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Homem x máquina

Nosso repórter enfrentou um Audi autônomo numa pista de corrida. Quem ganha, o homem ou a máquina?

Por Joaquim Oliveira
Atualizado em 9 nov 2016, 14h21 - Publicado em 24 fev 2015, 15h40
geral

Quando a maioria das marcas já tem seu projeto de carro autônomo, o que é possível fazer para se destacar nessa área? A Audi encontrou uma fórmula diferente. Primeiro fez um A7 dirigir por conta própria de São Francisco até o CES Las Vegas, numa viagem de 885 km. Depois colocou seus dois protótipos de RS7, os carros autopilotados mais rápidos do mundo, contra motoristas humanos em autódromos de verdade.

Foi num desses duelos, organizado na pista de Ascari, no sul da Espanha, que tive o privilégio de enfrentar Bobby, ao lado de outros 11 jornalistas. Em seus testes no circuito alemão de Hockenheim, os protótipos AJ e Bobby (como os dois RS7 foram carinhosamente batizados pelos engenheiros da Audi) já conseguiram atingir 240 km/h sem contar com nenhum piloto na direção. Mas foram sua capacidade de fazer curvas e os ótimos tempos de volta que mais impressionaram.

Em Ascari, não espero velocidades máximas tão altas porque as retas são curtas. Em contrapartida, algumas curvas fechadas exigem muito perícia ao volante. Os Audi dirigidos de forma autônoma não registraram por enquanto incidentes graves, mas ainda assim a cautela faz com que durante os testes haja sempre um engenheiro sentado no lugar do passageiro dianteiro, para que, em caso de emergência, ele possa acionar os freios com potência total por um botão que está sempre à mão. Mas a direção elétrica, os freios, o acelerador e a transmissão automática de oito marchas deste RS7 Quattro são comandados por um genuíno piloto automático.

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Para manter-se no traçado exato, Bobby usa sinais de GPS especialmente corrigidos para orientação em circuitos, o que resulta numa precisão inferior a 2 cm (nos navegadores comuns, o erro é de 5 a 15 metros). Ao mesmo tempo, câmeras 3D na frente e atrás comparam o percurso com as informações armazenadas na central. O sistema analisa centenas de características conhecidas em cada imagem selecionada, para definir como será a pilotagem.

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Neste duelo homem x máquina, a primeira tentativa é feita pelo humano – no caso, eu. Terei só uma chance de ser o mais rápido possível, para depois esperar e ver do que são capazes os computadores que controlam o RS7. Tenho de confessar que, alguns dias antes do tira-teima, passei cerca de 1 hora memorizando os detalhes do traçado de Ascari no Playstation. Não queria fazer feio contra Bobby, afinal ninguém gosta de perder, muito menos contra um robô sobre rodas que, como mostram as últimas tendências, deve começar a substituir os humanos ao volante num futuro menos longínquo do que esperávamos – os primeiros carros que andam sozinhos das principais marcas devem começar a ser vendidos dentro de cinco anos.

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Fui o primeiro do grupo a ir para a pista. Após uma volta de lançamento e de familiarização com o terreno, pisei fundo para fazer a tomada de tempo. Choveu à noite e são 9 da manhã, mas a pista está apenas úmida. Já dá para andar perto dos limites do circuito, porém sou um pouquinho mais cauteloso que o normal. Não quero arriscar uma rodada embaraçosa na frente de todos e ainda desperdiçar a chance de estabelecer um bom tempo.

O traçado reduzido de 4 km em Ascari, criado especialmente para esta prova, permitiu que eu fosse bem na primeira tentativa. Chequei meu tempo: 2min07s581. Parece ter surpreendido o engenheiro da Audi, que levanta o polegar direito em sinal de aprovação. Pensei que se tratava mais de uma questão de cortesia dele que de competência minha. Mas o fato de eu ter obtido a segunda melhor volta entre todas as tentativas dos 12 jornalistas me fez perceber que o elogio era sincero.

