Esqueça as pranchetas, salas repletas de desenhistas e maquetes em argila. O desenvolvimento de um automóvel hoje em dia passa por estudos de mercado, muitíssima computação e, claro, o trabalho de engenheiros, designers e analistas.
No caso da inédita Chevrolet Montana, por exemplo, o principal “engenheiro” no desenvolvimento da picape média foi um supercomputador do tamanho de 20 campos de futebol. Tudo isso para fazer, no mundo digital, o que antes era feito no mundo real, com protótipos semelhantes ao que conhecemos nos laboratórios da General Motors em Indaiatuba (SP), e que podem custar milhões de reais.
Montana com preço de Ferrari
Mais precisamente algo em torno de R$ 2 milhões, estima um engenheiro da Chevrolet à reportagem. Isso porque cada uma das 30 mil peças da Montana camuflada (que podemos conhecer só por fora) foi feita de maneira artesanal, na oficina de protótipos da marca.
Construída de forma idêntica ao que devemos ter à venda no início de 2023, a Montana do vídeo rodará centenas de milhares de quilômetros ao todo, a fim de certificar a engenharia de que absolutamente todo sistema e componente funciona de maneira adequada.
Em seis meses, as pistas intecionalmente esburacadas e defeituosas do Campo de Provas de Cruz Alta simulam 15 anos da vida de um carro normal. Obviamente é um processo caríssimo, mas poderia ser ainda mais caso não houvesse a IBM e outras empresas de tecnologia ao lado da montadora.
A gigante da computação é parceira da General Motors desde a década de 50. Em 1960, ambas apresentaram sua grande cocriação, o DAC-1: primeiro programa de desenho via computador (CAD) da história. Hoje em dia, o CAD é conhecimento obrigatório de qualquer engenheiro mecânico ou civil, e é ensinado no primeiro período do curso.
A bola da vez, entretanto, é um centro de processamento de dados com área equivalente à de 20 campos de futebol. Lá, na cidade de Milford, estado de Michigan, nos EUA, são realizadas a quantidade inconcebível de equações matemáticas que permitem uma Montana em 3D ser batida em um muro virtual. Caso a mesmíssima colisão ocorra em Indaiatuba, o resultado é praticamente idêntico.
Questão filosófica
Em 1814, o matemático francês Pierre-Simon Laplace trouxe o seguinte questionamento: se soubéssemos as informações necessárias sobre cada partícula do Universo, poderíamos prever o futuro e rever o passado?
Até hoje o exercício mental é debatido, e ao menos a parte de rever o passado já foi derrubada pela descoberta de alguns processos irreversíveis na natureza, como os da Termodinâmica. A General Motors, entretanto, se apoia no método dos elementos finitos para prever o futuro — ou tentar.
Nesse método, a concorrente da Fiat Toro tem suas peças reduzidas a milhões de quadradinhos ou outras formas geométricas. Para cada um desses pedacinhos, há uma fórmula matemática que calcula seu comportamento. Uma “infinidade de simulações e aperfeiçoamentos que é possível realizar ao longo do projeto”, explica Suzimara Ducatti, especialista em simulações virtuais na GM América do Sul.
A engenheira destaca que os computadores permitem desenvolver um carro pela metade do tempo. Mas os computadores não se operam sozinhos, e aí entra o talento da equipe técnica: “o segredo do uso apropriado destes supercomputadores e software de inteligência artificial está na experiência e na forma como os engenheiros da GM inserem e analisam os dados.”
Caso os “artistas do computador” estejam bons de conta, os modelos preverão com assutadora fidelidade o comportamento de todo o veículo; por mais que, em cada quadradinho desse, haja um número de átomos com zeros o suficiente para não caber nesse texto.
O público é o teste final
Mesmo com tamanho investimento, a Chevrolet sabe que as simulações não são perfeitas e os testes de rua são obrigatórios. Flagrado por QUATRO RODAS, um deles inclusive foi feito ao lado de uma Renault Oroch, segunda concorrente mais importante da Montana.
O primeiro passo do desenvolvimento da caminhonete, entretanto, será o último a ser avaliado. Isso porque, antes de qualquer computador ser ligado, equipes de marketing e vendas da General Motors se reuniram para estudar o mercado e adivinhar o gosto do consumidor.
Na visão deles, os próximos anos serão das picapes urbanas, com mais estilo do que funcionalidade propriamente dita. Nesse uso mais “gourmet”, os ocupantes esperam espaço interno de SUV, a caçamba precisa carregar mais volume do que carga e o consumo não pode ser sacrificado, ao mesmo tempo que o motor precisa render bem.
Nenhum dos funcionários da apresentação parece temer falhar no teste. A marca é categórica ao afirmar que a nova Montana será mais espaçosa, ágil e econômica que suas grandes concorrentes. A prova final, entretanto, ocorrerá quando a nova caminhonete intermediária do Brasil chegar às concessionárias, em 2023.