Na hora de passar pela rigorosa avaliação de QUATRO RODAS, os carros são equipados com os instrumentos de medição e vão para a pista acelerar, frear, medir o consumo, nível de ruído etc. Mas também há outro jeito de submetê-los a situações extremas: numa longa viagem passando por todos os tipos de estrada, de trânsito e condições climáticas.
Em 1990, Santana 2000i Executivo e Monza Classic 500 EF seriam os carros mais sofisticados da nossa indústria a brilhar no Salão do Automóvel. A edição de outubro se antecipou e, antes do evento, levou os dois sedãs para uma prova de resistência. Foram 7.350 km em 12 dias.
Os carros tinham injeção eletrônica – grande atrativo para a época – e eram os mais caros do país. Como disse o texto, “eles enfrentaram uma rotina de fazer inveja a muitos ralis”. A largada dessa espécie de rali foi em São Paulo. O roteiro seguiu por Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Dali, Santana e Monza pegaram o caminho de volta para Minas Gerais até chegar a São Paulo novamente. Tudo isso para responder uma só pergunta: qual dos dois era o melhor?
“A resposta só veio no final da viagem e alguns sustos depois”, afirma a reportagem. Um deles aconteceu na BR-101, ainda no início da viagem, conforme o relato em tom dramático: “De repente, a estrada acabou e uma cratera surgiu na frente do Monza. Não houve tempo para nada. O carro mergulhou de frente, estremeceu, subiu, voou de lado, mudou de pista, ficou no alvo dos faróis de uma carreta e, finalmente, se espatifou no asfalto – já com um pneu estourado, uma roda rachada e um motorista em pânico”. Um milagre que nada de mais grave tenha acontecido.
Ao longo de 12 dias, os carros cruzaram 170 cidades de oito estados e gastaram 1.500 litros de gasolina. Se a maratona já seria, por si só, uma difícil prova, as precárias condições das estradas também provocaram muitos prejuízos.
O Santana, com seus pneus baixos, enfrentou mais dificuldade: foram danificados duas rodas, um amortecedor, um coxim, uma válvula de pneu, um tubo de amortecedor, nove porcas e uma arruela. Total do conserto: Cr$ 70.014 (em valores de hoje, R$ 4.165).
O Monza sofreu um pouco menos, mas precisou repor uma roda, dois pneus, filtro de combustível, os limpadores de para-brisa, filtro de óleo, silencioso de escape e uma válvula de pneu. Tamanho da conta: Cr$ 55 247 (R$ 3.286 atuais).
Em muitos trechos, os carros passaram por algo que um dia havia lembrado uma rodovia: “Eram só amontoados de pedriscos do que fora asfalto, cercados de valas por todos os lados”, relatava o texto. Mesmo a 30 km/h, não havia como evitar as pancadas do assoalho no chão. A solução era manobrar para a frente e para trás, único jeito de desviar dos buracos.
Tamanho abandono fez surgir uma imagem comum nos telejornais: com pás em punho, crianças invadiam a pista para tapar as crateras com terra em troca de uma gorjeta.
Não à toa a reportagem constatou que o tráfego na BR-101 e na 116 estava diminuindo. Com isso, tinha-se a percepção de que o número de ônibus e caminhões havia duplicado, causando forte sensação de insegurança nos motoristas de automóveis em ultrapassagens. “E ultrapassar numa estrada que nem mais asfalto tem é sempre um jogo arriscado: se der certo, ganha-se uma posição. Se não, pode-se perder a própria vida”.
Outra anotação no diário de bordo foi a resistência do motorista nordestino quanto à utilização dos itens de segurança, como o cinto, nas cidades. E quem usava era olhado de lado: significa não saber dirigir direito.
Gasolina batizada
Outro problema que apareceu nos dois sedãs foi a oscilação da marcha lenta. Nesse caso, não dava para culpar as estradas, mas os postos de combustível. O relato dá a dimensão dos locais onde os abastecimentos foram feitos: “Só quem viu o estado de alguns postos pode avaliar que tipo de combustível haveria naquelas bombas – se gasolina, álcool, diesel, água, azeite de dendê ou tudo isso junto”.
