Freios regenerativos, motores elétricos, ABS, suspensão a ar ajustável e condução autônoma são algo relativamente recente na indústria automotiva. Mas eles já são uma realidade no Metrô de São Paulo desde 1974.
E, de quebra, a manutenção dos trens de 130 metros pode ser mais barata do que a de um carro comum. Essas são apenas algumas das curiosidades que cercam os 169 trens (incluindo 27 monotrilhos) cuja manutenção é feita em cinco pátios.
QUATRO RODAS foi conhecer de perto como esse processo, que envolve até carros especiais, é feito.
“A movimentação é mais intensa entre 1h e 4h30 da manhã, quando os trens deixam a operação comercial e podem passar por manutenções complexas ou por uma simples lavagem”, diz Luis Madeira, supervisor do tráfego de trens do Metrô.
Limpar os trens, por exemplo, exige uma máquina que leva de 15 a 20 minutos para lavar cada composição. O processo usa uma mistura de água e xampu à base de ácido para tirar a sujeira das carrocerias de aço inox.
Limpar o interior é ainda mais penoso: um time de cinco funcionários lava o chão, bancos e vidros de cada um dos seis carros que compõem o trem do Metrô.
A atenção com a sujeira é tamanha que equipes circulam entre as estações durante a operação comercial com um “kit vômito” para limpar sujeiras de passageiros indispostos ou embriagados.
No pátio também ocorrem manutenções mais complexas, como a troca das rodas. Cada uma pesa 300 kg, custa R$ 3.500 e pode ser destruída caso os freios travem os discos em uma frenagem mais intensa.
Por isso, desde a década de 70 os trens contam com sistemas de frenagem antitravamento.
No início usava-se um sistema analógico chamado decelostato, mas agora os trens têm ABS, com a mesma lógica dos automóveis.
A eletrônica também incorporou o controle de tração, que aposentou o velho sistema que jogava areia entre rodas e trilhos para aumentar a aderência.
E haja precisão para controlar os 190 cv e 811 mkgf gerados por cada um dos 24 motores — no total, cada composição tem mais força do que 347 picapes Amarok V6.
Esse vigor é necessário para movimentar a massa do trem, que pode chegar a 100 km/h e passa de 350 toneladas quando cheio. Parar tudo isso, porém, é algo fácil para os freios a disco nas 48 rodas, já que eles quase não entram em ação.
Boa parte da frenagem do trem é feita usando apenas os motores, que transformam a energia cinética em elétrica enquanto desaceleram a composição e devolvem a eletricidade gerada para o sistema. Igual ao Toyota Prius, mas em escala extragrande.
O sistema é tão eficiente que as pastilhas feitas com Kevlar são acionadas somente quando o trem está a menos de 6 km/h. Mesmo assim, elas precisam ser trocadas a cada seis meses, a um custo de R$ 1.460 por trem.
Os discos duram dois anos, mas são bem mais caros: R$ 2.500. O valor, porém, não supera os R$ 3.300 sugeridos para cada disco de freio de um Cayenne.
Autônomo
Só que o SUV da Porsche não funciona sem motorista, ao contrário do Metrô.
Desde sua inauguração o sistema paulistano usa o ATO (operação automática de trens, em inglês), um equipamento que permite às composições acelerar, frear e até abrir as portas nas estações de forma totalmente automática.
“Os trens são guiados remotamente por um sistema fechado, sem conexão com a internet. Mas os operadores são treinados para entrar em ação a qualquer momento, como quando alguém segura as portas ou um usuário cai na via”, explica Renata Yamanaka, supervisora do Centro de Controle Operacional (CCO) do Metrô.
Renata é uma das 1.800 mulheres que atuam nas mais diferentes áreas da companhia.
Como a grande maioria das estações não tem as portas de plataforma, que só abrem quando o trem para na estação, o cuidado com o usuário é real.
Se necessário, o operador do trem pode acionar os freios de emergência, capazes de parar o trem a 60 km/h em menos de 10 segundos. Nessa situação o terceiro trilho (que fornece energia para o trem) também é desligado.
