Eu, se fosse dono de posto de combustível, estaria preocupado com o futuro do meu negócio. Ganhar dinheiro com gasolina está cada vez mais difícil – menos de R$ 0,20 vão para o bolso do empresário a cada litro vendido.
É pouco. Para deixar o caixa no azul, uma saída é instalar lojas de conveniência ou de serviços no fundo do terreno.
Mas ainda assim elas dependem do grande chamariz: a bomba de combustível para encher o tanque do seu veículo.
Aqui vão alguns problemas para esse modelo de negócios: os carros estão cada vez mais econômicos, já há uma galerinha sem interesse em aprender a dirigir e, com híbridos e elétricos no horizonte, não fará mais sentido ter tantos postos espalhados pelo país.
Ok, isso ainda está longe de acontecer. Hoje, só 0,15% dos carros vendidos no Brasil são elétricos.
E essa escassez de carros totalmente elétricos nos leva ao Tesla Model 3.
É um sedã médio que só usa eletricidade, com um motor conectado ao eixo traseiro por meio de uma transmissão de relação única.
Durante o lançamento, ano passado, Elon Musk (dono da Tesla) afirmou que o sedã iria massificar a eletrificação, pois custaria US$ 35.000 – e prometeu que faria 20.000 unidades dele por mês até dezembro de 2017.
Musk, um ímã de investimentos, convenceu quase 400.000 interessados (ele arrematou US$ 1,2 bilhão para fazer o Model 3), mas não cumpriu nenhuma dessas promessas.
Menos de 2.000 carros foram entregues e todos – todos – custaram entre US$ 50.000 e US$ 56.000.
Por ora, a Tesla só comercializa o Model3 com capacidade estendida, com bateria de 70 kWh, por US$ 9.000 extras.
O pacote opcional de US$ 5.000 é obrigatório, assim como o AutoPilot (outros US$ 5.000).
O cliente consegue apenas evitar o custo da pintura (US$ 1.000), escolhendo o tom preto. Ou os US$ 1.000 pelo jogo de rodas aro 19.
Por isso, sem contar isenções de impostos, o carro igual ao que você vê nestas fotos custa US$ 56.000. É o preço de um Audi RS 3 – nos Eua.
Recentemente Musk afirmou que será inviável comercializar o sedã pelos fantasiosos US$ 35.000, pois a Tesla não teria margem com esse preço inicial caso a maioria dos clientes optassem pela configuração mais básica.
Discutindo a relação
O Model3 modifica a maneira como o dono interage com o carro. E a analogia mais próxima para compreender isso é pensar no smartphone.
Praticamente toda a operação do veículo é feita por meio da tela digital de 15,4 polegadas no centro do painel.
Ela exibe mapas, funções do multimídia, configura a iluminação, preferências de ajustes, trava as portas traseiras e o sistema de ventilação. Até o velocímetro é monitorado pelo display, fixado no canto superior esquerdo.
A interface é tão boa que faz o Android Auto e Apple CarPlay parecerem sistemas defasados.
Um dos esforços da marca foi o de eliminar partes móveis na cabine – com exceção das alavancas de seta e da transmissão, ambas atrás do volante, não há sequer uma maçaneta interna para abrir as portas. Isso é feito por meio de um botão elétrico.
No painel com acabamento de madeira não há nenhum mostrador.
As saídas de ar ficam camufladas em um duto, que se estende de ponta a ponta. Na tela, basta tocar no ponto em que se deseja o fluxo.
Quer abrir o porta-luvas? Regular a coluna de direção? Ajustar os retrovisores? Tudo pela tela, no máximo em conjunto com comandos no volante – que funcionam como um botão de joystick.
Além disso, todo Model 3 sai da fábrica com conexão à internet.
A Tesla envia para seu carro atualizações de sistema e oferece apps com mais funções ao veículo. Em outras palavras, o carro evolui com o tempo, conforme a tecnologia avança – e isso tem influência na experiência de uso.
Hoje, nenhum Model 3 é 100% autônomo, mas isso pode mudar. E, se mudar, quem já tiver um Tesla poderá atualizar o software para receber essa funcionalidade. Por ora, o AutoPilot consegue substituir o motorista em situações específicas.
Na estrada, bastam dois toques na alavanca de câmbio para ativar o recurso.
Oito câmeras (três no para-brisa, duas nos para-lamas dianteiros, uma em cada coluna B e uma na traseira), associadas a 12 sensores ultrassônicos e radar, monitoram o trânsito e identificam as faixas de rolagem, placas de trânsito e a presença de obstáculos.
Isso é suficiente para o veículo seguir sozinho o carro da frente, frear, respeitar limites de velocidade e até trocar de faixa sozinho. Basta que o motorista dê o comando pelas setas.
A condução autônoma, no entanto, está muito distante do Brasil. Esses controles funcionam bem em locais com sinalização de trânsito clara.
