Brasileiro fez carro de Fórmula 1 com motor 1.8 AP em casa, mas não dirige
Caldeireiro soldador de Campos dos Goytacazes, Manoel Luiz é fã da F1 desde criança e, sem nunca ter visto um carro de perto, resolveu fazer o próprio
A história de Manoel Luiz Machado, 46, se confunde com a de muitos fãs de automobilismo. Fala saudoso da infância, de quando via todas as corridas de Fórmula 1 ao lado do pai, das lembranças de Piquet e Gugelmin na pista, de como é fã de Ayrton Senna e do sonho de ver um carro da Fórmula 1 de perto.
Décadas depois, esse sonho não realizado é a grande motivação para Manoel finalizar seu próprio carro de corrida na garagem de casa. A intenção não é provar as capacidades de pilotagem: Manoel ainda não sabe dirigir e nunca teve outro carro, está mais para um projetista autodidata como tantos outros que fizeram fama nos primórdios da Fórmula 1.
A velha vontade de ter o próprio bólido começou a se tornar realidade em em 2016. “Quando eu coloquei na cabeça que iria construir meu carro, iniciei a pesquisa e o planejamento, que levou três anos ao todo. Fui fazendo croquis à mão mesmo. Aí a Formula 1 anunciava as mudanças para o carro do ano seguinte, eu voltava no desenho e modificava tudo porque queria ver um F1 na minha garagem. Cheguei no desenho definitivo em 2019, já com o Halo e a barbatana de tubarão”, conta.
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“O que eu falo para as pessoas é que meu carro não é réplica de nenhum, mas a união do que vi de melhor em cada carro da F1 nos últimos anos”, completa.
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E houve um rigor técnico na escolha por cada estratégia e cada característica técnica do monoposto. Manoel confessa que até pensou em usar o chassi de algum carro como ponto de partida, mas desistiu.
“O chassi é tubular, pela segurança e por eu estar familiarizado a soldas e tipos de aço por ser profissional da indústria e por ser mais fácil para mim ter acesso ao material para construir o chassi, do que comprar um chassi. E assim fiz ele, separado em módulos que depois foram unidos”, conta com a experiência de quem é caldeireiro soldador e lecionou por sete anos a própria profissão no Senai de Campos dos Goytacazes (RJ), onde nasceu e vive até hoje.
Recursos técnicos
A intenção, no início do projeto, era instalar um motor que tivesse ronco parecido com o de um carro de Fórmula 1. Manoel pensou em motores de motos de altas cilindradas, como as Suzuki Hayabusa (1340 cm³ e 197 cv), mas viu que instalar um motor desse tipo na traseira do carro comprometeria o design por ser muito alto. Também chegou a considerar um motor de Fusca, mas desistiu, pois os cilindros deitados e os cabeçotes tornam ele muito largo.
“Chegou uma hora que eu só queria que o carro tivesse um motor e que fosse funcional. O que eu precisava era de um motor pequeno, com garantia e documentação. Aí eu encontrei um motor AP 1.8 que era de uma Volkswagen Parati e comprei ele todo, com todos os acessórios e a documentação”, explica. E o AP conserva sua tradicional inclinação mesmo instalado na posição central-traseira.
Um desafio tão grande ou maior foi o da instalação do câmbio, um quatro marchas da Variant, que vai instalado atrás do motor 1.8. “Eu já tinha instalado o motor e o câmbio no lugar definitivo e um amigo mecânico viu e falou que o carro teria quatro marchas à ré e uma para a frente!”, conta rindo.
“Como nos Volks esse câmbio fica à frente do motor, ele funcionaria ao contrário. Aí me falaram para colocar de cabeça para baixo, mas aí vi que comprometeria a lubrificação. O jeito foi inverter a coroa, o que consequentemente inverteria as rotações do câmbio, algo que era feito para usar esse câmbio nos Gol que usavam motor de Fusca”, explica.
Antes que você pergunte, o ar admitido pelo motor entra por cima da cabeça do piloto, enquanto o radiador fica atrás atrás dele. A intenção foi canalizar o ar das duas tomadas laterais direto para o radiador, mas há uma ventoinha elétrica de cada lado para forçar a ventilação quando o carro estiver parado. E Manoel sabe que isso será muito comum, já que as principais atividades com seu carro será participar de eventos.
