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O dia que o Audi Avus parou o centro de São Paulo

O carro-conceito exposto na praça chamou a atenção dos curiosos como se fosse um disco voador que tinha acabado de pousar ali

Por Charles Marzanasco
22 abr 2021, 02h45
O Avus Quattro inspirou o Audi R8, esportivo lançado anos depois.
O Avus Quattro inspirou o Audi R8, esportivo lançado anos depois. (Divulgação/Audi)

Depois que o Ayrton Senna nos deixou, em 1º de maio de 1994, a Senna Import, que em fins de março havia lançado a marca Audi no Brasil, ficou quase três meses sem um trabalho efetivo de divulgação. Como a marca ainda era pouco conhecida por aqui, a maioria das pessoas do mercado já achava que, sem o tricampeão, a Audi não teria a menor chance de decolar no Brasil, sobretudo concorrendo diretamente com as tradicionais Mercedes e BMW.

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Não lembro exatamente o dia, mas foi em agosto, Leonardo Senna, irmão do piloto e diretor de marketing da Senna Import, marcou uma reunião comigo na primeira sede da empresa, que ficava na Lapa (bairro de São Paulo).

Ele começou dizendo: “Charles, eu fiquei esse tempo todo parado porque não tinha cabeça para fazer esse trabalho logo depois do acidente do meu irmão. Sua despedida inesperada mexeu demais comigo e com toda a minha família. Mas, agora, vou tocar a Senna Import para a frente, com o nosso sócio Bira (o empresário Ubirajara Guimarães), e vamos fazer a marca Audi crescer no Brasil”.

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Avus Quattro
(Divulgação/Audi)

E seguiu: “Como em novembro teremos o primeiro Salão do Automóvel da marca no país, eu quero fazer um trabalho de primeira linha de divulgação e de marketing. Tanto que já aluguei praticamente todos os outdoors nos melhores locais de São Paulo, um mês antes e 15 dias depois do Salão”, completou.

Adorei a ideia dos outdoors. Assim, não haveria espaço nem para o organizador do evento. Somente a Audi seria vista naquele período em que as novidades do Salão do Automóvel agitavam a cidade, que receberia uma legião de apaixonados por carros de todo o país.

Seguindo a reunião, Leonardo me passou cada uma das atrações que teríamos no estande: o novo A4, que trazia o motor 2 litros de quatro cilindros e 20 válvulas; o luxuoso A8, o primeiro modelo produzido em série no mundo com carroceria totalmente de alumínio; e a perua RS2, com motor desenvolvido em parceria com a Porsche, que logo batizamos de perua mais veloz do mundo porque, segundo a fábrica, acelerava de 0 a 100 km/h em 5,4 segundos. (QUATRO RODAS fez de 0 a 100 km/h em 5,8 segundos e atingiu 261,7 km/h de velocidade, na edição de junho de 1996.)

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Avus Quattro
(Divulgação/Audi)

Por fim, o diretor comentou que ainda teríamos um carro-conceito: o Avus quattro, um esportivo com design futurista, cuja foto estava num quadro atrás de sua própria mesa. Assim que ouvi essa informação, não tive a menor dúvida.

“Quando vi o carro de perto, percebi que se tratava de uma maquete. Por dentro, era todo de madeira. Ou seja: as portas não abriam”

“Leo, estou com uma ideia do que podemos fazer com este carro alguns dias antes do Salão. Vamos expô-lo na Praça da Sé ou no Anhangabaú”, eu disse. A resposta foi imediata: “P…, Charles, você não entendeu nada mesmo, não é? A Audi concorre com Mercedes e BMW. Você quer colocar o carro no Anhangabaú ou na Praça da Sé?” E antes que eu dissesse qualquer coisa prosseguiu: “Nosso público não está nesses locais. Vamos expor, então, no Shopping Iguatemi”.

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O protótipo ficou exposto no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo.
O protótipo ficou exposto no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. (Divulgação/Audi)

Argumentei que o público do Iguatemi teria vergonha de ficar em volta do carro, ao passo que, nas ruas de São Paulo, aquele carro futurista chamaria tanto a atenção das pessoas quanto um disco voador que tivesse acabado de pousar ali. Assim, nós provocaríamos um acontecimento na cidade e teríamos uma ampla cobertura da imprensa. E aí, sim, com as matérias veiculadas nos jornais e nas TVs chegaríamos ao nosso público-alvo.

Não demorou mais do que um minuto após minha explicação para que o Leonardo Senna pegasse o telefone e ligase para o filho do prefeito de São Paulo (que naquela época era o Paulo Maluf, um reconhecido amante dos carros esportivos) para saber como conseguir o espaço para a nossa ação.

Deu certo. Quatro dias antes do Salão, colocamos o Avus no Vale do Anhangabaú, na esquina com a Avenida São João, antecipando o estande da Audi no evento. Quando os jornalistas convidados chegaram, o carro já estava rodeado de pessoas que passavam e paravam diante dele.

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E, com a chegada da TV, fazendo entrevistas com o público, o lugar foi ficando cada vez mais cheio de curiosos. Chegamos a ter quase 300 pessoas em volta do Avus, naquele dia. Mas o melhor resultado da ação veio à noite, quando as matérias falando do carro no centro da cidade apareceram nos jornais das emissoras de TV, e no dia seguinte foram destaque nas capas dos dois principais diários de São Paulo: Folha e Estadão.

Já no Salão do Automóvel, o estande da Audi teve movimento intenso e o Avus foi um dos carros que mais atraíram o público. O resultado foi tão positivo que passamos a antecipar uma atração em quase todos os Salões daqui e, em seguida, a própria Audi da Alemanha fez o mesmo, sendo a primeira marca na Europa a mostrar lançamentos antes da abertura de Salões como os de Frankfurt e Paris.

Avus Quattro
(Divulgação/Audi)

A iniciativa foi um sucesso, mas agora posso dizer que nem tudo saiu como o planejado. Passei por apuros naquele dia da exposição do carro no Anhangabaú porque escrevi, no comunicado à imprensa, que as portas do Avus abriam para cima (tipo asas de gaivota), só que, quando vi o carro de perto, percebi que se tratava de uma maquete, só a carroceria era de alumínio de verdade.

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Por dentro, o carro era praticamente todo de madeira, não só a cabine como o próprio motor traseiro. Ou seja, as portas não abriam. Sorte a minha que os jornalistas que compareceram eram de editorias de geral e cidades, sem interesse em mostrar detalhes do conceito.

Mas não foi só isso, lembrei exatamente agora de um fato que, até hoje, o Leonardo Senna não sabe, porque, estando ocupado com outras coisas, ele não conseguiu ir ao evento do Anhangabaú. Aliás, torci muito para que ele não aparecesse por lá. Isso porque, a menos de 30 metros de onde estava o Avus, havia um hotel de alta rotatividade com algumas moças na entrada atraindo os clientes.

Se o Leonardo pensava que o Anhangabaú não era lugar para expor um Audi, imagine o que faria se visse aquele movimento próximo da nossa maior atração do Salão?

Bem, já se passaram 26 anos. O Vale do Anhangabaú é grande. E quem nos colocou naquele ponto foi o filho do prefeito. Mas quer saber? Se precisasse, eu faria tudo de novo, exatamente igual.

Charles Marzanasco

Charles Marzanasco
(Reprodução/Quatro Rodas)

Jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi

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