Muitos dos carros camuflados que vemos por aí estão rodando com uma única missão: verificar como os pneus escolhidos para o lançamento se comportam no mundo real. Esse cuidado mostra a importância dos únicos pontos de contato entre o carro e o asfalto – ou, não raramente, entre o carro e os buracos.
Mas nem sempre a importância dada pelas fabricantes é refletida nos motoristas, que deixam de lado cuidados básicos.
Esquecer de calibrar os pneus ou manter o estepe temporário em uso por muito tempo trazem consequências bem conhecidas por Lucio Machado, especialista em segurança no trânsito e perito em acidentes.
“Por vezes encontro ocorrências em que, mesmo com pneus novos, o carro sofreu um capotamento ou o motorista se perdeu em uma curva. O problema, em grande parte desses casos, está na calibragem baixa”, diz.
Segundo a Pirelli, a pressão abaixo da recomendada pode até levar ao superaquecimento do componente devido ao excesso de flexões da borracha. Isso prejudica a estrutura e potencializa o risco de acidentes.
Encher demais também é perigoso, diz o material divulgado pela fabricante de pneus. Quando o pneu aparenta estar mais rígido, pode perder aderência em uma situação extrema. Nesse caso, o carro fica apoiado na parte central da banda de rodagem e suas extremidades perdem contato com a pista.
A pressão fora dos padrões influi ainda na durabilidade. Quando rodam cheios demais, os pneus apresentam desgaste na parte central. Se permanecem vazios por um longo tempo, são as extremidades que apresentam maior deterioração. Ambos os casos encurtam a vida útil desses componentes.
A calibragem é só um dos problemas, e Lucio ressalta que a desinformação está na origem dos males. “O brasileiro não está acostumado a ler manual, ainda mais em inglês”, diz. Ele lembra que parte das informações exibidas nos flancos estão em códigos, e raramente há instruções em português.
Esse desconhecimento leva a situações de risco, como a que passou o microempresário carioca Ronaldo Messias. Após trocar os pneus de seu Toyota Corolla Fielder, ele optou por um conjunto mais focado em esportividade.
O resultado, contudo, foi o contrário do esperado: o carro ficou menos estável. “Andei na chuva logo após a troca, e parecia que a água estava entrando com mais força dentro da caixa de rodas a cada vez que passava por uma poça”, conta Ronaldo. “O carro parecia mais solto, o volante ficava muito leve quando estava na estrada.”
Ao conversar sobre o problema com um amigo, o microempresário encontrou a razão da instabilidade. “Ele olhou de perto e descobriu que o par dianteiro foi montado ao contrário, eram pneus direcionais.”
O problema foi resolvido e o carro voltou a rodar com segurança, mas a escolha de Ronaldo pode trazer outra consequência. Embora o conjunto adquirido pelo microempresário se comporte melhor em curvas e velocidades mais altas, pneus de perfil mais esportivo geram aumento do consumo de combustível. Cada projeto tem seu propósito.
Lucio se lembra de um episódio da infância. Ele conta que, certa vez, disse para seu pai que achava bonito um Fusca que estava parado na rua, com rodas de tala larga. “Meu pai me perguntou: ‘O que você chama de carro bonito?’ Quando disse que era por causa das rodas e dos pneus, ele me explicou que até se poderia achar que haveria mais aderência, mas, na verdade, mudanças desse tipo alteravam a suspensão e pioravam o desempenho na chuva. Era uma falsa sensação de segurança.”
Os problemas, contudo, não surgem apenas por alterações nas medidas originais. Atitudes corriqueiras podem causar danos estruturais.
“Parar o veículo com apenas uma das rodas sobre a calçada ou passar de lado na lombada são ações que, ao gerar torção da carroceria, danificam a geometria da suspensão”, explica o especialista. “O alinhamento fica irregular e são geradas folgas nos embuchamentos, que podem levar ao desgaste prematuro dos pneus.”
Os sinais desses problemas aparecem na formação de escamas ou ondulações na banda de rodagem. Acelerar bruscamente e girar o volante em manobras com o carro parado também apressam o desgaste. Outra situação de risco à durabilidade – e à segurança – é utilizar o freio para segurar o carro em descidas de serra.
Isso acontece com o carro em ponto morto ou com a marcha incorreta engatada. Lucio diz que, nessa condição, ocorre o aquecimento excessivo do sistema de frenagem. “A roda também esquenta e, por consequência, o calor chega ao pneu.”
TECNOLOGIA E CUIDADOS
Embora os pneus passem por um processo veloz de evolução – com destaque para tecnologias que reduzem o consumo e o risco de furos – os cuidados devem ser mantidos. Um exemplo está no sistema run flat, que não dispensa a calibragem correta e constante.
No início de 2019, a Ford promoveu os testes de apresentação do Ford EcoSport Titanium equipado com um conjunto “à prova de furos” desenvolvido pela Michelin. A fabricante afirmou que era possível rodar por 80 km a 80 km/h sem comprometer a segurança, mas apenas se o dano estivesse limitado à banda de rodagem. Um rasgo na lateral não permitiria seguir viagem.
Ou seja: se o pneu estiver com a calibragem abaixo da recomendada, há maior risco de dano em um dos flancos. E, embora sejam mais “duros”, esses componentes não foram feitos para rodar sem ar no dia a dia.
O problema é que, com as condições precárias de muitas estradas Brasil afora, não é tão raro se deparar com uma emergência. “Além das condições das vias, me preocupo também com a falta de suporte para um reparo”, diz Lucio.
É por isso que muitos carros equipados com pneus run flat no país trazem um estepe como opcional, a exemplo de modelos Mercedes e BMW. São pneus de uso temporário, já comuns no mercado. O especialista, contudo, não gosta dessa solução.
“Já presenciei veículos em alta velocidade com esse estepe em um dos eixos, e esse nem é o maior dos problemas. Em caso de emergência com frenagem brusca, e mesmo respeitando o limite de velocidade, a aderência diferente em um dos eixos tem consequências drásticas no controle do veículo.”
Lucio explica ainda que mesmo os pneus que trazem um selante embutido na estrutura, como o Pirelli Seal Inside, precisam de atenção. “Se o objeto que causou o furo permanecer preso, irá danificar a estrutura da carcaça mesmo que haja a vedação.”
Por ser um componente essencial para a dirigibilidade e segurança dos veículos, com custo relativamente alto, os pneus precisam de atenção.