Apesar da procedência para lá de duvidosa da gasolina, os sedãs não negaram fogo, graças ao trabalho da injeção eletrônica. Se tivessem carburadores, dificilmente chegariam ao destino em apenas 12 dias. Ficariam pelo caminho mais de uma vez esperando pelo conserto.
Com ou sem azeite de dendê no tanque, o Santana – que teve o motor retrabalhado para ganhar a injeção eletrônica – apresentou ótimo desempenho, obrigando o Monza a um esforço extra para conseguir acompanhá-lo. E, quando isso acontecia, o modelo da GM tornava-se barulhento e mais beberrão. Na viagem, o Monza fez a média de 9,57 km/l, contra 10,11 km/l do sedã da Volkswagen.
Em tempos de inflação galopante, quanto mais beberrão, pior. O preço da gasolina aumentou duas vezes durante a jornada de 12 dias! De nada adiantou o Plano Collor, política econômica do novo presidente Fernando Collor de Mello e sua equipe, confiscar a poupança dos brasileiros no início do ano, prometendo acabar com a inflação com apenas um tiro. O governo gastou toda sua munição e os preços continuaram sem freios.
Terminada a aventura, a reportagem deu seu veredicto. Se o Santana foi mais econômico, o Monza deu o troco ao mostrar mais estabilidade e segurança nas curvas. Além disso, vencidos os mais de 7.000 km, ficou evidente que o Monza tinha o melhor som (primordial numa aventura como essa), ar-condicionado (idem), painel e visibilidade, embora tenha perdido para o Santana em maciez do câmbio e espaço interno.
O Monza foi mais ruidoso e a localização dos comandos dos vidros elétricos (no console) e da regulagem do encosto de banco não agradou. Já o Santana ficou devendo na iluminação interna e na vedação do porta-malas, que não tinha como abrir por dentro do veículo. A posição de dirigir foi considerada deficiente nos dois. No Santana, só era possível regular a altura do assento, enquanto no Monza, apenas o volante.
Nenhum deles voltou da maratona desfrutando de unanimidade, embora, no conjunto da obra, o Monza tenha passado melhor pelo teste. Por pouca coisa. O mais justo seria declarar empate técnico, sem ficar em cima do muro. Os dois foram legítimos campeões da resistência.
Outubro de 1990…
“Um guarda de trânsito de Ouro Preto (MG) quis saber sobre o Santana: ‘É injetável?’ ‘Onde conseguiram essa asa?’, intrigou-se um frentista em Aracaju (SE), ao ver o aerofólio do Monza. Chamar atenção nas cidades, eles chamaram (…). Mas onde mais impressionaram foi nas estradas (…). Em certos pontos da BR-101 gastam-se horas para míseros quilômetros, num irritante jogo de identificação de buracos. Alguns, de tão grandes, são a própria estrada.”
Teste QUATRO RODAS
Santana Executivo | Monza 500 EF | |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 11,5 s | 10,8 s |
Velocidade máxima | 168,5 km/h | 170 km/h |
Consumo médio | 8,8 km/l | 9,1 km/l |
Preço (setembro de 1990) | CR$ 3.626.702 | CR$ 2.926.253 |
Preço (atualizado IPC-BRASIL) | R$ 215.741 | R$ 174.973 |
Ficha Técnica
Santana Executivo | Monza 500 EF | |
Motor | dianteiro, longitudinal, 4 cilindros em linha, 1 984 cm³, 82,5 x 92,8 mm, injeção eletrônica, 125 cv a 5.800 rpm, 19,5 mkgf a 3.000 rpm | dianteiro, transversal, 4 cilindros em linha, 1 998 cm³, 86 x 86 cm, injeção eletrônica, 116 cv a 5 400 rpm, 17,8 mkgf a 3 000 rpm |
Câmbio | manual de 5 marchas, tração dianteira | manual de 5 marchas, tração dianteira |
Dimensões | comprimento, 453 cm; largura, 169 cm; altura, 140 cm; entre-eixos, 255 cm; peso 1.150 kg | comprimento, 437 cm; largura, 167 cm; altura, 136 cm; entre-eixos, 257 cm; peso, 1.160 kg |