* reportagem originalmente publicada em setembro de 2009
A Ferrari pode não estar tão bem na F-1 no momento, mas fazia pelo menos uma geração que ela não tinha uma linha tão forte de carros de rua. Eu não sou um grande fã da 612 Scaglietti, mas a F430 ainda parece afiada, moderna e empolgante, mesmo no outono de sua vida, enquanto a California é um lindo GT conversível que merece consideração.
A 599 GTB é inquestionavelmente o melhor carro-chefe da Ferrari desde a Daytona, o que deixa para a Scuderia a simples honra de ser uma das máquinas mais emocionantes que é possível dirigir.
Foi por isso que pareceu a escolha certa pegar uma delas para defender a honra da Ferrari no teste mais duro de todos. Não uma comparação direta contra um Lamborghini ou Porsche, mas uma disputa muito mais árdua – vinda de dentro.
Se você puder me mostrar alguém que não considere a Ferrari F40 o supercarro mais empolgante a dar o ar da graça nas vias públicas em todos os tempos, é porque você achou alguém que nunca pilotou uma. É uma afirmação de peso, já que isso significa preterir McLaren F1, Bugatti Veyron e vários outros supercarros mais rápidos que a F40.
Mas, entre aqueles que guiaram a maioria desses, acredito que a grande parte ainda escolheria essa Ferrari de duas décadas de idade.
Que lente melhor poderia haver para analisar o estado atual da arte ferrarista que o desafio proposto pela F40? Escolher o rival foi fácil.
Por alguma razão inexplicável, a Ferrari diz que a 599 GTB é a real sucessora da F40, mas com um V8 central, interior despojado, escapamentos ensurdecedores e atitude cruel na estrada, fica claro que a Scuderia é o parente atual mais próximo da F40.
As duas se encontraram na base de Cotswolds do colecionador britânico Bob Houghton. Se há alguém que possa ser chamado de guru da F40 na Inglaterra é Houghton, que tem nove delas.
O carro avaliado é um exemplar de 1989, com cerca de 34 000 km. Seu valor para fins de seguro é de 260 000 libras (420 000 dólares), mas carros menos rodados podem valer 300 000 libras (480 000 dólares).
Dirigindo até lá, confirma-se a premissa de que a Scuderia de 168 962 libras (270 000 dólares) é o carro mais empolgante em produção hoje pela Ferrari. A maior parte do tempo você não pode sequer usar toda a potência, mas naquelas poucas ocasiões em que as rotações sobem em direção aos 8 500 giros e as marchas fuzilam trocas de 60 milissegundos cada uma, é difícil não ficar rindo como um bobo.
E não importa o quanto de potência o motor possa produzir, freios e chassi respondem à altura. Nenhuma Ferrari normal jamais teve maior controle da carroceria, freios mais adequados ou maior aderência para acabar com o seu fôlego.
Só que, é claro, a F40 nunca foi uma Ferrari normal. Sua linhagem é de um devorador de estradas especializado, de edição limitada, precedida pela bela, mas traiçoeira, 288 GTO de 1984 e sucedida pela feia, mas deliciosa, F50.
O que queríamos descobrir era se o fato de a F40 ter sido um projeto inteiramente novo, em vez de uma versão apimentada de um produto existente, poderia compensar os 20 anos de vantagem da Scuderia.
No papel, parecia que elas eram assustadoramente parecidas. Você pode esperar um tempo fenomenal abaixo de 3,6 s para chegar a 100 km/h com a Scuderia, ao passo que dados de fábrica da F40 dizem que ela chega a tal velocidade em 4,1 s.
Para 160 km/h, a Scuderia leva cerca de 7,4 s e a F40 faz em 7,8 s. O guerreiro moderno atinge 320 km/h, o velho soldado, 324 km/h. A F40 tem uma velocidade final mais alta porque gera menos pressão aerodinâmica, a Scuderia tem melhor aceleração em função de seus pneus com maior aderência, controle de largada e trocas de marcha quase instantâneas. Então, estamos empatados nas honrarias.
Perda da voz
Mas há uma boa diferença entre elas: o peso da Scuderia é de 1 250 kg, contra cerca de 1 100 kg da F40. E, embora os 510 cv da Scuderia pareçam ser uma vantagem em comparação aos 478 cv da F40, em termos de relação peso-potência, nem chegam perto: 408 cv por tonelada, em comparação com 434 cv da Ferrari mais antiga.
E isso antes de se levar em conta a vantagem da F40 em termos de torque, ainda maior. Talvez seja por isso que mesmo seus pilotos de testes, muito capazes e experientes, tendam a voltar de sua primeira experiência com uma F40 sem a capacidade de falar.
Ela tem esse efeito nas pessoas. Você entra no carro pulando uma soleira de fibra de carbono, encaixa-se em um banco de corrida, afivela o cinto, gira a chave e pressiona o botão de borracha que liga um V8 biturbo de 2,9 litros, projetado originalmente pela Ferrari para um Lancia de corrida do Grupo C. Mesmo em ponto-morto, o barulho é intimidador. Os instrumentos são os mais singelos que já vi, o painel é coberto só com feltro e as portas se abrem por um cordão.
