Final dos anos 70. A Volkswagen preparava o lançamento de um substituto para o Fusca. Seria um carro bem mais moderno, de tração e motor na frente, com melhor aproveitamento de espaço. O veículo estava quase pronto, mas faltava definir o nome. Entre as opções, Angra era a mais forte. Afinal, na época o assunto energia atômica estava em voga, e o Brasil construía a usina em Angra dos Reis.
O assunto, porém, era polêmico, porque o medo rondava as usinas. Se algo desse errado em Angra, o problema poderia cair como uma bomba no carro, que não tinha nada a ver com o tema. Na edição de maio de 1980, quando o primeiro teste foi publicado na QUATRO RODAS, a revista dizia que o jornalista Nehemias Vassão, repórter especializado em segredos, havia sugerido o nome Gol ao diretor de pesquisa da VW, Philipp Schmidt. Pegou.
O jornalista Claudio Carsughi foi para o teste exclusivo atrás de respostas. Era preciso saber se a Volks havia logrado êxito. Afinal, a missão do carro não era nada fácil: pelas premissas estabelecidas pela montadora, o substituto do Fusca teria de ser “mais moderno do que o Fiat [147], mais espaçoso, se possível mais bonito, tão econômico quanto ele ou mais. E mais barato que a versão mais barata do 147”.
Inicialmente, o Gol deveria receber motor refrigerado a água, do Passat, mas isso teve de ser adiado. A demanda pelo Passat era grande, e não haveria como abastecer as duas linhas com o motor a água. Por isso, o Gol nasceu com o 1300 a ar do Fusca, com várias modificações.
Funcionando “de cara para o vento”, a refrigeração melhorou e o radiador de óleo pôde ser dispensado. Além disso, a adoção de uma nova ventoinha economizou potência do motor. O modelo também dispensou o platinado, adotando no lugar a ignição eletrônica.
Com as diversas alterações mecânicas, o motor perdeu peso (14 kg menos que o do Fusca) e ganhou potência: saltou de 46 cv no Sedan para 50 cv. Visualmente, chamava atenção o prosaico saco plástico envolvendo o distribuidor, para evitar infiltração de água.
O texto elogiava o estilo, “baseado no Scirocco”, além da suspensão dianteira McPherson, semelhante à do Passat. A distribuição de peso (49% na frente, 51% atrás) também foi aprovada, assim como os freios a disco na frente. Mas, na hora das medições, o modelo mostrou limitações.
O desempenho era superior ao do Fusca, claro, mas menos do que se esperava para um projeto novo. O hatch precisou de 30,3 segundos para chegar a 100 km/h, bem mais que os concorrentes de cilindrada equivalente. Mas a matéria fazia menção ao fato de que o melhor compromisso entre desempenho e consumo estava na faixa de 80 km/h – que era o limite de velocidade na época.
Parte do problema foi resolvida já em 1981, com a chegada do motor 1600, ainda a ar. O texto da revista começava assim: “O 1300 foi um chute para as arquibancadas; o 1600 é um Gol”. A economia melhorou, e o tempo de aceleração de 0 a 100 km/h baixou para 18,2 segundos.
Na edição de março de 1984, um jovem de 23 anos chamado Ayrton Senna, recém-chegado à Fórmula 1, testou para a QUATRO RODAS 12 carros nacionais, entre eles o Gol. E não poupou críticas: “Este carro não me agradou em nada. Só achei o volante bem esperto e o motor, em baixas rotações, alegre (…). O desempenho é apenas razoável”.
Um mês a mais e o jovem piloto poderia ter dirigido o Gol GT 1.8, com motor a água do Santana. O teste impressionou a equipe na edição de abril de 1984, graças a seus 99 cv. E duas edições depois ele atropelou o Escort XR3, então equipado com motor 1.6: enquanto o VW fez 0 a 100 km/h em 11,9 segundos, o Ford precisou de 13,4 segundos.
O motor 1.6 do Passat chegou ao Gol em 1985, e a partir daí o hatch disparou. Os faróis cresceram, o ruído diminuiu e o desempenho aumentou. A única coisa é que o porta-malas perdeu um pouco de espaço, porque o estepe – que ficava na dianteira – foi para lá.
A rota de sucesso continuou. Em 1987, chegou o GTS, ainda com motor 1.8. O esportivo tinha desempenho tão bom (0 a 100 km/h em 10,8 segundos), que a revista colocava em dúvida se a potência declarada (99 cv) não era apenas um artifício para driblar o IPVA, que cobrava cerca de 30% a mais para veículos com mais de 100 cv.
E assim o Gol foi subindo, a toque de caixa. Depois do Gol “caixa”, veio o “bolinha”, já nos anos 90, e não parou mais. O restante da história todo mundo sabe.
VW Gol 1600
Teste – Maio de 1980
Aceleração de 0 a 100 km/h – 30,3 s
Velocidade máxima – 124,7 km/h
Frenagem 80 km/h a 0 – 33,9 m
12,4 km/l (médio)
Preço
Julho de 1980 – Cr$ 238.612
Atualizado – R$ 106.757 (IGP-DI/FGV)
Ficha técnica – VW Gol 1300
Motor: dianteiro, 4 cilindros opostos, refrigeração a ar, 1 285 cm3; Diâmetro x curso: 77 x 69 mm; Taxa de compressão: 6,8:1; Potência: 50 cv a 4 600 rpm; Torque: 9,2 mkgf a 2 800 rpm
Câmbio: manual de 4 marchas, tração dianteira
Dimensões: comprimento, 379 cm; largura, 160 cm; altura, 137 cm; entre-eixos, 236 cm; peso, 800 kg
Suspensão: dianteira: independente, McPherson; traseira: eixo rígido
Maio de 1980
“O Gol é um carro novo, bonito, que representa uma evolução em relação ao velho Fusca e incorpora algumas soluções técnicas bem modernas, como é o caso da ignição eletrônica (…). QUATRO RODAS testou exaustivamente a versão L do Gol (…), e considera-o um carro destinado a ter êxito, pela beleza e funcionalidade de suas linhas, pelo conforto que oferece ao motorista (…). O Gol deverá agradar muito, embora não seja tão econômico como poderiam crer nem tenha desempenho comparável ao de carros de mesma cilindrada.”