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Caravan dos ares: voamos nos novos monomotores que operam voos da Azul

Avião consagrado, o Cessna Caravan tem a missão de ligar capitais e cidades pequenas com eficiência, conforto e preço acessível

Por Eduardo Passos
Atualizado em 20 jan 2021, 15h18 - Publicado em 16 jan 2021, 10h00
Cessna 208 Caravan Azul Rosa em Búzios
Um dos 17 Cessna da frota Azul — esse em pintura especial do Outubro Rosa. (Yann Lenz/Divulgação)

Fundada em 2008, a Azul virou a terceira maior companhia aérea do Brasil seguindo uma receita diferente de Gol e Latam. O foco na Ponte Aérea e nos Boeing e Airbus com seis assentos por fileira deu lugar, por exemplo, à base no então esquecido aeroporto de Viracopos, em Campinas, e frota de aeronaves Embraer, um pouco menores.

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Em seguida, ocorreu a fusão com a empresa regional Trip, ampliando a presença da Azul em cidades de médio porte e alheias à infraestrutura rodoviária, como as do interior do Amazonas e Pará.

Hoje já voando aviões widebodies (aqueles maiores, com dois corredores) para Flórida e Portugal, a companhia retornou à sua vocação exploratória e adquiriu a TwoFlex — ex-parceira da Gol e especializada em voar para cidades pequenas com aviões monomotores de nove lugares.

A ideia era usar a experiência dos tripulantes e os pequenos Cessna 208 Grand Caravan da finada companhia para chegar em locais ainda menores, que nem mesmo os turboélice ATR 72-600 (então os menores da frota Azul) poderiam atingir.

Disso nasceu a subsidiária Azul Conecta, que nesse verão está voando para destinos antes só alcançáveis via carro ou voos fretados. A ideia é oferecer uma opção aérea acessível para essas cidades, driblando estradas e cobrando o mesmo que uma passagem aérea qualquer.

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A fim de experimentar essas rotas, QUATRO RODAS embarcou no monomotor que liga o Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, à turística Búzios, no Rio de Janeiro. Adianto: essa operação peculiar é ágil e divertida.

Check-in e embarque

Com voo marcado para 9h50, a ideia era percorrer todos os trâmites que um passageiro comum da Azul Conecta teria. Como não há distinção entre subsidiária e matriz, o check-in e despacho de bagagens é feito no mesmo balcão que destinos como São Paulo e Rio de Janeiro.

A franquia de bagagens é a mesma de qualquer voo: 23 kg. O preço da passagem também não foge da normalidade e, às vésperas do embarque, o bilhete para Búzios custava R$ 230. O mesmo trecho via ônibus, em comparação, leva 13h e não sai por menos de R$ 120.

Um pequeno problema só ocorreu quando o tíquete foi identificado pelas catracas do aeroporto como voo internacional, sugerindo que o repórter se dirigisse ao terminal adequado. Em poucos segundos, porém, a agente aeroportuária solucionou o problema sem maiores sustos. “Toda sexta-feira esse voo é identificado como internacional, não sei o porquê”, relatou, sem pistas do mistério.

Portão de embarque do aeroporto de Confins
Portão de embarque para o voo, com todos os passageiros da aeronave aparecendo na foto (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Como em qualquer aeroporto grande, a sala de embarque de Confins é ampla e conta com dois tipos de acesso às aeronaves. O mais famoso é feito via pontes de embarque (ou fingers) retráteis, que ligam a sala direto à cabine. 

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Já aeronaves menores, como o Grand Caravan, são incompatíveis com as pontes por conta de sua altura. Então é feito o embarque remoto, no qual o passageiro caminha pelo pátio ou toma um ônibus até o aparelho – o mesmo que ocorre quando não há fingers disponíveis para os Boeing e Airbus, por exemplo.

Talvez por isso Alessandra Arantes, de 51 anos, não tenha notado nada diferente quando se dirigiu ao portão do voo AD 5101. A professora viajava a Búzios para encontrar sua filha e lia relaxadamente quando a agente de solo da Azul anunciou: “pessoal, todos os passageiros já estão cá. Peço que mantenham os documentos em mãos”.

