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Bolsonaro está certo ao declarar guerra contra a “indústria da multa”?

Especialistas analisam as várias promessas que presidente fez em seis meses de mandato para mudar leis e estruturas do trânsito brasileiro

Por José Mathias
Atualizado em 27 Maio 2019, 07h00 - Publicado em 27 Maio 2019, 07h00
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  • radares eletrônicos
    Uma das promessas de Bolsonaro é acabar com os radares “que só existem para arrecadação” (PoppyPixels/Thinkstock/Quatro Rodas)

    Algumas leis de trânsito parecem incomodar o presidente Jair Bolsonaro.

    Em 2016, quando ainda era deputado federal, o atual mandatário fez um projeto para revogar a lei que obriga o uso de faróis baixos em rodovia. Em um vídeo divulgado na época, ele usava a opinião de um motorista para justificar sua vontade, contrariada por especialistas.

    “Uma das regras básicas da segurança viária consiste em ver e ser visto. Quanto mais visível você estiver, mais seguro estará. Então o uso do farol baixo durante o dia ajuda muito na diminuição de acidentes”, explica Dênis Freire, consultor de direção preventiva.

    “Eu, inclusive, uso também na cidade. E convenhamos, qual a dificuldade em se ligar o farol baixo nas estradas?”, completa.

    O impacto do farol baixo nas estradas

    Bolsonaro está certo ao declarar guerra contra a “indústria da multa”?
    Presidente quer revogar lei do farol baixo, vigente desde 2016 (Divulgação/Volkswagen)

    Segundo números da Polícia Rodoviária Federal, entre 2016 e o ano passado foram aplicadas 1.796.733 multas por falta de uso dos faróis.

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    Em compensação, as mortes em vias de pista simples, onde a visibilidade é fator determinante para evitar acidentes, caíram de 51.480 em 2016 para 32.060 em 2018, uma redução de 37,7%.

    O órgão, no entanto, avisa que não pode colocar a redução na conta de uma legislação específica, já que outras medidas foram tomadas a fim de diminuir acidentes nas estradas.

    Um número que parece delimitar melhor o efeito da lei do farol baixo é o de colisões frontais em rodovias de pista simples. Este declinou de 5.262 em 2016, quando a lei entrou em vigor, para 4.926 no ano passado, uma redução de 6,4%. 

    Radares e lombadas eletrônicas na mira

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    Radares de velocidade escondidos em viaduto na rodovia dos Imigrantes, em São Paulo (Henrique Rodriguez/Quatro Rodas)

    Mas o presidente ainda defende outras propostas polêmicas. Em março, disse que ia acabar com as lombadas eletrônicas do país. No mês seguinte, cancelou a instalação de 8.000 radares em rodovias federais.

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    “Sabemos que a grande maioria destes têm o único intuito de retomo financeiro ao estado”, disse em sua conta no Twitter.

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    “A não fiscalização do limite de velocidade fere a recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde), que sugere a redução e controle de velocidade como forma de reduzir o número de acidentes fatais e feridos graves”, afirma José Aurelio Ramalho, Diretor-presidente do ONSV (Observatório Nacional de Segurança Viária).

    “No trânsito, a hierarquia e a disciplina são preceitos fundamentais, comuns a todos os condutores, e os radares e lombadas são formas de fiscalizar a conduta do motorista que fogem às regras e desta forma preservar vidas”, acrescenta.

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    Freire concorda com ele. “Com o fim ou diminuição de radares nas rodovias federais, o número de acidentes certamente aumentaria”, alerta.

    “A segurança viária é baseada em cinco pilares – resgate (equipes bem treinadas e disponíveis), veículos (modelos cinco estrelas em testes de impacto), engenharia (vias em boas condições de piso e sinalização), educação (campanhas de conscientização) e fiscalização (radares e agentes de trânsito)”, diz.

