Durante toda avaliação de veículos com tração 4×4 gostaríamos de testá-los em todos os tipos de terreno e condições severas, porém essa alternativa é utópica (por falta de tempo, local etc.). Além disso, a maioria dos proprietários desses veículos não utiliza boa parte dos recursos off-road embarcados. Segundo as fabricantes, muitos deles não colocam seus carros em trilhas pesadas por receio e desconhecimento da capacidade de superação do equipamento. Eu mesma participei de uma expedição off-road pelo norte da Argentina, ao volante de uma picape Nissan Frontier 4×4 e me surpreendi com o que vi.
À convite da Nissan, me juntei a um comboio com dez picapes, na região de Catamarca. E em três dias fiz uma imersão no mundo off-road com direito a atolar algumas vezes nas dunas de areia vulcânica, atravessar rios com correnteza, subir montanhas em meio a precipícios e chegar a 4.300 metros de altitude.
Outra questão curiosa dessa experiência, que a tornou ainda mais incomum, foi o fato de que só participaram mulheres, jornalistas automotivas da América do Sul, em sua maioria juradas do Women’s World Car of the Year (WWCOTY). Atualmente somos 74 juradas de 51 países. QUATRO RODAS é a única publicação brasileira que está presente no prêmio e tenho a satisfação de representá-la nessa premiação. Havia juradas da Argentina, Chile e Peru. E também mais três jornalistas brasileiras com as quais revezei o volante durante os três dias de experiências. Ao todo, 12 jornalistas automotivas participaram.
Rota do Rally Dakar De Buenos Aires pegamos um voo direto com duas horas de duração para San Fernando del Valle de Catamarca, capital da província de Catamarca. Essa região está próxima da fronteira com o Chile, tem clima desértico e sua paisagem é montanhosa. Segundo os próprios argentinos, não é um lugar turístico, portanto sem infraestrutura para visitantes.
Já no primeiro dia, o comboio percorreu 324 km até Fiambalá, última cidade que abriga a Rota Nacional antes de entrar no Chile. É conhecida por sediar o Rally Dakar de 2009 a 2012.
Ainda no asfalto, as dez picapes, todas em suas versões topo de linha, Platinum ou PRO 4X, percorreram a chamada Rota do Adobe – nome que faz referência às construções típicas do local, de tijolos produzidos com terra crua, palha e água, e posteriormente secos no sol.
A condução da Frontier no asfalto é confortável e a suspensão cumpre bem o papel de manter a carroceria estável. A atual geração, lançada em abril de 2022, recebeu novos amortecedores, que, segundo a marca, têm maior capacidade de absorção de impactos. A suspensão usa sistema duplo A, na dianteira, enquanto a traseira apresenta um eixo five-link – na verdade, um eixo rígido com cinco pontos de apoio no chassi – que traz mais estabilidade que um eixo rígido convencional. O conjunto passa firmeza, sem ser desconfortável, e não há aquela sensação de que a carroceria está flutuando em altas velocidades, além de oferecer mais segurança e controle nas curvas.
Quando testamos a Frontier na ocasião do lançamento, elogiamos o bom isolamento acústico da cabine e, agora, reiteramos o elogio durante o trajeto no asfalto. O motor 2.3 biturbo diesel (190 cv e 45,9 kgfm), que é naturalmente mais ruidoso do que um propulsor movido a gasolina ou flex, se apresentou silencioso e mesmo o barulho produzido se mostrou bem isolado, proporcionando conforto ideal para que pudéssemos admirar as montanhas, que pareciam nevadas como na Cordilheira dos Andes, mas na verdade era areia branca, que encobre suas encostas.
O segundo dia de travessia, como a Nissan batizou a nossa aventura, ficou marcado por atravessarmos dunas de areias vulcânicas.
Mas, ainda no asfalto, a equipe de apoio pediu que estacionássemos todas as picapes no acostamento da estrada para reduzir a pressão dos pneus de 32 libras para 16 libras, a fim de evitar atolamentos na areia. A cena foi curiosa: dez picapes alinhadas, tendo os pneus esvaziados simultaneamente, pela equipe de apoio. Se tivéssemos em uma região mais movimentada, com certeza chamaria a atenção. Mas, em cerca de meia hora que ficamos paradas por ali, não passou ninguém. Sinal de que a rota era mesmo inóspita, como nos foi anunciada. A justificativa para o esvaziamento é que os pneus, por ficarem mais largos, aumentam a aderência com o piso.