Embraer 195 conectado ao finger do aeroporto de Confins
Com movimento reduzido pela pandemia, é raro não haver pontes de embarque disponíveis em Confins. Só não as utiliza aviões incompatíveis (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Ao questionar os poucos viajantes, Arantes descobriu o que lhe aguardava: um dos monomotores mais populares da história, com cerca de 3 mil unidades vendidas e 25 milhões de horas de voo completadas.

“É um absurdo não terem avisado antes. Eu tenho medo até mesmo de aviões maiores”, protestou, sem perceber que as informações da aeronave constavam desde o início na reserva. A passageira cogitou embarcar num voo à tarde para Cabo Frio, feito pelo Embraer 195. A taxa de remarcação e as dúvidas de como percorrer os 30 km até seu destino final, entretanto, fizeram-na encarar seu desafio pessoal.

O avião

Cessna 208B Grand Caravan da Azul, ainda com pintura da TwoFlex
O Cessna 208B Grand Caravan que nos levou e trouxe de Búzios ainda não havia recebido a pintura da Azul (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

O trajeto até o pátio de aeronaves foi feito por uma Fiat Ducato da própria Azul. Em cerca de cinco minutos, chegamos ao Cessna 208B Grand Caravan, matrícula PT-MEY, que nos levaria ao Rio de Janeiro em pouco mais de noventa minutos.

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Fiat Ducato serviços de solo Azul
A van que nos levou ao avião é maior que a aeronave em si. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Introduzido em 1986, esse modelo começou sua trajetória como um cargueiro, feito quase sob medida para a FedEx, que pretendia ampliar seu serviço de entregas expressas a cidades menores dos EUA.

Com boa fama, o avião virou sucesso de vendas e, fabricado até hoje, já preencheu o ‘bingo’ de funções: carga, passageiros, táxi aéreo e militar. Na Força Aérea Brasileira, por exemplo, foi rebatizado C-98, e ocupa papel logístico crucial.

O PT-MEY, especificamente, está prestes a completar 25 anos de uso, tendo sido entregue novo à Brasil Central Linhas Aéreas, posteriormente incorporada à TAM. Desde 2006, o “Echo Yankee”, como apelidado pelos pilotos, servia à TwoFlex antes de entrar para a frota da Azul.

É importante lembrar que padrões automotivos não se aplicam à aeronáutica e vice-versa. No caso dos aviões, a quilometragem dá lugar aos ciclos que, salvo exceções, correspondem a um pouso e uma decolagem. Já a idade é mais bem representada pelas horas de voo.

Como a maior parte das bagagens fica atrás, essa haste amarela evita que a cauda bata no chão caso o carregamento seja mal feito.
Como a maior parte das bagagens fica atrás, essa haste amarela evita que a cauda bata no chão caso haja algum erro de procedimento ao carregar a aeronave. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Além de manutenção imprevistas, há quatro tipos de revisões periódicas que devem ser feitas nos aviões, cada uma delas mais intensa que a anterior.

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A principal delas é o temido (e caríssimo) overhaul, que desmonta o avião como QUATRO RODAS faz no Longa Duração, porém inspecionando e restaurando cada mínimo desgaste nas peças.

Feito a cada meia década, em média, o overhaul é tão extenso que, em aviões maiores, pode levar mais de um mês para ser concluído. A tarefa é tão bem feita que as aeronaves são tidas quase como novas após o processo. Não à toa, o preço de uma unidade costuma variar mais pela proximidade do próximo overhaul do que pela idade em si.

Decolagem

Enquanto desembarcamos da van, a tripulação inspecionava o carregamento dos porões de carga e recepcionava os passageiros. Ao contrário de uma equipe grande, porém, havia apenas o comandante Sérgio Anacleto e a primeiro-oficial (como são chamados os copilotos) Juciane Bernardi.

Descontraído, o aviador perguntava se os passageiros tinham ido ao banheiro, inexistente no Caravan. Com os viajantes embarcados, Anacleto se dirigiu à cabine via porta lateral, enquanto Bernardi veio dos fundos, distribuindo água aos passageiros.

O serviço de bordo completo segue interrompido por questões sanitárias ligadas à covid-19.

