Para uma geração inteira de brasileiros os Renault nacionais são carros de baixo custo. Depois do Megane, lançado em 2006, a marca francesa passou os últimos 18 anos fabricando no Brasil apenas carros simples e baratos. Sandero, Logan, Duster e Oroch vieram da estreita relação com a Dacia, da Romênia, e a Renault aproveitou tudo o que aprendeu para lançar o Kwid, seu maior expoente na contenção de custos de produção. Agora, estão voltando atrás.
O Renault Kardian é o primeiro carro de uma nova linha de produtos (que ainda contemplará, pelo menos, um SUV cupê médio e uma picape com o porte da Toro, ambos híbridos)que buscará agregar valor aos carros da marca.
Por sinal, também é a primeira vez que a Renault lança um carro global no Brasil antes dos outros mercados: o Kardian também será fabricado no Marrocos e a partir dali chegará à África, ao Oriente Médio e à Turquia. Global, em termos.
Não foi fácil, tiveram que mudar tudo. Da plataforma ao motor, passando pelas metas de padrões de qualidade do acabamento e da dinâmica do carro, e até a fábrica de São José dos Pinhais (PR). Foi quase um recomeço.
A plataforma é a CMF-B, agora chamada de RGMP (de Renault Group Modular Platform), uma versão atualizada da base do Renault Clio e do novo Sandero (olha a Dacia aí de novo). Servirá desde o Kardian, com 2,60 m de entre-eixos, até a picape Niagara, com os quase 3 m, e terá outras três variações da seção traseira, também para acomodar uma bateria ali. Será comum a todos os carros que chegarão até o ano de 2028.
Os mais atentos notarão que as portas têm o mesmo formato das que equipam o novo Dacia Sandero – que foi usado nos testes do Kardian. Mas a Renault defende que muitos sistemas são exclusivos do SUV brasileiro, como os sistemas de freio de estacionamento eletrônico, de direção com peso variável, de suspensão e a arquitetura eletro-eletrônica, que suporta equipamentos de segurança mais avançados como frenagem autônoma de emergência e piloto automático adaptativo — mas só com radar e sem câmera para identificar faixas e pedestres.
Uma maior preocupação com segurança implicou em longarinas dianteiras mais robustas, berço da suspensão com deformação programada, assoalho de alta resistência, e no fato do Kardian ter seis airbags de série em todas as versões.
Na mecânica, decidiram que o motor 1.6 16V de origem Nissan será restrito à exportação. No Brasil, apostaram no três cilindros 1.0 TCe, turbo com injeção direta flex (da mesma família do 1.3 TCe do Duster) que é montado no Brasil e terá seu índice de nacionalização aumentado dos atuais 20%.
Na configuração brasileira, gera 120/125 cv e 20,4/22,4 kgfm com gasolina e etanol, respectivamente. A diferença de 2 kgfm vem do melhor aproveitamento da maior resistência à detonação com o combustível vegetal. O turbo, por sua vez, trabalha a até 1,5 bar.
Um câmbio manual de seis marchas surgirá no segundo semestre. Por enquanto, todas as três versões terão o mesmo câmbio automatizado de dupla embreagem úmidas com seis marchas utilizado na Europa. A única manutenção preconizada para ele é justamente a troca do óleo lubrificante que banha as embreagens, os eixos e as engrenagens.
Esse câmbio é o DW23 fabricado pela Magna na China e que equipa grande parte dos Renault na Europa. Mas os franceses preferiram chamá-lo de EDC (de Efficient Dual Clutch). Custa menos que o antigo câmbio CVT compartilhado com a Nissan e promete otimizar a eficiência do carro frente ao resultado que teria com um conversor de torque (seja com o CVT ou em um câmbio automático convencional.
Esforço geral
A engenharia trabalhou, mas os designers não tiveram descanso. Se esforçaram para colocar a marca bem em evidência. O Kardian é o primero nacional com o novo logotipo da Renault, com linhas cromadas, mas o losango também é reproduzido na trama da grade frontal. O capô elevado cria o aspecto de SUV que a fábrica busca e dá espaço para os faróis full-led serem divididos em duas peças.
Os para-choques estão conectados pelas molduras plásticas nas caixas das rodas e na base das laterais, valorizando a suspensão tão elevada que o vão livre é de 21 cm. As rodas aro 17 das duas versões mais caras, Tecno e Premiere Edition, têm o mesmo desenho mas fundo diamantado diferente. A traseira reforça a altura com a enorme parte sem pintura no para-choque que envolve a placa. É bem arredondada e tem lanternas em forma de ‘C’ com leds nas luzes de posição.
O porta-malas é até maior que o do Sandero, que era uma referência entre os compactos. São 358 litros contra 320 litros no padrão VDA, medido com blocos padrão de 1 litro – a capacidade liquida absoluta é de 410 litros.
A estrutura básica do painel é a mesma do Sandero romeno. Até encontramos, à esquerda da central multimídia, a presilha para o suporte de celular que oferecem por lá. Mas decoraram bem: o console elevado com freio de estacionamento eletrônico e a faixa imitando couro no painel estão presente a partir da versão intermediária. As luzes ambiente nas portas é exclusividade da versão mais cara, mas todas têm ar-condicionado automático e quadro de instrumentos digital de 7 polegadas.
A evolução na ergonomia é muito clara. Os bancos dianteiros são confortáveis e envolventes, com grandes abas laterais, e a amplitude do ajuste de altura dá uma aula aos outros SUVs: você não é obrigado a dirigir no alto, pode ficar rente ao piso se quiser. Aí vem a importância da direção também com amplo ajuste de altura e profundidade. Até capricharam no vinil que esconde a coluna de direção pelo vão que se forma.
