brasileiro a pilotar o McLaren Senna na pista paulistana, mas confesso que não imaginava que ele fosse se emocionar tanto.
Quando nos reencontramos, depois de exatos 25 anos, ele me disse, quase chorando, que a matéria idealizada agora por mim seria um dos momentos mais empolgantes de sua carreira, mesmo porque ele jamais tinha esquecido de que havia sido a última pessoa a dirigir um carro de rua na pista tendo o tricampeão como acompanhante.
Com motor de 800 cavalos, – mais potente inclusive do que o próprio F1 do piloto –, câmbio de sete marchas e de dupla embreagem com tração traseira e uma incrível aerodinâmica, o McLaren Senna – que teve apenas 500 unidades produzidas, ao custo de US$ 1 milhão, na Europa.
Cerca de R$ 8 milhões no Brasil – realmente impressiona demais numa pista, mesmo rodando meio que devagar como foi conduzido pelo repórter.
Uma curiosidade que o público não viu é que, mesmo sendo bem mais lento que um piloto profissional, o Paglia ainda conseguiu escapar numa das curvas do circuito, nas duas ocasiões: com o Verona, em 1994, e com o McLaren, em 2019.
Se quiser ver a matéria completa exibida no Fantástico, clique aqui.
Jornalista, Charles Marzanasco trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna e 25 anos na Audi.