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Engenho, suor e arte

O processo de desenvolvimento de um carro daiu de oito anos, na década de 60, para apenas três

Por Isadora Carvalho
Atualizado em 9 nov 2016, 12h45 - Publicado em 26 set 2013, 01h03
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    O carro está de tal forma incorporado à nossa vida que nem nos damos conta da complexidade do seu desenvolvimento. Mas o processo de concepção e validação de um projeto já foi bem mais complicado. O tempo médio entre o primeiro esboço nas pranchetas até o início da fabricação em série de um modelo totalmente novo chegava a oito anos.

    A partir da década de 1980, esse período de desenvolvimento passou de oito para seis anos. Isso graças à substituição da calculadora e prancheta por sistemas eletrônicos, como o programa de computação chamado Nastran, desenvolvido pela Nasa, capaz de realizar cálculos estruturais precisos. A adoção do CAD CAM, programa criado para uso em arquitetura ainda nos anos 50, mas apenas adotado em larga escala pela indústria automobilística na década de 90, propiciou uma verdadeira revolução no design automotivo, aposentando de uma vez os desenhos na prancheta. “Os programas eram extremamentes complexos, mas permitiam reduzir consideravelmente o período de desenvolvimento”, diz Heymann Leite, professor de gestão de projeto automotivo da FEI/FGV. Mas nem só o design foi beneficiado. “A fase que mais levava tempo era a dos testes de resistência e durabilidade, pois era nessa fase que se verificavam todos os erros de projeto”, diz Pedro Manuchakian, ex-vice-presidente de engenharia de produto da GM América do Sul. Hoje um automóvel pode ser quase inteiramente desenvolvido virtualmente. Programas cada vez mais específicos e realistas são capazes de realizar praticamente todas as etapas de um projeto. Testes reais se tornam necessários apenas para confirmar o que é simulado em ambiente virtual. As simulações matemáticas são a tal ponto confiáveis que as fábricas já vislumbram o dia em que terão de produzir apenas as unidades destinadas a ensaios exigidos por lei, como os de segurança (crash-test) e ambientais (emissões e ruídos).

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    Realidade virtual

    A combinação de novas possibilidades economizou tempo e recursos. Desde a década de 2000, o ciclo entre concepção e produção passou para 36 meses. Decisiva para isso foi a introdução da tecnologia de realidade virtual, a possibilidade de montar produtos virtualmente antes de fabricá-los de fato. Nascido na indústria cinematográfica, o recurso se popularizou através de videogames como o Wii, da Nintendo, e o Kinect do Xbox, da Microsoft.

    No Brasil, as primeiras aplicações de realidade virtual nas empresas surgiram há nove anos. A Embraer, uma das pioneiras na utilização eletrônica, cria maquetes de seus aviões num centro de realidade virtual em São José dos Campos (SP). Em 2002, fazia isso para apenas dois modelos de jato. Nos últimos anos, faz para 12 de seus 18 modelos. Pelo método antigo, o ERJ 145 levou 60 meses para ser concebido. Com o uso da realidade virtual, seu sucessor, o Embraer 170, precisou de apenas 38 meses. Para dar uma ideia da evolução na indústria aeronáutica, a empresa americana Lockheed Martin, fabricante de equipamentos para aviões, tem uma tecnologia que transforma os técnicos em personagens virtuais. Os movimentos reais são detectados por 24 câmeras, que reproduzem avatares que modificam os protótipos virtuais. Os ajustes só são feitos nos aviões depois que todos os testes virtuais forem completados. Segundo a Lockheed, simulações como essa permitiram a economia de 50 milhões de dólares no desenvolvimento dos aviões em 2006.

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    No caso dos automóveis, os testes de simulação virtual são responsáveis pela otimização do tempo de desenvolvimento pela metade. “A indústria automotiva sempre teve o objetivo de chegar ao desenvolvimento tecnológico aeronáutico. A adoção da simulação virtual era natural”, diz Manuchakian, ressaltando o ganho com a redução de protótipos. “Eles representam a parte mais custosa no desenvolvimento de um carro novo.”

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    A redução é de 40% a 50% na frota de experimentação. “O que fazíamos em meses apenas com os testes fisícos em campo de provas diminuímos para semanas com a simulação virtual”, diz Heymann. “Na General Motors conseguimos diminuir de 50 para 30 os protótipos dos testes de desempenho. Nos de durabilidade, reduzimos de dez para quatro”, afirma Manuchakian.

    O Brasil atualmente tem papel importante nesse desenvolvimento. Montadoras como a General Motors e Volkswagen têm centros de simulação virtual e desenvolvem novos modelos desde a concepção até a fabricação.

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    Na Volkswagen, a realidade virtual teve investimentos de 4,2 milhões de reais. A empresa possui uma fábrica digital, que simula os processos de produção dos carros. Até 2004, quando não havia simulações em 3D, os projetistas levavam uma semana para avaliar a capacidade de estampar as peças de metal. Agora esse prazo caiu para um dia. E eventuais problemas da produção são antecipados na simulação, o que evita compras adicionais de peças ou ferramentas. Segundo cálculos da VW, desde que o processo foi adotado, a economia chegou a 1 milhão de reais. O design também saiu ganhando com a realidade virtual. “São utilizados bonecos virtuais para simular os movimentos de crianças e adultos”, diz Heymann.

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    A General Motors, por sua vez, investiu cerca de 100 milhões de dólares em seu centro tecnológico em São Caetano do Sul (SP). “A análise virtual antecipa e otimiza a montagem. Antes isso só era possível em fases avançadas do desenvolvimento”, afirma Manuchakian.

    Ainda que cerca de 70% de todos os ensaios realizados pela engenharia experimental e centro de design sejam virtuais, segundo Manuchakian, com 41 anos de GM, a eletrônica na indústria tem espaço para avançar, pois ainda dependemos dos testes físicos para alguns ensaios específicos. “Avançamos pouco no que se refere à sensibilidade de materiais, ou seja, a escolha da textura de revestimentos internos e carroceria só pode ser realizada por meio da construção de protótipos”, diz ele. A calibração do motor também representa ainda um desafio para a simulação virtual. “No início do desenvolvimento do motor, a calibração é eletrônica, mas no fim do desenvolvimento são necessários os testes em campo de provas”, afirma Heymann.

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    Com todos os avanços, ainda parece longe no horizonte o dia em que o virtual vai substituir totalmente o real no desenvolvimento de produto: foram necessários 220 protótipos do Cruze, que totalizaram 6,4 milhões de quilômetros em testes de durabilidade e resistência. E os campos de provas nunca estiveram tão ocupados como agora, quando as linhas de produtos são cada vez maiores e se renovam em prazos cada vez menores.

    TROPICÁLIA

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    Nas décadas de 70 e 80, todo o processo de desenvolvimento ainda era realizado fora do país e cabia à nossa engenharia apenas tropicalizar os modelos globais. “As alterações mais relevantes aconteciam na suspensão, pois nossos pavimentos são mais irregulares que os americanos e europeus”, diz Manuchakian. Os modelos “aclimatados” também passavam por testes de durabilidade no campo de provas para verificar qual a calibragem ideal para a realidade dos nossos caminhos. Foi o caso, por exemplo, de Ford Escort e Chevrolet Opala. A partir da década de 80, as fábricas começam a se estruturar para o desenvolvimento de carros por aqui. Em 1985, a área para teste de impacto em barreira fixa da General Motors foi inaugurada em Indaiatuba (SP). Houve também o investimento nos campos de provas, que ganharam pavimentos diferenciados para viabilizar os ensaios de durabilidade e resistência.

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