Quem se lembra dos gigantescos e reluzentes carrões americanos do século passado, carinhosamente batizados de “lanchas”, que faziam a alegria de uma legião de fanáticos por carros? Esses mamutes beberrões, apesar de toda sua imponência, entraram em extinção logo nas primeiras crises do petróleo, ainda nos anos 70. O preço dos combustíveis, associado à preocupação com o meio ambiente e à vulnerabilidade das matrizes energéticas, conspira para que os veículos – incluindo as motos – se tornem mais compactos, econômicos e funcionais.
Os mais recentes e impactantes lançamentos motociclísticos, como a Honda Crossrunner 800 e a Triumph Tiger 800, são exemplos de que a tendência de um menor volume contendo mais emoção também é a tônica no mercado mundial de duas rodas para os próximos anos. Motos cada vez mais compactas e com propulsores que raramente ultrapassam 800 cc passaram a ser as grandes vedetes.
A crise econômica, que ainda agride fortemente Europa, América do Norte e parte da Ásia, em especial o Japão, tem impulsionado o desenvolvimento de modelos menores, econômicos, versáteis e que cheguem às mãos dos consumidores por preços sempre mais baixos.
Na outra ponta estão os mercados emergentes, meninas dos olhos de todos os fabricantes, em especial China, Índia e Brasil, onde as vendas crescem com enorme rapidez e que, por tradição e razões econômicas, mantinham o alicerce do consumo inteiramente em motocicletas de baixa cilindrada (no Brasil, 92% das motos vendidas em 2010 tinham até 250 cc).
Se é verdade que a crise econômica tem provocado uma curva decrescente nas vendas e nos preços das motos vendidas nos países mais desenvolvidos, no bloco dos emergentes não são apenas as vendas que crescem: os modelos vendidos hoje são cada vez melhores e mais potentes. Afinal, quem acha os 92% citados acima um percentual muito elevado, pode voltar cinco anos no tempo (2005) e conferir que, naquele ano, 98,3% das motos vendidas no Brasil tinham até 250 cc, segundo dados da Abraciclo, a associação das empresas do setor.
O Brasil já se prepara para receber a FZ8, compacta e eficiente street da Yamaha, com 779 cc distribuídos em um belo corpinho de pouco mais de 200 kg. Enquanto isso, o Salão de Milão, realizado no fim de 2010, deu o tom de que as grandes estrelas em 2011 serão as motos de média cilindrada, que agora se colocam num patamar superior – e beiram as 800 cc.
PONTO OITOA gigante Honda colocou a maior parte de suas fichas na Crossrunner 800, uma moto urbana que mistura características de uma naked e de uma fora de estrada. Ela atende a essa nova perspectiva de uma moto multiuso, compacta, que raramente verá a cor da terra e que, portanto, apesar de utilizar bengalas invertidas na suspensão dianteira, não precisa nem de longo curso na suspensão (108 mm na dianteira e 119 na traseira) nem de pneus off-road. A Crossrunner é empurrada por um V4 a 90 graus, de 782 cc, com 102 cv de potência, 16 válvulas e refrigeração líquida. Na verdade, a base desse motor já vinha servindo a outro modelo da marca que também se encaixa nessa tendência, a VFR 800, uma carenada street que se aventura muito bem pelas longas estradas.
Outro lançamento que causou frisson em Milão foi a Triumph Tiger 800, apresentada em duas versões, com aro dianteiro de 19 e 21 polegadas, além de pequenas alterações estéticas e de geometria. Os projetistas ingleses beberam nas mesmas fontes e pesquisas dos japoneses da Honda e lançaram um modelo compacto e ágil, com várias das virtudes de uma fora de estrada, como a robustez e a confortável posição de pilotagem, mas sem abrir mão da segurança de duplos discos dianteiros e disco simples traseiro (com opção ABS), garfos invertidos Showa, além de alguns quesitos fundamentais para longas viagens, como parabrisa e tanque com capacidade para 19 litros de combustível. A Tiger 800, assim como a Crossrunner, utilizou em seu desenvolvimento um produto já consagrado da marca, a Street Triple 675, que ofereceu tanto a base para o desenvolvimento do chassi multitubular (obviamente com geometrias alteradas) como o motor tricilíndrico em linha, DOHC de 12 válvulas e refrigeração líquida, que passou a ter 779 cc e 95 cv de potência.
Na verdade, quem deu o primeiro passo para ocupar essa fatia de mercado foi a alemã BMW, que já tem uma ampla gama de produtos nessa faixa intermediária: F 650 GS, F 800 GS, G 650 GS e F 800 R. Hoje a marca alemã vem colhendo os louros do pioneirismo e, calcada em uma linha com opções bem mais acessíveis, comemora um expressivo crescimento no território nacional. O Brasil, que há dois anos era o 12º mercado mundial da marca, atualmente dá um salto para se posicionar como o sétimo país que mais vende motos BMW, superando potências econômicas como a Espanha e Japão.
É claro que os extremos sempre existem, e seguirão existindo, mas hoje até mesmo motos como a BMW K 1600 GT e seu gigantesco propulsor de seis cilindros em linha, que sozinho pesa 102,6 kg (o peso total da GT é 319 kg) e alcança 160 cv de potência, são tão compactas que pesam apenas 60 kg a mais do que uma Honda CB 750 SC de 1982 – que não chegava a 67 cv de potência. Acha essa uma evolução pequena? Então confira os números da Aprilia Tuono V4R, uma naked ao melhor estilo café racer, também lançada em Milão e desenvolvida para o uso urbano. Ela tem seus bem distribuídos 179 kg empurrados por um motor derivado daquele da RSV4 (campeã mundial de Superbike em 2010), com 162 cv de potência. Melhorou?
PEQUENAS GRANDES MOTOS
Na outra ponta, motos como a Kawasaki Ninja 250 (foto) e a KTM Duke 125 (que em breve deverá ser montada no Brasil em versão 200 cc) aparentam ser muito mais encorpadas do que na realidade são. A Duke 125 tem apenas 128 kg empurrados por um oitavo de litro de 15 cv de potência, com quatro válvulas e duplo comando no cabeçote. É claro que os garfos invertidos White Power, o quadro treliçado, os freios a disco, a robusta balança traseira com um imponente amortecedor à mostra, as rodas esportivas, os spoilers e “enchimentos” de tanque, além de um enorme conjunto óptico, a deixam bastante parecida com a irmã – muito – maior: a Super Duke 990. No fundo, é este o xis da questão: projetistas trabalham para que as grandes motos estejam cada vez mais compactas e maneáveis, sem abrir mão dos pressupostos básicos de segurança, e para que as pequenas pareçam cada vez maiores, sem lhes agregar itens desnecessários ou que elevem seu peso. O austríaco Hubert Trukenpolz, o senhor “T” da KTM, empresa da qual é diretor, em recente visita ao Brasil, garantiu: “Tudo em nossas motos tem uma função: a política é eliminar toda e qualquer perfumaria”.