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Toma essa, Coringa! QUATRO RODAS já vendeu carro roubado ao Batman

Provamos que sistema de licenciamento no País em 1970 era falho ao obter documento em nome de Bruce Wayne, apesar de queixa registrada de furto do carro

Por Marcos Rozen
18 out 2019, 18h26
Matéria publicada em 1970 denunciou fraude com veículos roubados (Acervo/Quatro Rodas)

Lamentamos, Coringa, mas essa nem você conseguiria: QUATRO RODAS já vendeu um carro roubado ao Homem-Morcego. Parece coisa de ficção de filme de herói ou história em quadrinhos, mas esse fato é realmente verídico e aconteceu em 1970 – e não em Gotham City, mas em São Paulo mesmo.

A chamada “Operação Batman” começou a ser planejada no início de 1970. A revista queria apurar uma denúncia de que carros roubados estavam sendo legalizados e revendidos, lesando seriamente, portanto, os consumidores, que de nada suspeitavam: a documentação que recebiam era, a princípio, totalmente correta, emitia pelo DET, o Departamento Estadual de Trânsito.

O mais incrível é que naquela época essa possibilidade existia, conforme QUATRO RODAS conseguiu provar, não exatamente por má-fé de funcionários dos órgãos de trânsito, mas sim apenas por brechas geradas em processos burocráticos aliados à ineficiência de órgãos públicos.

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Naquele tempo, para transferir um veículo para o nome de outra pessoa, bastava ao interessado possuir o certificado de propriedade do carro e um número da carteira do novo proprietário, documentos que então podiam ser facilmente falsificados. Além disso a revista conseguiu mostrar que o órgão de trânsito estadual de São Paulo da época e a polícia não se conversavam, o que facilitava bastante o crime.

Chamada na capa foi censurada à época (Acervo/Quatro Rodas)

A Operação Batman entrou em ação em 5 de fevereiro, por meio de um anúncio de jornal oferecendo um Chevrolet 1939 – à época um carro bastante velho, com mais de 30 anos – duas portas por 600 cruzeiros novos, algo como R$ 1 mil em valores atualizados, uma verdadeira pechincha. O carro estava em péssimo estado de conservação, mas andava, e não foi escolhido à toa: parte fundamental do plano era a alegação, fictícia, que o Chevrolet seria usado em uma cena de capotamento e explosão em um filme de um diretor estadunidense que estava sendo gravado no Brasil.

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O carro estava à venda em uma loja da Zona Leste de São Paulo. A reportagem comprou o carro e o deixou estacionado em frente ao prédio da Editora Abril, em plena Marginal Tietê – no caminho um dos pneus, totalmente careca, furou.

Alguns dias depois, de posse de uma nota fiscal de compra do carro, o repórter foi a uma delegacia e relatou que o carro fora furtado nas proximidades da Rua Augusta, na região Central de São Paulo, ainda que o velho Chevrolet continuasse imóvel estacionado em frente à Editora Abril. Saiu de lá com um Boletim de Ocorrência e com ele rumou à Delegacia de Furtos de Automóveis, órgão policial específico da época, onde o fato também foi registado.

No dia seguinte, a terça-feira, 17, de posse dos documentos do carro em nome do dono anterior entregues pela loja, o repórter procurou um despachante. Alegou novamente que o carro seria usado em uma cena de acidente de um filme de um diretor estadunidense e adicionou que fazia parte da produção do filme. Por essa razão, explicou, o Chevrolet fora comprado por ele, mas o diretor exigia a transferência do carro para seu nome porque “esses americanos têm mania de organização”. Disse ainda que o diretor estava fora de São Paulo para buscar novas locações para o filme e por isso não poderia assinar a papelada.

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Chevrolet 1939 foi comprado pelo equivalente a R$ 1.000 (Acervo/Quatro Rodas)

O nome do tal diretor que deveria constar do documento do carro, informado pelo repórter: Bruce Wayne. O despachante apenas disse “pelo nome logo vi que era americano” e, pasme, prometeu os novos documentos para o fim do dia seguinte. Importante observar que isso ocorreu sem que o despachante ou a reportagem tivessem sequer sugerido o uso de qualquer tipo de ilegalidade para obtenção da papelada.

No horário combinado do dia seguinte, porém, ao telefone, o despachante informou que houve um problema e que o documento não foi liberado. Teria então o DET, Departamento Estadual de Trânsito, recebido a comunicação de roubo da Delegacia de Furtos de Automóveis e impedido a emissão do novo documento, como seria correto?

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Documento comprovava a posse do Chevrolet em nome de Bruce Wayne (Acervo/Quatro Rodas)

Ledo engano. O despachante informou que os documentos não saíram porque o DET exigiu o pagamento de uma taxa de placas, vencida no mês anterior. Quatro Rodas pagou a taxa e recebeu na tarde do dia seguinte os documentos do carro em nome de Bruce Wayne.

A reportagem, assinada por Roberto Benevides, foi publicada na edição de maio de 1970. Logo após, por coincidência, o delegado responsável pelo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo foi substituído.

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A brilhante matéria, aliás, teria direito a uma chamada de capa, mas na época havia censores nas redações das revistas da Abril. A censura liberou a publicação da reportagem, mas não permitiu que fosse mencionada na capa da revista.

Charge publicada em outros veículos de comunicação (Acervo/Quatro Rodas)

Após a publicação a matéria teve ampla repercussão, sendo mencionada inclusive por outros órgãos de imprensa, como o extinto jornal Última Hora, acompanhada de uma charge. E por isso acabou por gerar dois inquéritos, um no Departamento de Trânsito e outro na Polícia Civil. Como resultado, cada um concluiu que a culpa era do outro. Depois o caso seguiu para uma Procuradoria, que encontrou outro culpado: o repórter. Mas o processo nunca seguiu adiante.

Já o Chevrolet teve um destino curioso. A carroceria estava totalmente corroída por ferrugem e motor e câmbio formavam um lamento só, sendo as únicas partes ainda aproveitáveis o chassi e os eixos. Assim ele foi transformado e reaproveitado como um veículo interno de transporte de material: amargo destino para quem representou papel de uma espécie de novo Batmóvel.

Essas e outras histórias envolvendo a imprensa automotiva podem ser conferidas de perto no MIAU, o Museu da Imprensa Automotiva – cujo acervo, aliás, contém a edição original de Quatro Rodas com a reportagem do Batman que comprou um carro roubado. O museu fica na R. Marcelina, 108, na zona oeste de São Paulo, e funciona aos sábados e domingos das 13h às 17h. O site é o www.miaumuseu.com.br e o telefone o (11) 98815.7467.

Marcos Rozen

É jornalista especializado em automóveis e fundador do Museu da Imprensa Automotiva.

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