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Como é comprar um carro usado sem test-drive na Kavak e na Creditas Auto

Uma experiência pessoal com as startups que selecionam os carros que compram e vendem e acreditam que isso basta para proibir test-drive antes da compra

Por Henrique Rodriguez Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 jan 2023, 19h22 - Publicado em 18 jan 2023, 07h30

Comprar um bom carro usado é um processo chato. Porque não basta escolher marca, modelo e versão como na compra de um carro novo. A cor de um usado não importa, mas sim seu histórico (se fez revisões, passou por leilão ou teve sinistro e foi recuperado) e, claro, dirigir para saber se o carro é bom. Esteja preparado para repetir esse processo várias vezes ao longo de dias, semanas ou meses.

Duas empresas estão empenhadas em mudar isso, a startup Kavak e a fintech Creditas Auto. Elas compram e vendem carros usados e oferecem garantia por anos, assumindo uma responsabilidade da qual as próprias fabricantes fogem. Mas não permitem que você dirija o novo carro até ele ser comprado. É sério, o test-drive não faz parte daquilo que chamam de “jornada de compra”.

Aproveitei o momento de trocar o meu carro para tentar conhecer na prática essa forma diferente de negociar carros. Esta reportagem está sendo publicada após todas as negociações para evitar interferências ou atendimento especial por parte das duas empresas.

Sede da Creditas Auto
Sede da Creditas Auto (Creditas/Divulgação)

Ambas estão dispostas a comprar o seu carro usado ou seminovo desde que, claro, ele esteja com o nome limpo nas bases de dados das seguradoras, não tenha passagem por leilões e que seja aprovado em uma inspeção de 240 itens (praticamente cinco vezes mais itens do que a concessionária confere em uma revisão).

Reviram o carro do avesso. Botam no elevador e conferem estrutura, pintura, motor, câmbio, acabamento interno, sistemas do carro. Tudo. E muitos são reprovados sem dó, sem choro. A Kavak ainda coloca o carro em uma espécie de estúdio e usa um programa para identificar danos estéticos. Mas, em um dia mais corrido e com menos funcionários sua inspeção durou três horas (o dobro do tempo prometido). A da Creditas, uma hora e meia. E você não pode acompanhar.

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Kavak levanta o carro em um elevador de oficina para a inspeção (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Dali sai o preço final do seu carro, que pode coincidir ou não com uma pré-avaliação feita na hora do agendamento, online. Mas não na sai na hora: o retorno é via WhatsApp, pois analistas vão conferir as imagens e informações coletadas pelo avaliador. Fiz as duas inspeções na tarde de um sábado e só recebi os valores na segunda-feira.

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As duas empresas ofereceram IPVA 2023 pago e algo ao redor dos R$ 38.000 no meu VW Up 2016 no momento do agendamento da inspeção, cerca de R$ 7.000 a menos do que o previsto pelas tabelas KBB e Fipe. Dizem que a proposta é embasada em algoritmo que considera os preços de negociação e o interesse no modelo. E isso varia muito: em 25 de dezembro avaliação virtual do meu carro pela Kavak era R$ 40.000, mas só tinha sete dias de validade.

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Com fotos, um programa consegue identificar danos estéticos (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Na manhã da segunda-feira chegou a proposta da Creditas Auto: R$ 38.600, 87% da Fipe, já descontando R$ 300 da primeira parcela do IPVA do Up!. Correu o dia e a proposta da Kavak não chegava, o atendente dizia ter pedido prioridade.

A proposta da Kavak chegou às 18h50: R$ 38.300, mas descontariam R$ 2.070 de “análise documental”. Aparentemente, o IPVA e o licenciamento 2023 inteiros, sendo que nenhum havia vencido. Assim fica fácil oferecer IPVA grátis na venda.

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Inspeção na Creditas Auto durou o tempo combinado e retorno foi mais rápido (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Isso porque meu antigo carro era pouco rodado e estava perfeito: o único defeito encontrado, e só pela Kavak, foi o canto de um repetidor de seta quebrado – que eu não tinha visto. Descontaram R$ 250 por isso, o preço da peça.

As tais garantias

Você pode só vender o carro ou trocar, sabendo que todos os carros disponíveis foram comprados com o mesmo critério, passaram por uma revisão completa e são, como dizem, recondicionados. Passam pelos reparos necessários e podem ter os pneus substituídos (todos que vi com pneus novos calçavam marcas desconhecidas). A intenção é padronizar os carros para poder oferecer a grande garantia que tanto a Kavak quanto a Creditas oferecem.

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Na Kavak, todos os carros saem com dois anos de garantia sem limite de custo para o reparo, um alento para os compradores de Land Rover, Volvo, Ford com câmbio Powershift e Volkswagen com câmbio DSG. Mas itens de desgaste natural têm garantia de três meses, conforme obriga a legislação. Essa garantia não é perdida se o carro é vendido.

A Creditas Auto chama sua garantia de vitalícia, porque ela só vai acabar quando você vender o carro. Mas há um limite de R$ 10.000 por acionamento (o que não é nada para um carro de luxo) e também não cobre itens de desgaste natural por mais de três meses. Além disso, só cobre carros que rodem até 20.000 km por ano.