     

    Bolsonaro está certo ao declarar guerra contra a “indústria da multa”?
    Lombada eletrônica (Prefeitura de Curitiba/Divulgação)

    “Infelizmente, o Brasil ainda fica devendo em quatro deles – exceção feita às equipes de resgate, que estão entre as melhores do mundo, apesar de ainda serem em número reduzido para as necessidades brasileiras. E, no curto prazo, o pilar mais efetivo para a diminuição de acidentes é justamente o da fiscalização.”

    Quanto às lombadas eletrônicas, a justificativa do presidente foi a mesma. Bolsonaro disse em uma transmissão ao vivo pela internet que existe uma “indústria da multa” no Brasil e que os contratos dos aparelhos instalados não seriam renovados.

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    Mudanças na CNH

    CNH digital PCG
    Governo quer dobrar a validade da CNH (Reprodução/Quatro Rodas)

    Na mesma aparição pública, o presidente também prometeu aumentar a validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) dos atuais cinco para 10 anos. A flexibilização é vista com ressalvas.

    “Quanto mais idade, mais processos degenerativos acontecem nos sistemas do homem. As funções necessárias para dirigir vão sendo comprometidas”, explica o médico e diretor de comunicação da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), Dirceu Alves.

    “Avaliando no ponto de vista da renovação atual ser meramente cartorial, ampliar para 10 anos é uma forma de desburocratizar o processo reduzindo tempo e custos ao cidadão”, pondera Ramalho, do ONSV.

    “Mas há riscos por não acompanhamento das condições de saúde do condutor, especialmente os que exercem atividades remuneradas, e dificuldades de aplicações de sanções para condutores com o direito de dirigir suspenso”, segue.

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    Na mesma proposta enviada ao Legislativo, o governo entra em um assunto ainda mais polêmico: o aumento do limite de pontos de 20 para 40 pontos em 12 meses.

    Ampliar o limite de pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação) já era um projeto de Jair Bolsonaro de 2011, quando ele era deputado federal. O projeto de lei acabou não avançando, mas a ideia voltou à tona agora que é presidente.

    “Aumentar a pontuação da CNH é premiar os motoristas infratores. A regra dos 20 pontos já foi estabelecida e absorvida pelos motoristas e se tornou um freio psicológico para coibir infrações de trânsito”, analisa o consultor Dênis Freire.

    “Apesar de aparente benefício a toda sociedade, esta medida irá beneficiar somente os condutores infratores, menos de 5% da população brasileira, ou seja, justamente os que colocam em risco a vida dos demais 95% da população”, prevê Ramalho.

    “[Essa decisão] certamente impacta nas 37 mil mortes por acidentes registradas em 2017, e nas outras centenas de milhares que sofreram lesões permanentes”, completa.

    Bolsonaro está certo ao declarar guerra contra a “indústria da multa”?
    Para Bolsonaro, motorista só deveria ter a CNH suspensa após acumular 40 pontos em infrações (Ministério das Cidades/Divulgação)

    O benefício, segundo ele, seria para motoristas que exercem atividade remunerada, que teriam margem maior para trabalhar.

    A legislação atual permite que motoristas profissionais façam um curso de reciclagem ao completar 14 pontos, zerando assim a sua contagem. O ONSV propõe uma solução alternativa que seria estender esse benefício a todas as pessoas habilitadas.

    O governo, por outro lado, promete compensar com punição maior. “O ministro [da Infraestrutura, Tarcísio Freitas] destacou que o aumento do número de pontos não significa leniência, ao contrário. As infrações graves serão mais duramente punidas pelo sistema”, afirmou o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros.

    Multas em família

    Dessas infrações, muitas foram cometidas pela família Bolsonaro.

    Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo junto ao Detran do Rio de Janeiro, o presidente, três de seus cinco filhos e sua mulher, Michelle Bolsonaro, receberam ao menos 44 multas nos últimos cinco anos.

    O senador e filho mais velho de Jair Bolsonaro, Flávio, têm 41 pontos na carteira, enquanto a primeira-dama coleciona 39. O presidente acumulou seis infrações nos últimos cinco anos, segundo o Detran-RJ.

    Todas já foram pagas e resultaram em 18 pontos na carteira, segundo o jornal. Talvez isso explique.

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