Que tal pagar 10 000 euros a mais (R$ 34 000) por um carro para deixar de ter ar-condicionado e sistema de som? A conta pode não fazer sentido num sedã comum, mas se for um Porsche vale conhecer a história antes de decidir. E, no caso da nova geração do Boxster Spyder, que chega ao Brasil no fim deste ano, história não falta: ele foi inspirado no lendário 550 Spyder de 1953, primeiro modelo da marca homologado para corrida e famoso também pelo acidente fatal com o ator James Dean.
Mas não é só no visual que esta versão lembra carros antigos. Na experiência de dirigir, o Boxster Spyder é assombrosamente purista, entregando um prazer ao volante que os modelos atuais deixaram de oferecer. Seu despojamento tem um propósito bem prático: perder peso para melhorar a performance. Assim, a tampa do porta-malas dianteiro passou a ser em alumínio e a vigia traseira em plástico, os bancos ficaram mais finos, a capota elétrica foi trocada por uma de tecido de acionamento manual (uma redução de 11 kg) e há menos isolamento acústico, além da eliminação do sistema de áudio e do condicionador de ar.
No total, o peso baixou 30 kg, comparado ao Boxster GTS, o mais bravo da gama. Mas calma lá: a economia teria sido maior se o Spyder não tivesse incorporado itens que melhoram seu desempenho. É o caso das rodas maiores e dos discos de freios mais avantajados.
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Para acompanhar a dieta, os alemães melhoraram a potência do novo roadster. O motor boxer de seis cilindros aspirado de 3,6 litros e 330 cv do GTS foi aumentado para 3,8 litros e 375 cv – é o mesmo do 911 Carrera S, que sobe para 400 cv. O resultado é um conjunto campeão na relação peso/potência (apenas 3,5 kg/ cv, pouco mais dos 3,4 kg/cv de um Corvette de 460 cv) e números que parecem que vêm de um esportivo mais forte: 0 as 100 km/h em 4,5 segundos e máxima de 290 km/h (o GTS faz respectivamente 5 segundos e 281 km/h).
Mas de nada adiantariam marcas expressivas se elas não pudessem ser igualadas por um comportamento dinâmico excelente. Para tal, a direção é a do 911 Turbo, para mim a melhor assistência elétrica do mundo – assim, ela é até 12% mais direta do que nos outros Boxster.
Os discos de freios foram aumentados em 10 mm, a suspensão é 20 mm mais baixa do que a dos Boxster básicos e 10 mm do que a do GTS, além de ter um acerto mais rígido. O carro conta ainda com o pacote Sport Chrono de série (inclui cronômetro analógico e digital), coxins ativos na transmissão para melhorar a estabilidade em curva (evitam movimentos do conjunto motor/câmbio) e um diferencial autoblocante mecânico no eixo traseiro com distribuição controlada do torque.
Tanta alteração mecânica, porém, passa despercebida no seu visual. Ao contrário de versões mais apimentadas que apresentam para-lamas alargados, enormes entradas de ar, fartura de peças de fibra de carbono, este Spyder mudou o mínimo possível para não aumentar desnecessariamente seu custo. A concessão foi feita apenas nos dois ressaltos (na cor da carroceria) que há na parte traseira, logo atrás dos encostos de cabeça, que remetem a outra lenda da Porsche, o 718 Spyder dos anos 60. Na versão comum, há uma cobertura da capota, da mesma cor do revestimento de couro interno.
Mas nada traduz mais o conceito da essência de um esportivo, de purismo, do que o câmbio manual de seis marchas – não há nem como opcional a transmissão automatizada de sete marchas e dupla embreagem PDK, que encontramos em praticamente todos os Porsche atuais. Esse é um ponto de honra deste modelo.
O câmbio manual casa à perfeição com o desempenho sensacional do motor boxer, que dispara fulminante já a partir de rotações médias, acima das 1 500 rpm, deixando o motorista colado no banco, como percebi logo nos primeiros quilômetros do meu test-drive nas estradas da Toscana, região central da Itália. Acima de 5 000 rpm, o seis-cilindros torna-se ainda mais arisco, como um bom motor aspirado de alto rendimento, sem atrasos na resposta.
SENSAÇÃO DE KART
Enquanto isso, a direção vai me dizendo exatamente o que está acontecendo entre rodas e asfalto. A suspensão firme causa aquele efeito empolgante de dirigir um kart que tanto adoramos nos Porsche modernos, não só pela diversão garantida como também pela previsibilidade de reações e facilidade com que é possível andar depressa sem perder o controle.
Combinado a esse clima de euforia, o câmbio vai me envolvendo com suas trocas precisas e extremamente rápidas. Ok, ele pode não ser tão veloz quanto o robô que comanda o PDK, mas está muito acima de outras transmissões manuais. E o que se perde em milissegundos ganha-se em doses industriais de diversão, de interação do homem com a máquina, algo que só é possível aqui. Como quando troco de segunda para terceira sentindo no braço a vibração nervosa do motor gritando em alto giro.
Com tanta emoção ao volante, compreende-se por que os alemães deixaram de lado o ar-condicionado e o rádio para poupar alguns quilos. Mas quem faz questão dos dois pode ficar tranquilo: a Porsche instala os dois como opcional. E de graça.
VEREDICTO
O porte compacto, a dose extra de potência e o câmbio manual tornam este Porsche um ponto fora da curva: ele entrega ótimo desempenho com um prazer ao volante que você não encontra mais nos carros atuais.
Motor | central, boxer, 6 cilindros, 24V, injeção direta |
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Cilindrada | 3 800 cm³ |
Diâmetro x curso | 102,0 x 77,5 mm |
Taxa de compressão | 12,5:1 |
Potência | 375 cv a 6 700 rpm |
Torque | 42,8 mkgf a 4 750-6 000 rpm |
Câmbio | manual, 6 marchas, tração traseira |
Dimensões | comprimento, 414,4 cm; altura, 126,2 cm; largura, 180,1 cm; entreeixos, 247,5 cm |
Peso | 1 390 kg |
Porta-malas/caçamba | 130 litros na dianteira e 150 dentro do carro |
Tanque | 54 litros |
Suspensão dianteira | independente, McPherson |
Suspensão traseira | independente, McPherson |
Freios | discos ventilados (cerâmicos opcionais) |
Direção | elétrica |
Pneus | 235/35 R20 à frente e 265/35 R20 atrás |
0 a 100 km/h | 4,5 segundos |
Velocidade máxima | 290 km/h |