Chevrolet 3100 “Martha Rocha”: a picape de quadris largos bisavó da S10
Homenageamos a eterna Miss Brasil relembrando a história do utilitário que, por suas formas, ganhou de presente o seu nome como apelido
Morreu no início desta semana Martha Rocha.
Os mais velhos hão de lembrar que, um dia, a baiana de Salvador (falecida aos 83 anos, vítima de insuficiência respiratória seguida de infarto) foi considerada a mulher mais bonita do país.
Eleita Miss Brasil em 1954, com apenas 18 anos e numa época em que tais concursos eram febre nacional, rendendo audiência de fazer inveja a qualquer capítulo final de novela das nove, Martha foi alçada à condição de celebridade.
E não apenas a soteropolitana venceu a disputa nacional como era considerada favorita para a conquista do Miss Universo. Título que lhe escapou das mãos por um triz: ficou em segundo lugar, atrás da americana Miriam Stevenson.
O motivo da dolorida derrota nunca foi formalmente revelado, mas sempre se disse à boca miúda que Martha teria perdido por ter o quadril 2 polegadas mais largo do que o padrão requerido pelo regulamento do concurso.
Apesar da perda, Martha Rocha ficou famosa a ponto de ser “homenageada” na forma de um apelido temperado com alguma dose de veneno e machismo dado a uma picape. E que se radicou no imaginário popular.
Estamos falando da Chevrolet 3100 Marta Rocha (que até pode ser grafada como o nome da modelo, mas já se popularizou no seio popular sem o H, por puro espírito de simplificação), surgida em 1955 para suceder a série 3100 Advance Design.
Esta, por sua vez, já era chamada de “Boca de Sapo” e “Boca de Bagre”, a depender do ano/modelo. Vale lembrar que “3100” era uma alusão à distância entre-eixos do modelo medida em milímetros.
Mas não foi apenas pela desassociação com os apelidos ligados ao mundo animal que a GM quis renovar sua picape.
A Ford vinha dominando o mercado com a F-100, que trazia visual e dinâmica mais similares aos de um automóvel que de um caminhão.
Para não ficar atrás, a Chevrolet investiu para vender em nosso mercado a picape americana Task Force, com montagem tipo CKD em São Caetano do Sul (SP) e aposta em traços mais atraentes, inspirados em carros de passeio como o Bel Air.
“[Foram] vários ajustes estéticos: novo desenho, mais retilíneo; grade quadriculada; para-brisa envolvente (algo inédito na categoria); pestanas sobre os faróis; um grande adorno no capô com a ‘gravatinha’ da Chevrolet”, descreve o livro “Picapes Chevrolet: robustez que conquistou o Brasil”.
“Nas laterais dos para-lamas havia um grande emblema 3100 Chevrolet. A tampa traseira da caçamba ostentava um enorme ‘Chevrolet’, estampado em alto relevo”, segue a publicação, escrita por Fábio Pagotto e Rogério de Simone.
Conversamos com Pagotto, coautor do livro e especialista em carros antigos, para entender como o nome de Martha Rocha entrou na jogada.
“O brasileiro adora colocar apelido em tudo, a gente sabe. A picape era muito bonita e tinha uma caçamba tipo stepside, com para-lamas salientes, como se fosse um quadril mais largo quando vista de frente. Daí criou-se o nome”, explicou.
“As picapes Ford também tinham os apelidos delas, como Dentuça ou Vampirinha. Era uma coisa muito comum na época”, acrescentou.
A 3100 Marta Rocha montada no ABC Paulista vinha sempre equipada com o motor Jobmaster 261, um seis-cilindros em linha de 4,3 litros que rendia 142 cv.
Tal propulsor vinha importado dos EUA inicialmente, mas passou a ser fabricado localmente em São José dos Campos (SP), a partir de 58.
O câmbio era manual de três marchas com alavanca montada na coluna de direção. A tração era traseira e os freios, a tambor nas quatro rodas.
Algumas unidades da 3100 Marta Rocha importadas ao Brasil podem ser encontradas com motor V8, também 4.3, de 155 cv, mas não há registros de montagem local de exemplares da picape com esse propulsor.
Se nos EUA a Task Force recebeu reestilizações entre 55 e 57, por aqui a 3100 Marta Rocha seguiu em linha até 59 com a mesma cara, recebendo mudanças apenas no desenho interno da grade.
Porém, já um ano antes a Chevrolet resolveu bancar a produção (e não apenas montagem) da picape para a qual a Marta Rocha passaria sua coroa: a 3100 Brasil.
Esta tinha 54% de componentes nacionalizados (em relação ao peso) no lançamento e 90% após receber o motor vindo da fábrica de São José dos Campos. Já a Marta Rocha jamais passou de 40%, ficando resumida a eixos, molas e caçamba fornecidos por empresa nacional.
Mas a história da 3100 Brasil (cujo nome, aliás, também é um apelido, em menção ao mapa do país gravado como insígnia no capô, para reforçar sua produção nacional) merece um capítulo à parte.
Sobre a 3100 Marta Rocha, esta pode não ter sido tão famosa para a genealogia de picapes da GM quanto Martha Rocha, a modelo, foi para a história do concurso Miss Brasil.
Mas tem sua relevância na construção do caminho até a chegada da atual S10, passando por C-10/14, D-20 e Silverado.
Talvez o seu maior legado, porém, tenha sido justamente, numa brincadeira machista típica dos anos 50, carregar com grafia errada e tudo o nome de uma mulher brasileira que por 2 polegadas não conquistou o mundo.
Colaborou Felipe Bitu.
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