Recepção da Kavak
Recepção da Kavak (Creditas Auto/Divulgação)

Nos dois casos é preciso fazer revisões a cada ano ou 10.000 km para manter a garantia. A Kavak faz nas próprias lojas, mas a Creditas delega às oficinas Porto Seguro e Bosch. O valor do serviço básico gira ao redor dos R$ 600.

A estratégia é essa: comprar apenas bons carros e garantir que eles estejam perfeitos para serem revendidos com garantias que mais ninguém oferece aos carros usados. Por exemplo, a Toyota oferece seus próprios modelos usados, se com até oito anos de uso ou 100.000 km rodados, com garantia de 1 ano após inspeção de 116 itens.

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Tanto a Kavak quanto a Creditas torcem para que o comprador confie nisso a ponto de abrir mão de um test-drive no carro antes de fechar o negócio. Isso me chocou bastante no início. No meu caso, seria um verdadeiro casamento às cegas.

Descobrindo na prática

Dirigir um carro usado é uma parte muito importante do processo de compra, por mais que tudo aparentemente esteja em dia no carro. É quando você escuta aquele barulho estranho na suspensão, um chiado no freio e que o câmbio está resistindo para trocar as marchas.

Questione os funcionários das duas empresas e escute o mesmo argumento: Kavak e Creditas Auto permitem que o carro seja devolvido em sete dias ou 300 km. Ok, mas nenhuma permitirá que você pegue de volta o carro que foi dado como parte do pagamento.

Inclusive houve um ruído na comunicação aí. A primeira pessoa da Creditas que entrou em contato comigo disse o contrário: que poderia fazer test-drive na loja e que, devolvendo o carro comprado, eu poderia pegar o meu antigo de volta.

E quando não dá certo?

Exige coragem se dispor a dar garantia em carros de qualquer marca, qualquer versão, qualquer mecânica e de qualquer pessoa. Dificilmente o próprio fabricante faria isso. E a Kavak já percebeu isso. Essa startup unicórnio mexicana entrou no Brasil em meados de 2021 e comprou toda sorte de carros para formar seu estoque. Agora, conta um funcionário, muitos desses carros retornam para manutenções em garantia: umas simples, outras caríssimas. Por isso já se tornaram mais exigentes quanto a idade e a quilometragem dos carros que compram, pagando menos. O jeito é ir controlando bem isso para não limitar o estoque a poucos carros caros.

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O motivo da minha troca foi apenas a necessidade de um carro automático para deixar minha esposa mais à vontade para usá-lo todos os dias. Um hatch com câmbio automático de seis marchas com central multimídia com Android Auto e Apple Carplay é o ideal. Quanto melhor for o consumo, menos saudade do Up! sentirei.

Descartei Chevrolet Onix e Volkswagen Gol pelo valor do seguro. Olhei Fiat Argo 1.8 e Hyundai HB20 1.6 sonhando para encontrar algum VW Polo (1.6 e TSI) pouco rodado, mas não existe. Toyota Yaris e Etios são tão caros quando os HB20 1.0 Turbo e foram descartados.

O que me levou até a Kavak foi um Ford Ka 1.5 2019 automático anunciado com 41.000 km e R$ 5.000 abaixo da tabela, por conta de uma promoção que não abrange todos os carros em estoque.

O fato de o Ford Ka ter saído de linha não foi o suficiente para desistir dele. Sou pragmático: seu motor 1.5 de 136 cv é bom e econômico, e a forte desvalorização que os Ford tiveram nos últimos anos me permitiu considerar carros até 3 anos mais novos. E se um dia faltar peças, teremos uma pauta a ser apurada. 

No anúncio, 41.000 km
No anúncio, 41.000 km (Kavak/Reprodução)
Foto do anúncio
Foto do anúncio (Kavak/Reprodução)
No mundo real, 53.000 km
No mundo real, 53.000 km (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Esse carro da Kavak decepcionou muito, porém. Se no anúncio indicava os 41.000 km (e nas fotos do hodômetro também), ao vivo mostrava 53.000 km. E não havia sido cuidado: estava sujo, com os pneus dianteiros bem gastos, cheio de água no porta-malas, com a central multimídia sem som e rangia o freio na hora que o motorista trouxe o carro – única vez que pude vê-lo rodando.

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No site dizia que a lataria estava perfeita, mas tinha arranhões na tampa da mala e na lateral, feitos com chave. No manual, duas revisões com quilometragem diferente, com a mesma data, na mesma concessionária e com o mesmo técnico. Difícil entender como compraram e puseram esse carro à venda. Na verdade, ninguém ali soube explicar.

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Vi de curioso um Ka Sedan com 23.000 km, tão novo que a Kavak certamente não precisou fazer nada nele, mas a preço de tabela. O sedã não me agrada e não havia outro carro dentro do escopo da minha busca – especialmente pela quilometragem.

Como o Ka hatch não estava legal, se dispuseram a negociar. O contato da parte deles, via WhatsApp, demorou quase um dia inteiro e se eu tentava contato, “todos os atendentes estavam em atendimento”. Por horas. Como havia agendado uma vistoria no meu carro dali a dois dias, combinei com o atendente que faria a negociação com a proposta de preço no meu carro.

