Se seu algoritmo nas redes sociais sabe que você gosta de carros, ele certamente já fez aparecer algum recorte da participação do presidente da JAC Motors do Brasil, Sergio Habib, em podcasts falando das vantagens e desvantagens dos carros elétricos. A JAC foi a primeira marca que passou a vender apenas carros elétricos no Brasil, em 2019. Mas agora está lançando uma picape média a diesel, a JAC Hunter. E, pasmem, ela é boa.
“Eu, particularmente, não queria”, diz Habib ao explicar sobre a volta da JAC aos carros a combustão justamente com uma picape média. Para ele, as vendas de carros elétricos deverão estagnar a partir de 2025, por efeito da volta gradativa dos impostos de importação, enquanto as vendas de picapes médias vêm em um ritmo de crescimento desde a pandemia da Covid-19.
Ajudou na decisão, também, o fato de ter conseguido um preço competitivo para brigar pelos compradores das picapes 4×4 mais baratas. A JAC Hunter está sendo lançada por R$ 239.990, preço válido para as primeiras 1.000 unidades vendidas. É o preço da Fiat Titano Volcano, que também tem origem chinesa, porém menos equipada.
Se tudo correr como prevê a marca, a Hunter terá 4.000 unidades vendidas em seu primeiro ano. Isso é quatro vezes as vendas da JAC de janeiro a agosto deste ano (1.011 unidades), que já cresceu bastante aos apenas 811 carros vendidos em 2023. É um otimismo enorme, visto que, com apenas concessionárias, a JAC planeja usar uma centena de oficinas homologadas espalhadas pelas maiores cidades do Brasil para divulgar e cuidar da manutenção da picape, que terá delivery de test-drive.
A JAC Hunter teve uma evolução notável na sua última reestilização. Vale lembrar que sua primeira fase chegou ao Brasil como iEV-330P, uma picape elétrica com motor traseiro modesto, de 150 cv e 33,7 kgfm, e velocidade máxima de 97 km/h. Era uma picape para aplicações bem específicas e tinha capacidade de carga de 800 kg, mas simplória como os primeiros carros chineses que chegaram ao Brasil.
Especificamente no Brasil, a JAC Hunter tem o mesmo chassi da picape elétrica, que a marca diz ser mais reforçado por ter sido pensado, originalmente, para lidar com a bateria sob o assoalho. Olhando por baixo, é possível ver as longarinas mais afastadas que o usual, mas o efeito prático disso é a capacidade de carga: 1.400 kg, quase 40% mais que a média do segmento.
A evolução estética é notável. A dianteira é toda diferente por conta do capô bem mais alto e do conjunto óptico dividido em três: assinatura de leds em cima, faróis no meio e faróis de neblina na parte de baixo. Todas as luzes são de leds e as setas dianteiras são sequenciais. A nova grade dianteira escolhida serve de alento, pois há algumas de gosto duvidoso disponíveis na China.
Na lateral, as evidências da reestilização estão na presença dos mesmos vincos de antes nas portas e na caçamba. Novidade, mesmo, são as rodas aro 18″ diamantadas e a presença de estribos e santoantônio como equipamento de série.
Na traseira, o que a Hunter tem de novidade são lanternas de led e a tampa de acesso à caçamba com “JAC” estampado em baixo-relevo. Se a tampa tem trava elétrica e o compartimento tem revestimento químico que dispensa o protetor de caçamba, não há iluminação para o compartimento ou uma fonte de energia ali. É uma caçamba pensada para ser usada com carga.
Pinta de topo de linha, pique de básica
Na cabine, a conversa é outra. Tem, de série, muita coisa realmente rara entre as picapes médias. É o caso do teto solar (só a Nissan Frontier tem), do painel emborrachada (que a Rampage tem, mas não é média) e do freio de estacionamento eletrônico (que você encontra nas Ranger V6 ou nas Rampage, esta também com auto-hold). Mas também vale destacar os freios a disco nas quatro rodas, algo que só se encontra nas Ranger e Amarok, ambas V6.
Ambos os bancos dianteiros têm ajustes elétricos e são confortáveis. Os assentos traseiros também são bons, pois conseguem ganhar uma inclinação extra com recortes no encosto. O espaço traseiro, por sinal, é superior ao de outras picapes mais tradicionais, especialmente para as pernas.
Outras boas surpresas para uma picape de R$ 240.000 merecem ser destacadas. Os bancos, portas, console central e volante têm revestimento de vinil de aparente boa qualidade (será marrom nos bancos e portas na versão de venda), há saída de ar-condicionado e duas portas USB (uma de 60W) na traseira, base de carregamento sem fio para smartphone e compartimento central refrigerado.
Quadro de instrumentos digital e a central de 13″ vertical também fazem parte do pacote da versão, mas não impressionam e apenas cumprem suas funções. A multimídia pode controlar o ar digital de uma zona e é compatível com Android Auto e Apple Carplay sempre via cabo, com conexão estável. Por fim, ainda tem modos de condução: Eco, Normal, Sport e Snow/Mud. Contudo, vacila em não ter ajuste de profundidade na coluna de direção.