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Interior Cessna 208 Caravan Azul
Essa é a visão do passageiro ao embarcar no ‘pequenino’ da Azul (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

O tamanho da aeronave e sua cabine, de apenas 1,3 m de altura, causam estranhamento, mas a principal peculiaridade do monomotor é a ausência de separação entre tripulantes e passageiros, como em um automóvel.

A falta de privacidade não incomoda Sérgio, pelo contrário. “Os passageiros muitas vezes têm medo do que não conhecem. Estando expostos, podemos transmitir confiança através da nossa tranquilidade na operação. Se o passageiro nos vê calmos, ele tende a não ficar nervoso”, explica.

Piloto e copiloto da Azul Conecta
A dupla responsável pelo voo acumula anos de experiência no monomotor. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Essa calma é predominante desde o acionamento dos motores, quando ainda é possível ouvir o mineiro e a gaúcha conversando calmamente enquanto ajustam seus instrumentos. 

Em instantes, o PT-MEY está pronto para decolar, em seguida a um Boeing 737 da Gol. A pista de Confins, dimensionada para os maiores aviões do mundo, dá e sobra para o voo, que começa a partir dos 144 km/h  —rapidamente atingidos quando se aplica mais de 600 cv de potência a um veículo tão pesado quanto uma picape.

Ida para Búzios

Passageiros podem acompanhar todas as ações do cockpit. Uma aula ao vivo de aeronáutica.
Passageiros podem acompanhar todas as ações do cockpit. Aula ao vivo de aeronáutica. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Com o motor operando plenamente, fica fácil perceber que o principal problema do Caravan é o barulho, consideravelmente maior que nos outros aviões comerciais. Isso ocorre porque não há pressurização da cabine, permitindo que os ruídos externos entrem com mais intensidade.

Outra diferença em voo são os assentos, sem encosto de cabeça. Na configuração 1-2 (um assento, corredor, dois assentos) usada pela Azul, os bancos duplos também são inteiriços, sem apoio para braço.

Bancos Cessna Caravan Azul
Bancos sem apoio de cabeça causam um pouco de estranhamento, mas nenhum desconforto nas rotas curta que o avião opera. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Esses fatores, entretanto, não incomodam nas rotas curtas que a Azul Conecta faz. Além disso, o espaço para as pernas — muito mais importante para passageiros maiores — é generoso, ganhando de ‘lavada’ dos apertados jatos.

Legroom Cessna Caravan Azul
Espaço para as pernas é amplo e só se compara aos ‘assentos conforto’ dos aviões maiores. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Ainda que a aparência dos assentos lembre a saudosa Kombi, o Caravan, nos parâmetro aeronáuticos, está mais para uma Mercedes-Benz Sprinter, se revezando entre cargas e passageiros, inclusive com diferentes níveis de conforto (o Caravan também possui luxuosas variantes executivas).

Os modelos que saem atualmente da fábrica da Cessna, no Kansas, têm estética levemente renovada, principalmente no interior. Mas se trata, em essência, do mesmo projeto de três décadas atrás.

Serra do Caraça
A serra do Caraça, em Minas, é só um dos espetáculos visuais que a baixa atitude e as grandes janelas permitem admirar no caminho (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

A pressurização é dispensável porque o Caravan voa baixo, a cerca de 3.000 m. Isso também permite janelas bem maiores, que tornam o voo uma surpresa visual por si.

Na rota, é possível identificar cidades, pontos naturais e rodovias de maneira detalhada. O passeio pelas camadas mais baixas da atmosfera também evita turbulências, completamente inexistentes no caminho.

Pouso

Cockpit Cessna Caravan Azul
Chegando ao Rio, a tripulação faz um leve ajuste de rota para driblar nuvens adiante. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Passada uma hora, o litoral do Rio de Janeiro pode ser visto no para-brisa da aeronave. Em instantes, os pilotos conferem se todos estão com cintos afivelados e chegam a Búzios.

Rio das Ostras
Obviamente não estamos mais em Minas Gerais, mas sobrevoando Rio das Ostras em aproximação a Búzios. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Por lá não existem instrumentos de navegação, e todo o pouso é feito seguindo regras visuais. Essa situação é constante nas rotas que a Azul opera com o Caravan, e por isso há preferência pelos voos diurnos.

