O que se pode esperar de um carro que traz de fábrica duas chaves, uma para uso mais comedido e outra para acelerar sem dó? O novo Challenger SRT Hellcat tem tanta potência que a Dodge resolvou criar uma chave (preta) para o caso de você resolver deixá-lo com seu filho ou na mão do manobrista. Nesse caso, ele libera “apenas” 500 cv. Mas, se você quer deixar para trás aquele Porsche no semáforo ou se divertir em uma pista de corrida num track day, use a chave vermelha e prepare-se para ser jogado num mundo de 717 cv!
Foi exatamente este meu desafio: colocar o novo Hellcat no autódromo de Portland, nos Estados Unidos, para sentir na pele o motor mais potente da história do Grupo Chrysler. Para dar conta de tanta potência, a marca o equipou com freios da Brembo, com os maiores discos já colocados em um carro da Dodge (39 cm) e pinças de seis pistões, rodas de aro 20 de alumínio forjado (bem mais leves e resistentes que as de alumínio fundido, pois são produzidas a partir de um único bloco de metal) e calçou tudo com pneus Pirelli PZero 275/40 R20 com tecnologia de Fórmula 1.
Antes de contar minhas impressões com essa fera no circuito americano, é importante ressaltar que a Dodge estabeleceu cinco prioridades para a produção desse esportivo: aumentar a potência, melhorar a aderência, aperfeiçoar o sistema de freios, dar a ele pedigree de corrida e manter a agressividade do visual e sua forma clássica retrô dos anos 70. Quanto à potência, não há o que discutir: a marca atingiu seu objetivo com folga. Enquanto o Challenger SRT normal tem um motor V8 de 6,4 litros que produz 482 cv, o V8 Hellcat de 6,2 litros com compressor mecânico saltou para espetaculares 717 cv (ou 707 hp, pelo padrão americano). Nenhum carro dessa categoria nos Estados Unidos alcança tanta potência. O mais próximo seria o novo Shelby Mustang GT500, que tem 671 cv, 46 a menos que o Hellcat. O Chevrolet Corvette Z06, coitado, não passa de 659 cv.
O novo sistema de freios Brembo colocou o Hellcat em um patamar mais profissional e eficiente. Ao pressionar o pedal em alta velocidade, percebi que os discos dianteiros trabalham em boa sintonia com os traseiros (todos ventilados e perfurados), sem desvios de trajetória, permitindo parar o cupê rapidamente sem acionar o ABS com facilidade.
O visual que remete aos anos 70, confesso, não me agradou. Esperava algo mais novo, alguma coisa que pudesse relacionar o design àquela década, mas com um toque maior de modernidade. Nesse quesito, os americanos ficaram devendo. Antes de falar dos tópicos aderência e acerto para corridas, é preciso lembrar que os esportivos americanos em geral não gostam muito de fazer curva – e o Hellcat infelizmente segue essa tradição. O carro entrega muito mais diversão na hora de acelerar sem compromisso do que performance num circuito de competição. Mesmo tendo sido retrabalhada, a suspensão ainda deixa o Challenger muito mole e com pouca agilidade em trechos sinuosos. Nas curvas a tendência é sair bastante de frente e perder a traseira ao dar um toque no acelerador.
Se os engenheiros da Dodge queriam um pedigree de corrida, então é preciso deixar claro que eles deviam estar pensando em corrida de arrancada, porque nas curvas esse carro deixou a desejar. O que já era esperado só de analisar o estilo da carroceria – no capô e no para-choque dianteiro, as entradas de ar para refrigerar o motor são inspiradas nas dos carros de arrancada. Portanto, se tiver uma competição num circuito fechado, não é nas curvas que ele vai baixar. Mas nas retas a história é outra: consegue disparar de 0 a 100 km/h em 3,5 segundos, se equipado com o câmbio automático, com velocidade máxima de 320 km/h.
Há quatro ajustes programáveis para guiar o carro, selecionados pelo monitor sensível ao toque no painel e disponíveis apenas quando o motorista estiver usando a chave vermelha. O modo Default é aquele no qual o carro já fica configurado assim que o motor é ligado. O modo Custom deixa a suspensão mais macia e o Sport libera a potência máxima do motor, endurece a suspensão e afrouxa um pouco controle de tração, o suficiente para dar a emoção de sentir a traseira escapar ligeiramente, mas sem deixar você passar grandes sustos ao pisar fundo. O último modo é o Track, que usei dentro do circuito de Portland. Nesse ajuste, o sistema desativa completamente o ESP e outros controles de segurança. Aí é você e o carro, mais ninguém. Só precisa ter habilidade – e coragem – para domar o bicho.
Ao acelerar só um pouco nas curvas no modo Track, o Hellcat imediatamente quer fazer um drift. É a coisa mais divertida do mundo. Se você gosta de “patinar” e andar de lado, esse é o esportivo perfeito. O comparador pode escolher entre as duas opções de câmbio, um manual de seis marchas ou um automático de oito velocidades, com borboletas atrás do volante. Analisando as duas opções, o manual é mais divertido, mas, como esse sistema já é um pouco ultrapassado comparado aos recursos técnicos disponíveis na área de transmissões, eu escolheria a versão automática. A troca de marcha é muito eficiente, em especial quando comparada com outros esportivos que dirigi, como Nissan GT-R e a nova Ferrari California T.
O preço desse brinquedo de adulto está estimado em US$ 60 000. Se você fizer as contas, vai ver que o carro oferece a maior cavalaria por dólar nos Estados Unidos, um preço acessível para a qualidade do produto. O interior é refinado, com várias opções de cor e combinações de equipamentos, central multimídia e GPS fáceis de usar e intuitivos, ótimos materiais de acabamento e banco do motorista instalado entre laterais altas que lembram um cockpit. Mesmo sem tirar as mãos do volante, você consegue manusear quase todos os controles do veículo, como na maioria dos sedãs de luxo. Só que, neste caso, a um preço bem mais em conta.
O Hellcat diverte bastante na pista. Ao usar toda sua potência, tive momentos apreensivos nas curvas: senti que estava andando de lado em vez de ir para a frente. Por outro lado, a direção está de parabéns: tem respostas rápidas e precisas. Na cidade, ela oferece maior leveza. Quando a velocidade aumenta nas curvas, ela automaticamente fica mais firme, fazendo você sentir o que acontece debaixo dos pneus.
É esse o espírito do Challenger Hellcat: mais arrancada e divertimento do que puro desempenho na pista. Mas quem liga para isso quando se tem 717 cv sob seu comando?
VEREDICTO
Visual intimidador e mais potência do que a maoria das Ferrari e Porsche por menos da metade do preço. O problema é que fazer curva não é sua praia.
Motor | dianteiro, longitudinal, V8, 16V, compressor, injeção multiponto |
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Cilindrada | 6166 cm3 |
Diâmetro x curso | 103,9 x 90,9 mm |
Taxa de compressão | 9,5:1 |
Potência | 717 cv a 6 000 rpm |
Torque | 88,1 mkgf a 4 000 rpm |
Câmbio | manual de 6 marchas ou automático de 8 marchas, tração traseira |
Dimensões | comprimento, 501,8 cm; largura, 192,3 cm; altura, 141,6 cm; entre-eixos, 294,6 cm |
Peso | 2 014 kg (autom.) |
Porta-malas/caçamba | 459 litros |
Tanque | 70 litros |
Suspensão dianteira | dupla A |
Suspensão traseira | multilink |
Freios | discos ventilados e perfurados |
0 a 100 km/h | 3,5 s (autom.) |
Velocidade máxima | 320 km/h |
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