A JAC Hunter tem ares de picape topo de linha e só fica devendo assistentes como monitor de pontos cegos, frenagem de emergência, alerta de colisão e outros sistemas ADAS. São itens mais avançados que os sensores de estacionamento dianteiros e traseiros, as câmeras de visão 360° e os seis airbags presentes nesta configuração destinada ao Brasil. “Quem usa uma picape como picape dispensa ou desativa esses equipamentos extras”, justifica Habib.
O motor, por sua vez, coloca a JAC Hunter na base do segmento das picapes médias. Trata-se de um 2.0 turbodiesel (derivado de um antigo Isuzu, japonês) com 191 cv e 46 kgfm. Esse rendimento pode ser explicado pelo tamanho do turbo compressor que, consequentemente, explica o turbo-lag que dura tanto quanto um bocejo quando você pisa no acelerador. A picape arranca devagar até que o motor enche e o câmbio avança para a segunda marcha. Nem o câmbio automático ZF 8HP, de oito marchas e da mesma família do câmbio da Amarok, compensa isso.
Depois que o motor está cheio, a picape da JAC embala com bom vigor e o câmbio faz trocas quase imperceptíveis. Há uma demora, porém, nas reações em velocidade de cruzeiro, quando o motor se acomoda nas marchas mais altas, girando abaixo dos 2.000 rpm. Pelo menos, o ruído que se escuta na cabine quase nunca é do motor (que está muito bem isolado), mas dos pneus 265/60.
Esse comportamento refletiu em números de desempenho pouco empolgantes. No nosso teste, a JAC Hunter precisou de 13,2 s para chegar aos 100 km/h (só é mais rápida que uma Fiat Titano, de 170 cv, que precisa de 13,4 s) e longos 10,9 s na retomada de 80 a 120 km/h. O consumo não é ruim, mas o câmbio poderia ter garantido mais eficiência em estrada: 10,6 km/l na cidade e 11,7 km/l na estrada.
O chassi preparado para muita carga até que não compromete muito o conforto. A Hunter tem uma tendência a quicar na buraqueira de um asfalto ruim ou de uma estrada de terra, mas lida bem com ondulações e lombadas, e é bastante estável no asfalto, mesmo em estradas mais sinuosas. Vale destacar a rapidez das respostas da direção, que é elétrica e tem ajuste de peso, e o fato de a Hunter ser boa de manobrar para um carro do seu tamanho.
Voltando ao off-road, chamou a nossa atenção o fato de o carro desligar o controle de estabilidade ao acionar a tração 4×4 para uso em velocidades mais altas. Normalmente, as picapes fazem isso apenas quando a tração 4×4 com reduzida é acionada.
Seria difícil explicar tudo isso em um corte de podcast. A JAC Hunter é uma picape honesta e seu preço de R$ 239.990 ajuda a compensar suas limitações e a despertar o interesse dos clientes. Afinal, eles precisarão entrar em contato com a marca para solicitar um test-drive em vez de ir até uma loja.
Por outro lado, a rede de oficinas especializadas em carros a diesel ainda pode estimular negócios de ocasião. É uma estratégia ousada, mas seria ainda mais ousada se a Hunter fosse ruim. Para a sorte da JAC, na atual conjuntura do mercado, sua picape até consegue surpreender.
Teste – JAC Hunter HD 2.0 CTi
Aceleração
0 a 100 km/h: 13,2 s
0 a 1.000 m: 35 s – 145,5 km/h
Retomada
D 40 a 80 km/h: 5,8 s
D 60 a 100 km/h: 7,8 s
D 80 a 120 km/h: 10,9 s
Frenagens
60/80/120 km/h – 0 m: 15,5/27,2/61,9 m
Consumo
Urbano: 10,6 km/l
Rodoviário: 11,7 km/l
Ruído interno
Neutro/RPM max: 44,5/75,6 dBA
80/120 km/h: 59,6/67,1 dBA
Aferição
Velocidade real a 100 km/h: 97 km/h
Rotação do motor a 100 km/h: 1.700 rpm
Volante: 2,7 voltas
Ficha técnica – JAC Hunter HD
Motor: diesel, diant., longit., 4 cil. em linha, 16V, 1.999 cm³, 191 cv a 3.600 rpm, 46 kgfm entre 1.500 e 2.500 rpm
Câmbio: aut., 8 marchas, tração 4×4 e bloqueio no diferencial traseiro
Suspensão: ind. duplo A (diant.) / eixo rígido (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e disco sólido (tras.)
Direção: elétrica
Rodas e pneus: liga-leve, 265/60 R18
Dimensões: comprimento, 533 cm; largura, 196,5 cm; altura, 192 cm; entre-eixos, 311 cm; peso, 2.050 kg; caçamba, 1.135 l; capacidade de carga, 1.400 kg tanque, 76 l