Por moto de 50cm³, vocalista do Foo Fighters virou criminoso internacional
Automóveis e estradas são partes importantes da vida de Dave Grohl. Foi ao volante que o músico decidiu superar morte de Kurt Cobain e fundar Foo Fighters
Quem cresceu ao som da icônica virada de bateria em “Smells Like Teen Spirit” ou hoje acompanha a trajetória única dos Foo Fighters, deve ser grato às rádios AM. Afinal de contas, foi ouvindo-as no carro de sua mãe que Dave Grohl pinçou suas primeiras influências musicais, antes mesmo de cair no mundo punk.
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A história do músico — que fechará o Lollapalooza Brasil no domingo (27), junto à banda que criou — é intimamente ligada aos automóveis, ainda que Grohl seja fã mesmo da aviação e de Ovnis. Entre momentos de glória e aprendizado, entretanto, foi justamente quando Dave Grohl trocou as quatro rodas pelas motos (sem indiretas aqui), que aconteceu um dos seus maiores problemas com a Lei.
De herói…
O incidente aconteceu em janeiro de 2000, quando os Foo Fighters desembarcaram na Austrália para o prestigiado festival Big Day Out. Fãs do país, Dave e o baterista Taylor Hawkins decidiram alugar um par de “cinquentinhas” para zanzar pela paradisíaca Gold Coast, onde fariam um dos shows da turnê.
Quando perceberam que, entre o hotel e o Big Day Out, havia apenas 6 km de distância, a dupla decidiu ir para o show em suas motocicletas, driblando o intenso trânsito ao mesmo tempo que se divertiam. Melhor ainda: Dave entraria no palco com a moto, numa paródia-homenagem a Rob Halford, do Judas Priest, famoso por exibir sua Harley-Davidson nos shows da banda.
Mais uma vez herói da noite após comandar os 50.000 espectadores, o ex-companheiro de Kurt Cobain foi celebrar nos camarins. Segundo noticiou a MTV à época, o frontman bebeu algo entre quatro ou cinco cervejas num intervalo de 3h30 a 4h, quando logo começou a chover. Ainda eufóricos, Grohl e Hawkins pensaram em montar nas motos de 50 cm³ e, fechando o dia, retornar ao hotel, driblando o engarrafamento ainda maior pelo fim da festa e as más condições climáticas.
O anda-e-para, entretanto, estava bem maior do que o normal, e a culpa era de uma blitz da Lei Seca da polícia australiana. Experiente nos drinks, Dave Grohl se sentia perfeitamente apto para conduzir a motinha a baixíssima velocidade, e sequer previu o resultado inevitável do que viria.
…a piada
“Era uma bosta de uma scooter. Aquela coisa tinha um motor de cortador de grama. Eu não podia imaginar que o policial pensaria sequer duas vezes antes de me mandar passar”, conta em sua autobiografia “O Contador de Histórias: Memórias de Vida e Música”. Não podia estar mais errado.
Quando o policial ordenou que soprasse o bafômetro, Dave só teve tempo de ver o companheiro de banda passar pela blitz tranquilamente, antes de voltar para ver a prisão do seu amigo. O compositor de algumas das maiores canções do rock estava detido por dirigir embriagado na velocidade de uma pessoa andando, sendo obrigado a descer do ciclomotor enquanto fãs voltavam para casa e acenavam, agradecendo pelo show.
A culpa é do Pantera
O prazer de Dave Grohl e Taylor Hawkins em pegar a estrada juntos já era antigo, e começou nos anos 1990, a bordo de um Chevrolet Tahoe. Foi no SUV grande que Taylor, recém-admitido na banda, se aproximou do “chefe”, fazendo uma viagem de 4.100 km de costa a costa dos EUA.
Um destino importante da expedição era Dallas, Texas, onde visitariam o strip club do Pantera, uma das maiores bandas do heavy metal, que fizera convite especial à banda um pouco antes. “Alguns rockstars têm carros caros, outros têm castelos ou animais exóticos. Mas a porra de um strip club? Esse leva o prêmio: é como se eu tivesse um Starbucks”, conta Dave, explicando que, desinteressado em atos sexuais, queria mesmo é conhecer o habitat de seus ídolos.
Tudo deu errado quando, já na porta, o músico notou que havia perdido sua carteira. Ela não estava no Chevrolet, tampouco nos seus bolsos, e não era permitido entrar sem comprovar a (óbvia) maioridade. Seu novo amigo ainda justificou dizendo que eram amigos do Pantera, e os metaleiros esperavam-nos dentro da casa. “Sim, todo mundo é amigo do Pantera”, respondeu o segurança.
A dupla voltou lentamente ao Tahoe, “cabisbaixos e de coração partido”, deprimidos com o choque de realidade.
Sem lenço e sem documento
O “trauma” ajuda a explicar porque, naquela noite de verão australiano, Dave estava voltando de um show não apenas dirigindo embriagado, mas sem passaporte. Usando o crachá do festival para se identificar, o músico foi avisado que perderia o resto da turnê, afinal de contas, estava preso.