Carro autônomo ainda não é capaz de desviar de buracos e defeitos na pista.
E, por fim, operam com eficiência quando os outros motoristas desobedecem as regras por exceção, não por padrão – modus operandi brasileiro.
Por funcionar como um celular, a Tesla consegue monitorar o veículo e emitir alertas ao dono.
Se houver um defeito mecânico, técnicos da empresa podem entrar em contato antes mesmo que o proprietário perceba e até efetuar reparos remotos por wi-fi.
O telefone do dono também controla funções do carro. Serve como chave e manual de instruções, tudo via app. Na falta dele, não há chave.
A Tesla fornece um cartão que destrava a porta e aciona o veículo.
Ao volante, a disposição a cada acelerada supreende – o Model 3 não distingue retão de subida e não sofre com carga pesada.
Porém, a suspensão é ruidosa sobre pisos acidentados e o isolamento acústico é inferior ao de modelos dessa categoria, como Mercedes Classe C e BMW Série 3.
A autonomia divulgada é de 500 km com uma carga completa, marca que supera concorrentes diretos, como o Nissan Leaf e BMW i3.
Ao utilizar o navegador, o próprio carro calcula a distância até o destino e avisa o motorista se a carga é suficiente, além de prever o quanto de energia restará na bateria quando chegar ao local.
Em dois dias à bordo do elétrico, considerando a infraestrutura disponível, o velho posto de combustível não fez falta. Foi mais fácil prever a recarga na tomada do que utilizar a anacrônica bomba com carros comuns.
Em breve, a tendência é que a gente passe a achar incômoda a necessidade de gasolina. Assim como o celular mudou nossos hábitos, o carro do futuro também mudará.
Mas ainda há desafios a superar. No caso da Tesla, há um obstáculo financeiro: o atraso na produção do Model 3 sufoca o caixa da empresa, que perdeu mais de US$ 1 bilhão no último trimestre.
A linha de montagem não está 100% pronta e a empresa enfrenta dificuldades para produzir baterias no volume necessário.
A publicação americana Consumer Reports fez testes de desempenho com o Tesla Model 3 e o elétrico obteve notas baixas no quesito frenagem.
O resultado ruim levou Elon Musk a se manifestar publicamente e afirmar que o modelo passará por atualizações de software.
Veredicto
Com estrutura de recarga adequada, o Model3 substitui carros a combustão com louvor. E dá a sensação de que o futuro já existe. É um iPhone motorizado.
Ficha técnica – Tesla Model 3
Preço: US$ 56.000
Motor: elétrico, AC, magneto permanente, trifásico, 224 cv; 41,8 mkgf
Câmbio:automático, 1 marcha, tração traseira
Suspensão: braços duplos (diant.) /multilink (tras.)
Freios:disco ventilado (D e T)
Direção: elétrica
Pneus: 235/45 R18 (19 pol, opcional)
Dimensões: compr., 469,4 cm; largura, 184,9 cm; alt., 144,8 cm; entre-eixos, 287,5 cm; peso, 1.610 kg; porta-malas, 425 l (volume combinado)
Desempenho: 0 a 100 km/h em 5,7 s; velocidade máxima, 225 km/h (dados de fábrica)
Autonomia: 500 km
Eletricidade em todo lugar
A existência do carro elétrico depende de uma estrutura complexa. A Tesla instalou pontos de recarga para clientes da marca com carregadores chamados de Supercharger. O equipamento provê energia a altíssima tensão – o suficiente para completar a bateria em até 1 hora.
Donos do Model S e X têm 400 kWh de crédito, válidos por um ano. Essa franquia é suficiente para rodar pouco mais de 1.500 km. No caso do Model 3, não há moleza: paga-se entre US$ 0,12 e US$ 0,20 por kWh.
Na foto, o carro estava parado em uma estação dentro do estacionamento de um shopping. Também é possível encontrar o Supercharger ao longo de rodovias e você não precisa decorar sua posição.
O mapa do carro tem a lista de todas as estações disponíveis no mundo e indica a utilização das unidades próximas. Ou seja, é possível saber de antemão quantos são os pontos da região e quais estão em uso ou vazios.
Família Tesla
O MODEL S compete com sedãs de luxo, como Audi A4 e BMW Série 3. Lançado em 2012, é um dos veículos mais seguros do mundo. A partir de US$ 62.700, nos EUA.
Familiar, o MODEL X é um SUV dotado de portas gaivota (que se abrem para cima) com acionamento elétrico. Oferece 7 assentos e obteve 5 estrelas em crash-test.
O ROADSTER foi o primeiro Tesla a ser vendido, mas saiu de linha. Prevista para 2020 e com tração 4×4, a segunda geração (foto) promete ir de 0 a 100 km/h em 2 s.