Atrás, o pecado é não ter saída de ar dedicada: o local virou um porta-objetos, acima das duas portas USB. O espaço para um adulto de 1,80 m é bom, com sobra para pernas e cabeça. E como os assentos laterais são bem espaçados, cabe um terceiro ocupante no meio sem o mesmo aperto de outros carros.
Boas surpresas
Aciono o botão de partida e o três-cilindros turbo acorda sem muito alarde. O bom isolamento da vibração é um ponto forte, mas o isolamento acústico ainda permite que o ronco atravesse a parede corta-fogo em rotações mais altas. A sorte é que a gestão do câmbio é conservadora e dificulta que isso aconteça.
O dupla embreagem é rápido ao arrancar, patina menos que os CVT. As trocas são feitas quase sem sentir e não se escuta o barulho da embreagem como em outros sistemas semelhantes. Mas não é tão responsivo às trocas manuais por meio das borboletas no volante: demora para executar, ainda que sinalize no painel que já foi feita, e não aceita reduções se for implicar em rotações muito acima de 4.000 rpm, talvez para se poupar.
No modo Eco, a estratégia é aproveitar todo o torque em baixas rotações, o MySense (equivalente a um Normal) deixa o uso mais conveniente e o Sport estica mais as marchas e antecipa as reduções. Para entrar no modo manual, não há comando no seletor joystick: é preciso apertar a borboleta direita por 3 segundos.
Outras boas surpresas estão no comportamento da direção, que ganha bastante peso no modo Sport e conforme a velocidade aumenta, e no comportamento da suspensão. O conjunto permite uma boa tocada, controlando bem a carroceria e sem ter batidas secas. É até firme, mas o suficiente para não tornar desconfortável um passeio por uma estrada de terra ou por um lugar que tenha paralelepípedos.
Pode ser mérito do subchassi da suspensão dianteira com amarração também pela frente, como em SUVs maiores como o Chevrolet Tracker. E o melhor: nessa condição, não há barulho de acabamento ou de plásticos ocos vibrando na cabine. Eles conseguiram!
Se fizer o teste de DNA, certamente vai acusar que o Kardian nasceu como um hatch promovido a SUV compacto, mas a boa surpresa é que é notável o esforço para tirar a sensação de ser um mero hatch com suspensão elevada. É um carro que precisa ser, no mínimo, dirigido. Ainda mais tendo em vista seus preços.
Fotos do Renault Kardian
Talvez o passado da Renault tenha diminuído a expectativa pelo Kardian, mas conseguiram fazer um carro correto. Anda bem, tem bom acabamento e marca presença. A Renault parece mesmo disposta a mudar tudo.
Versões e preços do Renault Kardian
O Kardian custa entre R$ 112.790 e R$ 132.790, estrategicamente posicionado na faixa de preço de Fiat Pulse Drive 1.3 CVT (R$ 111.990) e Volkswagen Nivus Comfortline 1.0 turbo automático (R$ 132.390).
Kardian Evolution – R$ 112.790
Série: Barras no teto modulares pretas, rodas de aço aro 16 com calotas, seis airbags, sensor de estacionamento traseiro, câmera de ré, quadro de instrumentos digital, multimídia 8” com Android Auto e Apple Carplay sem fio e ar-condicionado digital. Freio de estacionamento é por alavanca
Kardian Tecno – R$ 122.990
Série: Acrescenta freio de estacionamento eletrônico, console elevado com apoio de braço, painel com faixa de revestimento macio, barras no teto modulares prateadas, rodas de 17 polegadas diamantadas mas com acabamento exclusivo, frenagem autônoma de emergência e alerta de colisão frontal.
Kardian Premiere Edition – R$ 132.790
Série: Soma piloto automático adaptativo, alerta de distância, alerta de pontos cegos, câmeras 360°, sensor de estacionamento frotal, faróis automáticos, iluminação ambiente, carregador sem fio para smartphones, teto preto, antena shark e faróis de neblina. Não traz sensor de chuva ou banco de couro.
Consumo e desempenho do Renault Kadian 2025
Aceleração | Renault Kardian Premiere Edition EDC |
0 a 100 km/h | 10,9 s |
0 a 1.000 m | 32,6 s – 160 km/h |
Velocidade máxima* | 174 km/h |
Retomadas | |
D 40 a 80 km/h em | 4,5 s |
D 60 a 100 km/h em | 6 s |
D 80 a 120 km/h em | 7,5 s |
Frenagens | |
60/80/120 km/h a 0 | 14/24,9/56,3 m |
Consumo | |
Urbano | 13,2 km/l |
Rodoviário | 14,9 km/l |
Ruído interno | |
Neutro/RPM máx. | 43,5/71,7 dBA |
80/120 km/h | 72,4/75 dBA |
Aferição | |
Velocidade real a 100 km/h | 97 km/h |
Rotação do motor a 100 km/h | 2.100 rpm |
Volante | 2,7 voltas |
Seu Bolso | |
Preço | R$ 136.990 |
Garantia | 3 anos |
Concessionárias | 295 |
Revisões até 50.000 km | R$ 5.639 |
Ficha técnica – Renault Kardian
- Preço: R$ 132.790
- Motor: flex, dianteiro, transversal, 3 cilindros, 12V, 999 cm³, 120/125 cv a 5.750 rpm (etanol), 20,4/22,4 kgfm entre 2.000 e 4.000 rpm Câmbio: dupla embreagem, 6 m.,tração dianteira
- Direção: elétrica
- Suspensão: ind. McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)Freios: disco ventilado (diant.), tambor (tras.)
- Pneus: 205/55 R17
- Dimensões: comprimento, 411,9 cm; largura, 202,5 cm; altura, 159,5 cm; entre-eixos, 260,4 cm; porta-malas, 358 l; vão livre, 21 cm