Geleiras de areia Chegamos às Dunas de Tatón, caracterizadas pela areia acumulada proveniente dos vulcões mais altos do mundo que se avistam no horizonte, apelidados de Seismiles (devido à sua altitude superior a 6.000 metros). Inclusive ali está a Duna Federico Kirbus, considerada a mais alta do planeta. A paisagem foi descrita pelo geólogo alemão Alfred Stelzner como “geleiras de areia”e é essa a impressão.
Antes de entrar no terreno arenoso, fui orientada pelo rádio comandado pelo carro-madrinha, onde estava a equipe de apoio, especializada em trilhas off-road pela região, que eu colocasse o câmbio em Neutro e engatasse a 4×4 reduzida por meio de um botão no console central. Essa tração é mais adequada em um piso com pouca aderência como areia, pois o sistema desliga o controle de tração e estabilidade, permitindo que a picape derrape e se mova lateralmente, sem a intervenção da eletrônica, o que concorreria para interromper a manobra ou para o atolamento.
Oportunidades para atolar não faltavam diante de nós. Assim que entramos nas dunas, minha picape patinou. Nada que uma marcha a ré e um esterçamento de volante não resolvesse. Mas logo outras picapes à minha frente também ficaram. E depois eu novamente. Lembrando das minhas lições de off-road em que não se pode acelerar muito para evitar derrapagem, segui esse preceito e descobri que ele só pode ser aplicado para lama. Na areia, a ordem é pisar fundo e é o máximo de torque nas quatro rodas que permite que você avance e não afunde.
Assim que aprendi a lição, não atolei mais e consegui percorrer todo o caminho sem maiores sustos. Pude testar o HDC (assistente de descida off-road) em uma descida a quase 90 graus e a picape cumpriu com segurança sem precisar acionar nem o acelerador nem o freio. A versão PRO 4X traz o bloqueio do diferencial traseiro, que foi importante para que a picape saísse de uma situação de atolamento em uma subida íngreme. Ele permite que as rodas traseiras girem ao mesmo tempo ao distribuir a força do eixo traseiro de forma igualitária. Foi a primeira vez que usei esse bloqueio em uma situação como essa e vi, na prática, a vantagem de ter acesso a esse tipo de recurso na areia fofa.
No terceiro dia saímos de Fiambalá em direção a Palo Blanco e percorremos um chão de terra batida até uma estrada repleta de pedras margeando e atravessando o curso de água das encostas das montanhas. Começamos a passar por águas cada vez mais profundas e com correnteza, e a orientação que vinha do rádio era: “Atravessem em velocidades baixas e constantes para evitar a entrada de água no filtro de ar e, no caso de correnteza, cruze na diagonal e a favor dela”. Seguimos todas as orientações e as dez picapes passaram pelo desafio.
Precipícios e travessias A partir daí a orientação era beber chá de folha de coca, bebida comum em regiões como essa, para minimizar os efeitos da altitude no organismo. E assim começamos a subir a encosta de uma das montanhas e as curvas eram cada vez mais estreitas e os precipícios cada vez mais desafiadores. O diâmetro de giro não é dos maiores entre as picapes, 9 graus, mas foi suficiente para que contornasse curvas acentuadas sem a necessidade de manobras, para o meu alívio. Confesso que tenho medo de altura, mas ao volante e com a adrenalina subi até os 4.300 metros de altitude e a sensação foi incrível. Eu estava logo atrás do carro-madrinha e o especialista em off-road nos parabenizou pela condução e afirmou que passar a roda exatamente onde o carro-guia passa é o mais indicado em uma subida de montanha. Afinal, é a certeza de que é o caminho mais seguro.
Na descida paramos no campo de Piedra Pómez, uma extensão de 25 km de uma paisagem lunar única. Trata–se de pedras formadas por antigas erupções vulcânicas.
O caminho até Palo Blanco foi longo e nos impressionou a resistência dos pneus de uso misto ao passar pelas estradas repletas de pedras pontiagudas nesse trecho final da viagem.
Antes dessa experiência, tinha a impressão de que já conhecia um pouco sobre trilhas off-road, mas só após essa aventura que posso me considerar entendida no assunto, mas ainda longe de ser especialista. Retornei para casa com a sensação de dever cumprido por ter superado todos os desafios e com segurança para enfrentar qualquer terreno pela frente.