Em um passado recente, ter uma oficina conectada significava instalar um computador na recepção para cadastrar os carros que entravam. Mas, se os automóveis ganham telas digitais e gigabytes de recursos tecnológicos, as oficinas precisam fazer o mesmo.
Basta imaginar que modelos produzidos em 2020 – cujos períodos de garantia estão prestes a vencer – estão chegando aos reparadores com motores turbo flex, injeção direta de combustível, câmbio automático e sistemas multimídia que, além de comandar o som, a conectividade e a refrigeração, possibilitam intervenções no comportamento dinâmico.
O novo cenário exige investimento em equipamentos atualizados, e esses itens têm se tornado os principais fatores a serem analisados na hora de escolher o estabelecimento que dará continuidade à manutenção do veículo.
“A maioria dos equipamentos de ponta é voltada para o diagnóstico de problemas, como os scanners. Já quem pretende ter uma empresa que presta serviços de suspensão terá de ter um bom equipamento de alinhamento 3D”, diz Antonio Carlos Fiola, presidente do Sindirepa (sindicato dos reparadores).
“São aparelhos relativamente caros, mas que vão dar uma melhor qualidade ao trabalho”, afirma.
No caso dos alinhadores 3D, câmeras de alta resolução fornecem relatórios com imagens coloridas sobre o que está acontecendo com cada pneu. É possível detectar a origem de ruídos e vibrações que não são lidos por equipamentos digitais ou a laser.
Bruno Tinoco Martinucci, dono da oficina paulistana Motorfast, investiu R$ 15.000 em mais um scanner, que já veio calibrado para modelos 2023 – diversos carros à venda no Brasil passaram por mudanças para atender a sétima fase do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores). “Foi até barato para o padrão atual das oficinas mais modernas”, diz o empresário.
A principal vantagem de equipamentos como esse está na possibilidade de diagnosticar problemas em carros de diferentes marcas sem perda de tempo com a desmontagem. Para o consumidor, há redução da espera pela conclusão do serviço e elimina a necessidade de trocar peças pelo método arcaico de “tentativa e erro”.
Outra parte que tem exigido atenção e aparelhos próprios é o câmbio automático. Um desses equipamentos é a máquina que faz a troca do óleo da caixa sem deixar resíduos do lubrificante antigo. Segundo Bruno Tinoco, esse equipamento custa por volta de R$ 30.000 e está entre os “sonhos de consumo” de sua oficina.
Funciona assim: os dutos do aparelho são conectados aos trocadores de calor do câmbio. A partir daí é feita a limpeza por meio da diálise, com a entrada do óleo novo e a retirada completa do antigo.
Realidade brasileira
A máquina possui um mostrador digital que relata o que está ocorrendo, mostrando as proporções de entrada e saída do lubrificante.
É um serviço que, por muito tempo, foi visto como desnecessário pelas montadoras. Mas o tipo de uso dos automóveis no Brasil é bem diferente do registrado no mercado americano, onde as caixas automáticas imperam há décadas. Com a longevidade dos veículos que circulam por aqui – por exemplo, um carro automático ano 2012 nem parece tão velho para os nossos padrões –, foi preciso atualizar os parâmetros de manutenção.
Contudo, além de ser um investimento alto, há o custo para o consumidor. “Para que a limpeza ocorra, é preciso gastar o dobro do volume de óleo comportado pelo câmbio, o que encarece o serviço”, afirma Bruno.
Se o objetivo for se dedicar a uma única marca, o empresário diz que se torna necessário adquirir as ferramentas de diagnóstico utilizadas nas concessionárias autorizadas. É aí que começam os problemas para as oficinas: o acesso a essas ferramentas.
“Os carros se tornaram uma grande central de informações tecnológicas, que são acessadas por meio dos scanners ou até de forma remota, mas nem sempre as montadoras liberam as informações”, diz Antonio Fiola.
Em geral, os equipamentos de diagnóstico usados nas concessionárias não são disponibilizados diretamente para reparadores independentes. Mas há um intenso mercado paralelo, em que aparelhos originais são comercializados via internet e versões feitas por programadores prometem os mesmos resultados. É algo semelhante ao que ocorre no mundo dos computadores.
Existe até um um grupo de oficinas que cobra a liberação de informações por parte das montadoras, o Movimento Global pelo Direito de Reparar Veículos.
“Os veículos estão se tornando cada vez mais como celulares, conectados sem fio o tempo todo. As montadoras então transmitem esses dados para si mesmas, obstruindo o acesso a eles por oficinas independentes”, diz o manifesto publicado pela entidade e reproduzido no site do Sindirepa.
Com ou sem os dados oficiais das fabricantes, as oficinas independentes precisam se adaptar aos novos desafios. O próximo será oferecer serviços para os automóveis híbridos e elétricos, cujos proprietários também devem procurar alternativas mais em conta quando as garantias começarem a expirar.