Há peças aproveitadas de muitos outros carros. A coluna de direção veio de um Gol e foi adaptada para ser funcional no pequeno espaço entre o cockpit e os braços da direção, enquanto o tanque de combustível do Chevette foi reduzido de 45 para 27 litros.
Alguns dos instrumentos vieram dos Volkswagen a ar e parte da suspensão traseira, com semieixo oscilante, é de Fusca. Mas o conjunto recebeu adaptações, como novos braços que substituem o tradicional facão do velho VW, e diversos ajustes para encontrar a altura certa do carro – como depois que recebeu pneus slick de stock car em rodas aro 10,5 polegadas.
A suspensão dianteira replica o sistema duplo A. “Eu quis deixar ele parecido com um carro de Fórmula 1. Procurei barras achatadas para fazer a suspensão dianteira e não encontrei, mas não esquentei a cabeça e fiz com barras cilíndricas mesmo. Eu só não tinha como usar um terminal rotular em cada braço, pois ficaria muito caro, então adaptei braços axiais da direção ali”, explica, Manoel, sobre a solução engenhosa que diz ter dado certo.
O sistema de freios é comum aos VW a ar, com discos sólidos na frente e tambor atrás, e Manoel julga suficiente por estimar que seu carro tem aproximadamente 600 kg. Mas lembra que ainda falta comprar as pinças dos freios dianteiros.
O preço desse sonho? Manoel estima que houve um investimento ao redor dos R$ 45.000, tanto nos componentes do carro como no maquinário necessário para a construção. “Eu acabei montando uma oficina em casa, mas só comprei aquelas ferramentas que eu sabia que seriam necessárias para construir o carro e que já havia previsto no projeto”, pondera o professor.
É claro que o valor não considera o tempo gasto, nem o empenho de Manoel na construção do carro. E ele confidenciou que não gosta de ver outras pessoas trabalhando em seu carro: “Sabe quanto você vê uma coisa sua e outra pessoa mexendo nela, e você não sabe o que ela está fazendo e não pode falar nada?”, conta explicando sobre a vez que tentavam colocar o motor para funcionar e uma peça quebrada impedia.
“Então eu fiquei uma semana na internet, dia e noite, aprendendo sobre elétrica automotiva e algumas instalações. Aprendi o que precisava e até como fazer o conta-giros funcionar usando o sinal da ignição eletrônica. Agora só me falta comprar o chicote definitivo, do Fusca, que já vem completo, até com a caixa de fusíveis”, explica.
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Outra etapa que está por vir é a da pintura. Já está definido que o carro será preto com detalhes dourados, como os Lotus 97T e 98T de Ayrton Senna. “Será como uma homenagem a ele”, explica Manoel, que diz ter feito uma vaquinha de tanto que pediram para ajudá-lo a construir o carro. “É um momento ruim e há causas mais nobres, mas sempre tem alguém que quer contribuir”.
Manoel Luiz sabe que seu carro é rústico, mas diz estar satisfeito com ele. É a realização do sonho de alguém que sempre quis ver uma corrida ao vivo e os carros de perto, mas que também quer que outras pessoas realizem essa vontade.
“A atenção que muita gente deu e o incentivo me fez buscar o melhor possível, um carro funcional que ande e que ligue. Isso me motiva e eu quero que as pessoas vejam que ele foi feito com amor. Quero levar, nem que seja em um reboque, na praça da cidade, em festa, num shopping… Para que as possam conhecer o projeto, que quem nunca viu um F1 de perto possa ver como é, entrar no carro com a mesma dificuldade que um piloto tem e tirar foto”, conta.
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Contudo, levar o carro para uma pista fechada para ver o desempenho, quando estiver pronto, está nos planos. “É mais para saber onde está o limite do carro, aumentando a velocidade pouco a pouco, nem que seja em dias diferentes”, fala com o orgulho de quem é engenheiro, chefe de equipe e que espera logo se tornar o piloto do próprio carro.
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