A peculiar complexidade do Brasil criou uma percepção comum de que cidade e campo são incompatíveis. Como se a existência de um implicasse, necessariamente, na derrota dos valores do outro. Trata-se de um problema antigo, que incentivou até a construção de Brasília, onde, segundo o presidente Juscelino Kubitschek, seria possível “costurar por dentro” as diferenças de um país continental.
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A ferida nacional segue aberta, mas a 315 km de Brasília, em Catalão (GO), a Mitsubishi parece ter aproveitado melhor a fronteira informal do centro-sul para agradar diferentes perfis com o novo Eclipse Cross 2023.
Ciente de que a traseira do antigo modelo foi reprovada por maioria absoluta, a marca tratou de trazer, ao Brasil, a mesma estética do estrangeiro. Agora, a parte de trás do Mitsubishi Eclipse Cross tem linhas sóbrias e, principalmente, está sem o vidro bipartido que formava um ângulo agudo na tampa do porta-malas.
A frente também foi atualizada e ganhou faróis que seguem a moda, bem mais finos e comprimindo as DRLs. A grade perdeu detalhes em cromado e os faróis de neblina, mais ousados, ganharam formato que lembra câmeras de smartphones.
O motor 1.5 turbo é o mesmo, com 165 cv de potência e 25,5 kgfm de torque, e câmbio CVT de oito marchas simuladas. Em um carro de 1.600 kg não é muito, mas suficiente para rodar com conforto – favorecido pela transmissão, muito bem apurada tanto na cidade quanto em ultrapassagens rápidas, onde alguns cavalos extras ainda fazem falta.
O CVT também é fundamental para manter o consumo em padrões aceitáveis: o Eclipse Cross precisa de subir as rotações para acompanhar vários SUVs médios e grandes em largas rodovias pedagiadas, fazendo 11,6 km/l segundo dados oficiais.
Segundo a diretora de marketing da Mitsubishi, Letícia Almeida, essa foi uma escolha adequada para quem rodará o “Brasilzão”. Em outras palavras, quem tenha no mínimo R$ 186.990 (preço da versão GLS, de entrada) e viva em regiões com infraestrutura problemática, onde estradas de terra são inevitáveis e há desafios que motoristas de grandes centros não enfrentam.
Com faixas simples, ultrapassagens na contramão e velocidade média bem menor, faz sentido que nessas viagens a prioridade seja o torque, cujo pico de 25,5 kgfm agora vem a 1.800 rpm (200 rpm mais cedo que antes).
O CVT também é competente ao manter o carro na mão, dispensando as borboletas no volante. A falta de modos de condução econômico e esportivo, porém, impede que o motorista configure melhor o carro.
A direção do Eclipse Cross é surpreendentemente leve e filtra a maior parte das vibrações. Há o mínimo de retorno tátil para o condutor “sentir” o carro com segurança, ao mesmo tempo que poupa os seus braços em trechos longos.
Os bancos de couro da versão topo de linha, HPE-S S-AWC, de R$ 232.990, também são bem confortáveis e, a partir da linha 2023, podem vir em cinza-claro. Não faz muito sentido, porém, que tenham aquecimento embutido; sem dúvida a refrigeração seria bem mais útil.
O plástico rígido usado no acabamento do painel tem a vantagem de ser prático e fácil de limpar, quando a poeira se acumula ou ocorre algum derramamento de líquidos, por exemplo. Mas, por outro lado, falta qualidade percebida e não só visualmente, mas também quando sob os movimentos do carro as peças produzem ruídos a bordo.
O fato de a montadora anunciar a JBL como fabricante da central multimídia também frustra expectativas de quem constata a baixa qualidade da tela e do áudio oferecida pelo equipamento.
É quase simbólico que a tração integral do Eclipse Cross HPE-S S-AWC seja o que une seus públicos mais extremos. De um lado, há quem frequente terrenos hostis por necessidade, e não pode contar com tração dianteira. Do outro, há quem more longe do mato, mas frequente esses ambientes por diversão.
Ambos farão proveito da tração integral e da suspensão, cuja geometria aprimorada fica notável quando o carro atravessa trilhas bem exigentes para um modelo de rua, sem golpes no volante e, principalmente, sem esforço. Nessa hora não há discussão: o Eclipse Cross promove um ótimo nível de conforto para quem dirige por estradas ruins, para sorte do motorista habitual.
O motorista ocasional, “trilheiro” por diversão, pode até achar ruim essa facilidade, por isso a marca pretende transformar o Eclipse Cross em uma iniciação que terminaria na Pajero Sport (até R$ 389.990) ou na L200 (até R$ 308.990).
A Mitsubishi influencia ativamente o público-alvo do carro, organizando de cursos a passeios turísticos, que não permitem ao motorista esquecer de recursos “adventure” pela falta de uso. Tendo o carro como mais do que o transporte a ares puros, o Eclipse Cross é capaz de tornar o caminho do êxodo urbano divertido e cada vez mais radical.
Unindo públicos tão diversos e específicos, obviamente o SUV atrai olhares com exigências acima da média. Como ocorreu em sua traseira, a Mitsubishi precisa estar atenta ao que os clientes pedem, e eventuais falhas podem sabotar todo o “pacote” que envolve ter um Eclipse Cross.
Para essas pessoas, no momento, ele melhorou em algumas coisas e ficou para trás em outras. Na média, segue um produto robusto: não é à toa que 50% dos donos troquem-no por outro mais novo.
Veredicto Quatro Rodas
O Eclipse Cross é robusto e encara o mato com muita habilidade. Falta um pouco de equilíbrio nos equipamentos para a cidade, porém.
Ficha Técnica – Mitsubishi Eclipse Cross HPE-S
Preço: R$ 232.990
Motor: gasolina, diant., 4 cil. 16V, turbo, 1.499 cm3; 165 cv a 5.500 rpm, 25,5 kgfm entre 1.600 rpm e 4.500 rpm
Câmbio: CVT, 8 m., tração integral
Direção: elétrica; raio de giro, 5,3 m
Suspensão: ind. McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), disco sólido (tras.)
Pneus: 225/55 R18
Dimensões: comprimento, 454,5 cm; largura, 160,5 cm; altura, 168,5 cm; entre-eixos, 267 cm; peso, 1.603 kg; porta-malas, 473 l; tanque, 60 l
Desempenho*: 0 a 100 km/h, 11,4 s; veloc. máx. de 95 km/h
*Dados de fábrica