Entretanto, sempre que os rígidos padrões de segurança não podem ser cumpridos é necessário rumar para um aeroporto alternativo, escolhido antes da decolagem. “Acontece de vez em quando”, ressalta Anacleto.

Aeroporto de Búzios
Sobrevoamos o aeroporto de Búzios como parte do procedimento de aproximação visual. Após a passagem são feitas três curvas à esquerda, pousando sempre contra o vento. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Nos aeroportos grandes, o Caravan é capaz de usufruir dos mais avançados instrumentos de navegação. O pouso em BH inclusive seria feito via ILS (do inglês Instrument Landing System) — sistema capaz até mesmo de pousar a aeronave de maneira completamente autônoma e com visibilidade nula.

Aproximação final aeroporto de Búzios Cessna Caravan Azul
Comandante Anacleto em concentração total para o pouso em Búzios. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Esse não era o caso de Búzios, que contava com céu de brigadeiro. O pouso foi muito suave e logo o desembarque foi feito. No reduzido terminal já estavam os passageiros do trecho de volta, que partiria em instantes.

Aeroporto de Búzios
Aeroporto de Búzios é pequeno, mas novo e bem conservado. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Foi o tempo dos pilotos irem ao banheiro e já reiniciarem todo a burocracia de despachar e aprovar o plano de voo. Partida liberada, os novos oito passageiros chegavam, e os olhares curiosos recomeçavam. “Vocês foram ao banheiro?”, perguntou Anacleto enquanto Berardi fazia os procedimentos de checagem. E começou tudo de novo, rumo à capital mineira.

Detalhe Cessna Caravan Azul
Avião também tem seu vale-combustível, que, no caso do Caravan, é querosene e custa cerca de R$ 2/litro. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

O voo de volta foi praticamente igual ao anterior. O “trator dos ares”, como é chamado carinhosamente, ainda mostrou seus dotes utilizando o radar meteorológico para driblar algumas nuvens de tempestade, garantindo o voo confortável e divertido. 

No pouso em BH, feito via ILS, pilotos observaram a máquina trabalhar e só assumiram os comandos instantes antes do pouso.
No pouso em BH, feito via ILS, pilotos observaram a máquina trabalhar e só assumiram os comandos instantes antes do pouso. (Eduardo Passos/Quatro Rodas)

Azul Conecta

Poucas coisas podem ser tão caóticas quanto estrear uma linha aérea em ano de pandemia. A Azul, porém, aguentou o tranco e soube aproveitar eventuais oportunidades.

Uma delas foi usar suas vagas em aeroportos disputados, como Congonhas, para operar voos a cidades do litoral paulista. A empresa justifica que, com a queda das viagens de negócios, a demanda no local caiu bastante, abrindo espaço para rotas alternativas.

Ainda é cedo para cravar os destinos que ficarão após o verão, já que isso depende de como a pandemia seguirá. Entretanto, a ideia passa por manter trechos fixos e outros disponíveis pontualmente em feriados, por exemplo.

Com sua subsidiária, a Azul também busca resolver uma situação comum para moradores do interior do Brasil, que muitas vezes precisam pegar horas de estrada até o aeroporto mais próximo.

Se depender da taxa de ocupação vista e da satisfação dos passageiros com a curiosa experiência, o 208 Grand Caravan está prestes a construir uma relação saudável nos nossos céus, cumprindo bem sua missão.

Ficha técnica do Cessna 208B Grand Caravan:

Motor: Pratt & Whitney PT6A-114A turboélice a querosene de aviação, 3-pás com embandeiramento completo

Potência (no eixo da hélice): 675 cv

Consumo (na rota BH-Búzios): 1,8 km/l

Capacidade: 2 tripulantes e 9 passageiros

Dimensões: comprimento, 11,46 m; envergadura, 15,87 m; altura, 4,53m (externa)/1,37 m (cabine); peso vazio, 2.145 kg; peso máximo de decolagem, 3.629 kg;

Desempenho: velocidade máxima de cruzeiro, 344 km/h; autonomia, 1.982 km; teto operacional, 7.620 m

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(arte/Quatro Rodas)
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