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Terminada minha participação, era a vez de Bobby assumir. Saí do meu RS7 e fui acompanhar meu rival no lugar do passageiro, enquanto o técnico da Audi se sentou no banco do motorista. O homem deixou as mãos pousadas sobre os joelhos e os pés assentados no tapete. Ele não vai dirigir, mas precisa estar perto do volante e dos pedais caso sua intervenção se torne necessária por alguma razão. Depois de dizer “Agarre-se, por favor”, o técnico aperta um botão e a partir daí Bobby assume o controle do veículo. Ele arranca determinado, acompanhado pelo som infernal do motor V8 de 560 cv. Vou junto, sabendo que não há nenhum pé humano sobre o pedal de freio. Apenas acompanho com os olhos o volante girando sozinho no ar e o acelerador se movendo como por encanto.

Percorro os primeiros 100 metros até a primeira curva, acompanhando a cena um tanto irreal. No velocímetro, o ponteiro aproxima-se dos 180 km/h. Daqui a alguns segundos chegará a primeira curva. Minha pulsação acelera. Bobby deve estar impassível, bem diferente de mim. Vantagem de ser uma máquina. Enquanto isso, os cabelos da minha nuca ficam em pé. A adrenalina corre no sangue. A curva se aproxima velozmente e o alemão da Audi está irritantemente calmo, com as mãos quietas sobre as pernas. De repente vem a freada forte, porém menos do que eu esperava. O volante decide virar para a esquerda e o carro acelera novamente. Vista de fora, a cena parece ser muito rápida, mas aqui dentro tudo se torna muito mais intenso porque, ao contrário do que é normal quando se está de carona num carro potente dentro de uma pista, não se trata de confiar na perícia de um piloto, mas na capacidade de uma máquina.

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Nesse momento, tento lembrar o que o diretor técnico da Audi, Ulrich Hackenberg, comentou antes de eu colocar o capacete: “O RS7 autônomo consegue ser tão rápido quanto um piloto de corridas, mas sempre com a mesma consistência e sem se cansar”. Penso nisso pouco antes de iniciarmos o ataque à curva dupla para a esquerda, onde dá para perceber que a tecnologia faz com que o carro autoguiado seja perfeito ao longo dessa combinação de curvas. E tudo isso sem que o controle de estabilidade (ESP) chegue sequer a intervir, ao contrário do que ocorreu com este pobre motorista ao volante do outro RS7 algumas curvas antes.

Nessa hora, confirmo uma dúvida que me assolou: a umidade na pista e sua própria topografia (com algumas subidas e descidas) acabaram levando Bobby a receber uma programação mais conservadora. Afinal, para a Audi, pior do que ser derrotado por humanos com boa experiência de pilotagem em esportivos potentes seria o protótipo ter alguma escapada do asfalto ou mesmo uma colisão contra os guard-rails.

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Ainda assim, são mais de 2 toneladas (contando os dois homens e o equipamento de condução autônoma a bordo) que seguem a uma velocidade impressionante na entrada de uma curva à direita bem aberta e sem 1 mm de correção do volante, façanha que é repetida na passagem ágil pela chicane antes da subida e na parabólica que antecede o retorno à reta principal. É nos pontos de frenagem e nas trocas de marcha (ainda longe da faixa vermelha do conta-giros) que percebo as limitações na performance de Bobby, programado por uma equipe de cautelosos engenheiros preocupada demais com a umidade do asfalto.

Ao acelerar rumo à saída da última curva à direita, que vai dar numa reta, a traseira do RS7 até se solta ligeiramente, movimento que é rapidamente corrigido com um contraesterço que recoloca o esportivo de volta ao rumo certo. O tempo de Bobby nessa pista de 4 km não foi nada bom: 2min16s639. Ele é capaz de fazer melhor do que isso. Seu menor tempo registrado aqui, com piso totalmente seco, foi 2min12. No entanto, o resultado desse divertido tira-teima é revelador. Além de servir para diminuir os acidentes rodoviários no futuro, ajudar pessoas com idade a menos ou a mais a usar o automóvel quando sozinhas ou aproveitar melhor o tempo nos deslocamentos diários entre casa e trabalho, os veículos autônomos do futuro podem ainda proporcionar muito diversão sem abrir mão da segurança. E quem sabe possam até vencer um humano. Melhor sorte no futuro, Bobby!

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