O que me levou à Creditas Auto foi a decepção com a Kavak. Marquei a avaliação deles logo após a da Kavak em uma unidade próxima onde havia um Ka da mesma versão, porém 2019/2020 (a Ford deixou o carro menos refinado nessa mudança), com 24.000 km.

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Ambiente para ver o carro não é exatamente bem iluminado (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

O carro estava perfeito como nas fotos, com três revisões na concessionária. Minha única reclamação foi para o preço R$ 2.000 acima da tabela. Em um Ford… Esse sobrepreço me pareceu regra na Creditas. Foi igual em um Polo Comfortline 2018 que também pedi para ver. E o atendimento foi mais pessoal, porque quem atende é a mesma pessoa que vai negociar tudo. Ou deveria ser assim. 

A diferença é que a fintech não se negou a negociar em nenhum momento, nem quanto ao preço de compra do usado, nem quanto ao preço de venda. Até chegamos a um bom negócio dando meu VW Up! na troca. Mas quando eu já estava com contrato em mãos um interessado entrou em contato via OLX. Ficou com o carro no dia seguinte. E eu acabei casando com o Ka da Creditas.

Mas o final do processo foi complicado. Fizeram o cálculo do financiamento cobrindo a proposta do meu banco, mas na hora de que o contrato chegou não tinha o seguro do financiamento, que meu banco estava considerando. A pessoa com quem negociava os trâmites finais não conseguia um retorno interno e disse que eu poderia fechar o financiamento direto com o banco.

Quando estava prestes de fechar o financiamento para ter o carro entregue em casa na tarde do mesmo dia (sem custo), o vendedor interveio e disse que não liberaria a venda no valor que havia sido negociado – e que já havia mudado quando vendi o antigo por minha conta. Isso não aconteceu, ele voltou atrás horas depois. Isso só atrasou o processo e por sorte eu consegui ir buscar o carro no último horário. Ou só pegaria na segunda-feira seguinte, mesmo com tudo pago.

Adendo importante: no momento que a Kavak encaminhou a avaliação do meu carro eu havia cancelado a negociação, pedido o cancelamento da reserva (R$ 399, válida por cinco dias e sempre reembolsáveis) e desistido de olhar um Polo deles 30 minutos antes. Ponderei que já havia visto um carro em mal estado, perdido mais tempo do que previa na avaliação e ainda estava sem o retorno. Se passei por isso no momento da compra, poderia ser pior no pós-venda. Apenas minha opinião como consumidor.

A quilometragem do Ka da Kavak continua errada no anúncio até a publicação desta reportagem, mas o preço aumentou. E só na terceira vez que pedi, quando solicitei um comprovante, cancelaram minha reserva.

Depois de pegar o carro

No meu caso a ansiedade não era exatamente pelo carro novo, mas por dirigir ele. O carro realmente estava bom, mas logo notei que o volante está levemente desalinhado e gravei um barulho estranho de correia no motor. Falei com a Creditas e ficaram de dar resposta.

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Área de entrega da Creditas Auto (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

Mas o fato de só ter visto o carro em um estacionamento coberto de shopping, com iluminação fraca, escondeu alguns pequenos defeitos estéticos, como uma batidinha leve num canto do para-choque e uma costura no banco do motorista que nem nas fotos que eu havia feito apareceu por causa da escuridão. Esse não é o jeito certo de mostrar um carro.

Será que vai funcionar?

Comprei um carro sem dirigir antes pela primeira vez. Mas o que realmente pesou foi ter conseguido o mesmo preço que encontrei em lojas com garantia de três meses e sem o IPVA 2023 pago. E se algo der errado no início eu poderei devolver o carro. Depois, terei a garantia. Mas esse é apenas o meu caso.

O que Kavak e Creditas Auto estão vendendo é uma segurança para comprar um carro usado de procedência e com o respaldo de uma garantia. Isso tem um peso menor para mim do que para alguém que não é capaz de avaliar se um carro usado avulso é bom ou um carro maquiado.

E o que não falta são carros anunciados com passagem em leilão e carros acidentados e recuperados (sinistrados, média monta), e que podem ou não ter isso no documento. Como em São Paulo deve-se fazer laudo de vistoria (sempre faça, mesmo se já te apresentarem um feito) para realizar a transferência, os vendedores não costumam esconder as máculas. Em outros estados não é assim.

A questão do comodismo não muda. Seu carro usado será desvalorizado da mesma forma que seria em uma concessionária ou em uma loja multimarcas. Vender o carro como há 60 anos, anunciando por aí e/ou amanhecendo em feirões em uma manhã de domingo até encontrar um real interessado ainda é muito melhor.

Pus tudo isso na balança. Meu Up! foi comprado de um particular e foi maravilhoso nos últimos cinco anos, não teria precisado de garantia. Mas passei dois meses à procura dele após ter vendido o carro anterior. E isso porque sei fuçar um carro. Do contrário, poderia ter comprado um carro ruim e maquiado. É torcer para não precisar da garantia. 

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