A precaução é justificada, pois mesmo sendo protegido e afastado do usuário, o sistema com tensão de 750 V pode ser fatal.
Anfíbio
Ainda que tudo ande nos trilhos, algumas coisas precisam sair deles. É o caso dos veículos terra-via, que são caminhões e carros adaptados para rodar tanto nos trilhos quanto no asfalto.
Esses modelos recebem a adição de quatro rodas de aço questão abaixadas quando o veículo entra nos trilhos.
E, como não há espaço para dar meia-volta no túnel, na hora de voltar é usada uma relação que inverte toda a transmissão. Isso permite ao veículo andar de ré com as marchas convencionais à frente.
Na frota dos terra-via também fica um dos xodós dos funcionários: uma Chevrolet C11000 1985 que até hoje labuta nas madrugadas paulistanas.
Mais velhos são os primeiros trens do Metrô. A antiga Frota A foi feita a partir de 1972 pela extinta Mafersa, no bairro da Lapa. As composições foram recentemente modernizadas e ganharam câmeras, novos motores, bancos e ar-condicionado.
Adaptação
A empresa ainda precisa lidar com o alto custo dos equipamentos ou até sua ausência. Um exemplo é o medidor ultrassônico de fadiga do eixo, criado pelos funcionários da manutenção usando um motor elétrico, cardã de caminhão e sensor da SKF.
Ele permite que os operadores analisem a integridade estrutural do eixo de tração sem a necessidade de desmontar o conjunto. O processo de medição, inclusive, lembra os antigos balanceamentos de pneus feitos com as rodas instaladas no carro.
Outra solução para reduzir custos foi comprar a patente dos discos de freios, permitindo sua produção local a um preço bem menor.
Mesmo assim, a empresa enfrenta a pressão de lidar com o crescente volume de usuários (3,7 milhões por dia) e com o lento crescimento da malha (eram 16,7 km na estreia, em 1974; hoje são 96,4 km).
Espera-se algum alívio nos próximos anos, quando um novo sistema de controle, o CBTC, passar a funcionar. Ele permitirá que os trens andem mais próximos entre si sem afetar a segurança, aumentando a oferta de lugares.
As novidades vão exigir ainda mais do time de manutenção, mas não será um problema. Eles estão acostumados com alta tecnologia há décadas.
Mulheres no comando
Mulheres no comando de um trem não é novidade no Metrô. Desde o início da operação, a companhia estimula a presença delas em todos os cargos: mas se hoje elas são 19,5% dos funcionários, só 15% têm cargo de chefia, segundo o próprio Metrô.
Uma delas é Renata Yamanaka, responsável por supervisionar o CCO do Paraíso, cérebro das três principais linhas da companhia. “Aqui fazemos o acompanhamento de toda a operação comercial e elaboramos estratégias em caso de problemas”, conta.
Entre os imprevistos, há comércio ambulante, aumento inesperado do volume de passageiros e até mesmo a entrada de um cadeirante no sistema.
“Acompanhamos a pessoa com deficiência desde o momento em que passa na catraca até sua saída”, explica Renata.
E nessa hora o computador dá espaço ao ser humano. “Quando um cadeirante precisa embarcar ou desembarcar, o operador inibe o ATO para que as portas fiquem abertas pelo tempo que for necessário para dar segurança ao usuário”, detalha Gisele de Araújo, que há quatro anos é operadora de trem no Metrô.
Também cabe a ela auxiliar os usuários em caso de evacuação do trem, como quando há queda de energia elétrica. Por isso a “habilitação” para pilotar um trem é mais demorada, e leva de três a quatro meses.
Além disso, cada uma das sete frotas de trens requer treinamento específico. E há coisas que só o dia a dia ensina.
“Com o tempo, dá para perceber que o trem não fará a parada programada na estação pela forma como entra na plataforma, e aí acionamos o freio de forma manual”, diz Gisele.