A alavanca de câmbio com seis fendas coloca nas mãos uma haste de metal com uma bola preta no topo. E você precisa puxá-la em sua direção e para trás para engatar a primeira das cinco marchas. Alivie a embreagem dolorosamente pesada e você está pilotando uma F40.
Nem pense em pisar fundo na primeira marcha. Melhor também não fazer isso em segunda, a não ser que a pista seja reta, lisa e seca. Selecione a terceira, suba até 3 500 rpm, crave o pé e aguarde. Existe um retardo, um breve período de deliciosa expectativa antes do grito, do uivo e do incomensurável impulso para a frente. É um dos carros de rua mais rápidos já feitos pela Ferrari.
Apenas velocidade bruta não teria dado à F40 a capacidade de cativar tanto seus donos. Seu poder real não vem do motor, mas da forma como ela responde à direção e das sensações que passa. Vinte anos não fizeram com que a F40 perdesse qualquer fração do seu charme: ela é nada menos que hipnótica.
A Scuderia deveria sofrer terrivelmente pela comparação, mas parte de seus pontos fortes está no fato de que, mesmo após uma exposição prolongada à F40, seu apelo continua com o mesmo brilho. E, quando percebe o quanto ela chega perto da F40 em muitos aspectos, você pode até concluir que ela é a realização maior, inclusive porque custa hoje menos do que a F40 custava na sua época.
Existe um mundo de diferença entre construir um carro de corrida homologado para uso em vias públicas e um modelo de produção em série. Apesar de a F40 ter peças de materiais sofisticados, com kevlar e fibra de carbono, ela é escorada por um chassi tubular tipo “spaceframe” bem simples e, comparada à Scuderia, tem padrões de qualidade de construção de brinquedo de armar.
Embora a F40 seja incrivelmente robusta (deixando de lado consumíveis como freios, embreagem e pneus, sua única fraqueza real eram as vedações dos turbos, que foram modificadas e não causaram mais problemas), ela é extremamente bruta. Em contraste, a carroceria e o chassi monocoque de alumínio da Scuderia exibem os mais altos padrões de acabamento.
Ela também se comporta de forma impecável no molhado. Já sobre o comportamento da F40 em tais condições, direi que a maior demonstração de recuperação que jamais presenciei foi no banco do passageiro de uma F40 sendo pilotada por um ex-piloto de F-1 na chuva. Em contraste, se a Scuderia não fosse tão barulhenta e cara e atraísse tanta atenção, você poderia usá-la todos os dias.
E ela não supera a F40 só no lado prático. Embora não haja dúvidas de que esta tenha vantagem em linha reta, é claro que, se ambas fizessem uma volta cronometrada, a Scuderia, mais pesada e lenta, venceria. Não dá para negar o avanço técnico em freios, suspensão e aerodinâmica.
Apesar do peso extra, é a Scuderia que faz curvas mais rapidamente e reduz a velocidade melhor. Nada mostra de forma menos abonadora a idade da F40 que os freios, que não só são inadequados para seu potencial como ficam envergonhados diante dos enormes discos de cerâmica de carbono da Scuderia.
A modificação mais comum que pedem a Bob Houghton é colocar na F40 rodas de 18 polegadas e os discos de tamanho decente que elas permitem. Você perde aquelas lindas rodas de 17 polegadas, mas pelo menos sua F40 vai parar.
Com todas suas falhas, entretanto, são as memórias da F40 que duram mais, e seria de fato estranho se ocorresse o contrário. O mundo avançou nos últimos 20 anos, e um carro como a F40 seria inaceitável (sem falar que seria ilegal) no mercado moderno. Ainda gostamos de máquinas difíceis de guiar, mas também gostamos dos sistemas de segurança eletrônica, estruturas de colisão projetadas por computador e os pequenos luxos da vida.
A Scuderia deste comparativo pode parecer despojada pela maioria dos padrões, mas ela ainda tem ar-condicionado, vidros e retrovisores elétricos, trava central, CD player, sistema de navegação e airbags. A F40 não tem nenhuma dessas coisas. Para ter um carro moderno mais “depenado” que a F40, você precisaria comprar um Caterham.
Mas, embora o corpo tenha mudado muito em duas décadas, o espírito que criou a F40 ainda está vivo. Dadas as limitações da vida moderna dentro das quais é necessário trabalhar, a Scuderia é um feito excepcional, que merece os elogios que tem recebido.
Para mim ela não é a sucessora verdadeira da F40, porque a essência de seu projeto é bem diferente, mas isso não a impede de ser uma das melhores Ferrari de rua de todos os tempos. E a F40? Quando a pilotei pela primeira vez, foi a experiência mais fascinante que já tive num carro de rua. Quinze anos e um bom número de supercarros depois, talvez eu continue sem motivo para mudar essa visão.