Carlos Figueiredo, 62 anos, o Carlão, é fã de carros antigos e de tecnologia. Em sua coleção de automóveis clássicos, dominada por alguns Puma GTB e réplicas de Jaguar e Porsche, destaca-se uma Kombi Corujinha picape 1975.
Mas não é uma Kombi qualquer. Ela foi restaurada e construída para ser uma réplica de uma das 1.000 unidades customizadas pela preparadora holandesa Kemperink e vendidas na rede VW do país.
Além da exclusividade da carroceria, tem pintura inspirada na equipe de corrida Porsche-Gulf. É essa picapinha toda especial que leva de um evento para o outro a réplica de um Porsche RSK 718, também caracterizado nas cores da Gulf.
A grande surpresa é a propulsão dessa Kombi: elétrica. Carlão se jogou no mundo das conversões de veículos a combustão para eletricidade há dois anos.
Começou com um bugue, mas foi seu segundo projeto, um Fusca, que ele diz ser seu maior laboratório de aprendizado.
O Fusca era mais parrudo que o bugue: tinha motor trifásico de corrente alternada com 20 hp em 72 V. A bateria ainda era de aplicação convencional, de chumbo, com unidade controladora profissional.
Há seis meses, com mais experiência em conversões, Carlão iniciou a eletrificação da Kombi.
Para ela, o colecionador não economizou em tecnologia. O motor de corrente alternada trifásico de 92 V é da marca alemã Jungheinrich, aplicado em empilhadeiras de alta capacidade, e tem 75 cv de pico de potência.
A unidade de controle (capaz de monitorar e administrar motor, baterias e a entrega de potência e torque) é top de linha, explica Carlão.
“É o que há de melhor no mercado, da marca Curtis, modelo 1238e de 96 V e 650 amperes”, conta ele empolgado.
Na prática, é essa central que permitiria à Kombi o uso de recursos como acelerador eletrônico e regeneração de energia para as baterias e freio motor, além de informações em tempo real de temperatura, velocidade, corrente elétrica, entre outras.
“Essa controladora é similar à utilizada nos carros da Tesla”, diz Carlão todo orgulhoso.
O conjunto de baterias é simples, composto por 16 unidades automotivas, convencionais, de 100 amperes, ligadas em série. Segundo o colecionador, com 100% de carga, o conjunto confere à Kombi uma autonomia de até 90 km.
As baterias, de acordo com Carlão, ainda são o ponto mais delicado em um veículo elétrico: “As de chumbo são mais pesadas, maiores e com menor vida útil do que as de lítio, mas custam em média 75% menos”, ensina.
Na Kombi, o kit de baterias saiu por R$ 11.200. “Um conjunto de lítio para assegurar a mesma autonomia não sairia por menos de R$ 50.000”, diz.
Lítio em alta
O custo de uma conversão no Brasil é bem variado. Carlão conta que com R$ 18.000 (sem baterias) você já pode ter um Fusca elétrico com boa dinâmica no uso urbano.
No entanto, um kit de conversão de Kombi mais avançado, como os que são vendidos nos EUA, chega ao Brasil por cerca de R$ 76.000.
Acrescente nessa conta o valor do próprio carro mais os R$ 50.000 de um kit de baterias de lítio e verá que o preço fica próximo ao de automóveis elétricos vendidos em concessionárias, muito mais modernos, novos e com garantia.
Esse banho de tecnologia sobre uma base antiga tem nome: retrofit, uma estratégia que nasceu nas empresas de arquitetura europeias que precisavam modernizar edifícios históricos mantendo a essência do projeto.
Deu tão certo que o retrofit migrou para o mundo da decoração, da moda e, como vemos aqui, do automóvel.
Entusiasta da mobilidade sustentável, Carlão lamenta que a legislação brasileira não contemple a conversão de carros a combustão em elétrico.
“Se fosse algo permitido em larga escala, bastaria uma simples vistoria para emissão de um laudo para atestar a conformidade da instalação”, diz ele, empolgado com a possibilidade de ver mais carros elétricos rodando pelo Brasil em pouco tempo.