Antes que seu empresário chegasse para pagar a fiança, Dave dividiu cela com outros egressos do festival; neste caso, fãs que cometeram pequenos crimes, e agora riam pelo afterparty com o nome da noite. Seu manager ainda fez “milagre”, permitindo que o show em Sidney fosse mantido e audiência com o juiz fosse marcada para a semana seguinte.
Sem terno na bagagem, Dave gastou US$ 700 dólares em um, a fim de impressionar o juiz, e se reuniu com o advogado em um Burger King para preparar sua defesa. Por dirigir, segundo a MTV, com 0,095 mg/l (o limite era de 0,05 mg/l), o roqueiro deu sorte de pagar apenas US$ 400 de multa, além de ser proibido de dirigir na Austrália por três meses.
A favor do vocalista, pesou sua cooperação e histórico de filantropia. “Os magistrados têm escalas para quem dirige alcoolizado”, explicou o sargento Jason Todman à MTV, “essa (sentença de Grohl) normalmente é a pena correta”.
Em 1998, o NHTSA (equivalente ao Senatran dos EUA) considerava como “intoxicado” apenas quem dirigia acima de 0.1 mg/l, o que pode ter contribuído para o cálculo errado das cervejas. Mesmo assim, o MADD (movimento de mães contra a direção alcoolizado) criticou a celebridade por não se atentar às regras de outros países.
Dave Grohl logo confessou ter sido um “idiota”, e se desculpou, principalmente pelo mau exemplo de um ídolo. Hoje em dia, porém, se diverte com o caso, que não deixa de render consequências.
O ex-réu continua tendo problemas na imigração da Austrália, quando precisar avisar que já foi condenado por lá. “Toda vez que entrego o formulário de entrada para um agente (no aeroporto), uma sirene vermelha toca e vem o supervisor”, conta na autobiografia. “E toda vez eu explico a esse supervisor o que aconteceu, fazendo ele rir: ‘é verdade, eu lembro dessa!”.
Vida em vans
Na estrada desde adolescente, Dave Grohl compara a experiência de viajar e dormir em vans como um “um submarino em miniatura e com rodas”. Na sua vida, ressalta, o que aprendeu dividindo os poucos assentos com músicos, produtores e roadies foi uma experiência formadora de caráter.
Tanto que, em 2020, o Foo Fighters planejava um turnê à moda antiga, usando um desses veículos para se locomover a shows intimistas. A pandemia cancelou os planos, mas ainda foi lançado o documentário “What Drives Us”, do ano passado. “É uma carta de amor a cada músico que já pulou numa van velha com os amigos e deixou tudo para trás, com a simples recompensa de tocar.”, explicou.
Reencontro com a carteira e com a música
Em 2008, dez anos após perder sua carteira e iniciar um efeito borboleta que mudou sua vida, Dave Grohl estava em uma loja de surfe na Califórnia. “A garota do caixa perguntou: ‘você perdeu sua carteira em Barstow (cidade no Texas) em 1998?’”, conta, lembrando sua perplexidade. “Era o posto de gasolina dos meus pais, cara. (…) Eles têm a carteira até hoje”, completou a moça.
Intacta, a peça guardava a sua habilitação antiga, jogando-o em um momento semelhante ao vivido em 1994, pouco após o suicídio de Kurt Cobain. Na ocasião, o baterista do Nirvana viajou à Irlanda e alugou um carro rumo ao interior, onde buscava apenas paz, belezas naturais e anonimato. Em suas entrevistas, curiosamente, o modelo jamais é citado.
Passando por uma estrada rural, o jovem de 25 anos viu um outro, pedindo carona adiante. A oportunidade de um bom papo virou um gatilho, quando Grohl notou que o rapaz usava uma camisa de Kurt Cobain.
Com mãos trêmulas e tonto, Dave Grohl teve um ataque de pânico. “Aqui estava eu tentando desaparecer no lugar mais remoto possível (…) e lá estava o rosto do Kurt, me encarando e lembrando que, não adiantava correr, nunca escaparia do passado”.
Mentalmente exausto, o baterista — que questionava sua qualidade como músico e sentimento de culpa por querer superar o luto por Cobain — decidiu recorrer a outros instrumentos para ressignificar sua vida. “Aquilo mudou tudo”, diz sobre a última tentativa de resinificar sua vida. De volta aos EUA, Dave gravou as demos que deram origem ao primeiro álbum do Foo Fighters, que aumentará sua quilometragem neste domingo, em São Paulo.
Ainda que um dos palcos principais do Lolla seja nomeado pelo Chevrolet Onix, os Foos tocarão no palco Budweiser. Globalmente famoso, o músico ressalta que se arrepende pela mistura de álcool e direção, e atualmente deixa os deslocamentos a cargo de motorista VIP.
O que ocorreu naquele modelo desconhecido, alugado na Irlanda, entretanto, seguirá levantando sua questão filosófica: “o que nos dirige?”.